24 Novembro 2025
Representantes da sociedade civil de países africanos destacam a necessidade de obter financiamento para atender às demandas de seus países. A crise climática tem prejudicado o acesso de populações extremamente empobrecidas do Sul Global à saúde e à nutrição. Esses mesmos países pagarão, no total, entre 2015 e 2031, 3,5 trilhões de dólares a seus credores. Quase 38% desse dinheiro será destinado ao pagamento de investidores do setor privado.
A informação é de Jaume Portell Caño, publicada por El Salto, 20-11-2025.
A COP30 do Brasil termina com um desafio pendente que continua sem solução: o financiamento. No encontro de Baku, no ano passado, a distância entre países ricos e países pobres ficou evidente em dois números: os países pobres pediam 1 trilhão de dólares de investimento anual para se adaptar às mudanças climáticas e transformar seus sistemas energéticos; os países ricos acabaram oferecendo o compromisso de chegar a 300 bilhões de dólares anuais antes de 2035. Esta edição chegava com a intenção de se abrir à sociedade civil e marcar um ponto de inflexão, mas perdeu força antes mesmo de começar devido à lista de ausências.
A ausência dos líderes dos Estados Unidos, Índia, Rússia e China deixou mais protagonismo para o anfitrião, Brasil, e para a União Europeia. Ainda assim, o roteiro se manteve parecido ao de edições anteriores: a premissa inicial — é preciso frear as mudanças climáticas — é aceita pela maioria dos participantes, mas as diferenças começam a aparecer quando as soluções entram em debate. O clima, porém, não espera pelos acordos da COP. A conferência no Brasil foi a primeira após o planeta superar 1,5 grau Celsius de aquecimento em relação ao período pré-industrial. Trata-se do limite estabelecido pelo Acordo de Paris de 2015 para evitar as consequências de uma mudança climática que, para muitos países africanos, já é vivida no presente.
Zâmbia: o duplo golpe da seca África produziu apenas 4% das emissões, mas sofre as piores consequências das mudanças climáticas”, critica o ativista da Action Aid, Michael Mwansa. A organização, dedicada ao combate à pobreza, enviou membros de vários países africanos para esta conferência, e Mwansa veio do Zâmbia. O país, rico em cobre, deu calote em sua dívida em 2020 e, desde então, negocia os termos de pagamento com seus credores. Mwansa não concorda com as propostas dos países do Norte Global: “O Reino Unido, Canadá, Japão ou Noruega nos propõem o financiamento privado como solução, mas não colocam dinheiro de fato na mesa”, afirma. Ele considera que novos empréstimos agravariam ainda mais a crise econômica de países como o seu.
No Zâmbia, as mudanças climáticas aumentaram as secas e as inundações — um duplo golpe que prejudicou tanto a agricultura quanto a produção de eletricidade, já que 88% da matriz elétrica do país depende de hidrelétricas. Mwansa lembra da urgência de encontrar soluções para países como o seu: “Enquanto falo com você, o Zâmbia está enfrentando cortes de energia de duas horas por dia. Não existe economia que funcione nessas condições. Nossas comunidades acabam vivendo no escuro. A crise energética termina com crianças morrendo nas unidades de terapia intensiva: quando as máquinas param de funcionar, a mortalidade aumenta”, relata.
Seu país possui minerais críticos para a transição energética, mas Mwansa ironiza ao perguntar para quem servirão esses minerais: “Uma transição justa deveria ser também a oportunidade de utilizar nossos recursos para melhorar o nível de vida do nosso povo”, propõe.
Uma crise com rosto de mulher
Muitos ativistas e participantes do Sul Global têm estado presentes em várias COP, seja virtualmente ou presencialmente, e viram como os compromissos de edições anteriores nem sequer foram cumpridos. Ainda assim, isso não diminui sua determinação. Norwu Kalu Harris é uma feminista da Libéria, experiente em inúmeras lutas em seu país, onde batalhou pela aprovação de leis que vão desde o combate à violência sexual até o acesso das mulheres à terra. Kalu Harris explica que, nesse país da África Ocidental, a maioria das pessoas que trabalham a terra são mulheres, mas raramente conseguem ter acesso à propriedade. Isso as deixa em uma situação especialmente vulnerável diante das mudanças climáticas: trabalhar em terras arrendadas e perder a colheita significa a ruína. “Nesta conferência queremos colocar na mesa a importância da agroecologia e o papel que ela deve ter em contraste com a agricultura industrial. A Libéria está na linha de frente das mudanças climáticas”, afirma Kalu Harris.
A Libéria, produtora de borracha e madeira, entre outras matérias-primas, quase não se beneficia dos ganhos dessas vendas — motivo pelo qual a sociedade civil liberiana propõe aumentar os impostos sobre essas exportações para garantir uma compensação justa às comunidades locais. Ainda assim, Kalu Harris sustenta que a mobilização de recursos internos em seu país não pode substituir o financiamento global que vieram buscar no Brasil. Assim como no Zâmbia e em muitos outros países do Sul Global, a crise climática está diretamente ligada ao acesso ao mais básico: “Temos muitos problemas que vão da saúde ao acesso à água, passando pela insegurança alimentar”, diz Kalu Harris. Na Libéria, 75% do arroz consumido é importado, principalmente da Índia. Qualquer choque climático ou político no sul da Ásia se traduz em preços mais altos do alimento mais básico no país.
Os pagamentos da dívida desde Paris: 200 bilhões de dólares por ano
Embora os países do Norte concentrem a maior parte do PIB mundial, eles representam uma parcela cada vez menor da população global, algo que Mwansa apresenta como um argumento de peso: “O grupo dos 77 mais a China somos 134 países. Se tivermos financiamento para nos adaptar climaticamente, os riscos de danos e perdas serão muito reduzidos; mas se não formos capazes de passar da teoria à prática, essa conversa continuará ano após ano”, insiste em lembrar. No entanto, até agora eles não conseguiram dobrar a falta de vontade política dos países mais ricos.
Mais além do debate climático, a questão da dívida é outro dos importantes pano de fundo para os países da África, América Latina ou sul da Ásia: enquanto pedem mais recursos para a adaptação climática, seus pagamentos de dívida não pararam de aumentar durante a última década. Entre 2015 — o ano dos Acordos de Paris — e 2031, o Banco Mundial calcula em 3,5 trilhões de dólares o total pago a credores pelas regiões do sul da Ásia, América Latina e Caribe, e África Subsaariana. Desse montante, 38% terminará nos bolsos de detentores de títulos, cujas taxas de juros oscilaram entre 3% e 8% ao ano.
África mal produziu 4% das emissões, mas sofre as piores consequências da mudança climática, critica Michael Mwansa.
Em outras palavras: em média, esse grupo de países pagou — e pagará — mais de 200 bilhões de dólares anuais a seus credores, concentrados especialmente nos países que se negam a financiar a agenda climática. Por esse motivo, Michael Mwansa aponta um roteiro para o continente africano que, segundo ele, deve passar pela unidade: nenhum país se salvará sozinho, o clima afeta a todos nós. Você não ajudará seu país conseguindo alguns empréstimos às custas de prejudicar milhões de pessoas. Não podemos fazer isso, seria como uma traição. E já não podemos nos permitir trair a nós mesmos, conclui.
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