18 Novembro 2024
Na presidência rotativa do grupo, Brasil apostou em taxação de super-ricos, combate à fome e desenvolvimento sustentável. Cúpula no Rio reúne líderes do G7 e do Sul Global.
A informação é de Bruno Lupion, publicada por DW, 18-11-2024.
A Cúpula do G20 no Rio de Janeiro nesta segunda e terça-feira (18 e 19/11) marcará o fim da presidência brasileira do grupo, que reúne 19 das maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. No fim do mês, o bastão passa para a África do Sul.
Chefes de Estado e de governo estarão presentes na capital fluminense, com o objetivo de tentar dirimir arestas e chegar a uma declaração final de intenções e compromissos. Será também a hora de aferir o quanto a presidência rotativa do Brasil, exercida por um ano, conseguiu influir no rumo dos assuntos globais.
O G20 reúne cerca de 85% do PIB mundial, e é na prática um fórum onde se reúnem o Norte e o Sul Global, países do G7 e do Brics. Por isso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva considerou a presidência do grupo uma oportunidade valiosa para projetar o Brasil no cenário internacional.
Cabe ao país que exerce a presidência definir a agenda e pautar temas para debate. E o Brasil escolheu três prioridades: combate à fome e à desigualdade, reforma da governança global e desenvolvimento sustentável. Qual é o balanço?
Uma das principais bandeiras do Brasil para o G20 foi defender um acordo para cobrar uma tributação mínima de todos os super-ricos de todo mundo, segundo uma proposta elaborada pelo economista francês Gabriel Zucman.
O objetivo: fazer com que os quem tenham uma fortuna superior a 1 bilhão de dólares, universo estimado em cerca de 3 mil pessoas, pagassem no mínimo, anualmente, uma tributação equivalente a 2% de sua fortuna. O que resultaria em uma arrecadação de até 250 bilhões de dólares por ano.
A medida busca combater uma dinâmica prevalente no mundo, na qual os muito ricos pagam, proporcionalmente, menos tributos que a classe média e os pobres. Os recursos extras poderiam ser utilizados, por exemplo, para reduzir a desigualdade, ampliar a capacidade do Estado de fornecer serviços públicos e apoiar a transição para uma economia verde.
Os países do G20 se comprometeram, em uma declaração em julho, a cooperar para uma tributação justa e progressiva, "que garanta que os indivíduos ultrarricos sejam efetivamente tributados" – ainda muito longe da adoção concreta da proposta pelos países. Mesmo assim, o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad, considerou esse ponto o maior legado da presidência brasileira do G20.
A inciativa teve o apoio, entre outros, de França, Espanha, África do Sul, Colômbia e da União Africana. Entre os que se opuseram, estão Estados Unidos – que considerou importante adotar uma taxação progressiva, mas que não seria viável fazer isso de forma coordenada no nível global – e a Alemanha, cujo governo de coalizão de três partidos, dissolvida neste mês, dividiu-se sobre o tópico.
"Pautar a taxação dos super-ricos mostrou a ideia de justiça e equidade global, característica da diplomacia brasileira. Mas é claro que entre colocar isso na declaração final e virar uma política pública em todos os países que assinaram são outros quinhentos", afirma à DW o cientista político Rubens de S. Duarte, coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo).
"Mas o fato de a declaração não ser vinculante não significa que não serve para nada, dá força política aos atores que defendem essa ideia", diz, ponderando que a vitória de Donald Trump nos EUA criará dificuldades extras para a concretização da proposta.
Outro objetivo da presidência brasileira foi colocar na pauta do G20 o combate à fome e à miséria, que desaguou na criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será lançada no Rio durante a cúpula.
A iniciativa será coordenada por um escritório na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em Roma, e terá apoio do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), em Brasília. O Brasil se dispôs a arcar com metade dos recursos de manutenção.
Na prática, a aliança fornecerá apoio técnico e financeiro para a elaboração e aplicação de políticas públicas para combater a fome e a miséria, e direcionará recursos de fundos internacionais. Até este sábado, 31 países haviam aderido à iniciativa.
Claudia Zilla, senior fellow do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), afirma estar "cética" em relação a resultados substanciais da nova aliança.
"No momento, há muito dinheiro dos países industrializados indo para defesa e transição energética. Na União Europeia e em seus países-membros, os recursos são limitados e há uma tendência de investir mais em segurança tradicional. Não creio que em geral as pessoas pensam na fome como um risco de segurança, e não acho que haverá significativamente mais recursos disponíveis para isso", afirma.
Paralelamente à realização da cúpula do G20, o Brasil se prepara para sediar em novembro de 2025, em Belém, a COP30, Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas da ONU. E tentou criar sinergias entre os dois fóruns, promovendo a criação de uma Força Tarefa pela Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas.
Essa iniciativa busca articular as discussões da trilha financeira do G20 a projetos para a transição verde. Uma das propostas de consenso foi lançar uma plataforma para que as nações possam captar investimentos para esse setor, mas também houve divergências sobre metas e estratégias.
Duarte, do Labmundo, avalia que os resultados do G20 no campo das mudanças climáticas ficaram a desejar, em especial sobre como financiar essa transição. Ele pontua que a tentativa de o Brasil se apresentar como potência verde, um desejo do atual governo, acabou enfraquecida por incêndios no país e a insistência em explorar petróleo na Foz do Amazonas. "Isso vai minando um pouco a legitimidade brasileira, e pode ficar mais claro ainda na COP30, em Belém", diz.
Durante o G20, os países aprovaram também um acordo com recomendações para a reforma de bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Novo Banco de Desenvolvimento (o Banco do Brics) – mas a implementação ficará a cargo das futuras presidências do G20.
Entre as medidas, estão o aumento de mecanismos de proteção cambial, incentivo a financiamento em moedas locais, e mais recursos para investimentos em desenvolvimento sustentável. A discussão de alívio para o endividamento de países em desenvolvimento, outra pauta da presidência brasileira no G20, não teve avanços significativos.
Brasil conseguiu deixar sua marca? A avaliação da performance da presidência brasileira do G20 passa também pelo contexto geopolítico atual, de crescente polarização entre potências – em especial Estados Unidos e China – e guerras importantes na Ucrânia e em Gaza, que atrapalham a cooperação em grupos de países díspares como o G20.
Nesse cenário, Zilla considera que o Brasil se saiu "relativamente bem", e conseguiu imprimir sua agenda diplomática "focada em igualdade e inclusão, mais em temas de desenvolvimento do que em temas de segurança".
Para a projeção internacional do Brasil, ela afirma que a presidência do G20 foi especialmente importante tendo em vista que o poder relativo do país no âmbito do Brics reduziu-se devido à recente ampliação do grupo de países, bancada pela China.
Ela pontua ainda como aspecto positivo o fato de o G20 sob o Brasil ter tido "uma maior participação da sociedade civil do que em edições anteriores", por meio do G20 Social. Essa iniciativa, inédita, promoveu diversas reuniões com representantes da sociedade civil, e culminou com um encontro na região portuária do Rio, que entregou um documento com recomendações a Lula.
"Finalmente conseguimos trazer a voz do povo para dentro do G20, a partir do princípio de que não se faz política pública eficiente sem participação social", afirma à DW Gustavo Westmann, assessor internacional da Secretaria Geral da Presidência brasileira e um dos coordenadores do G20 Social.
Ele considera como legado da presidência brasileira a tentativa de busca de consenso sobre fome, desigualdade e meio ambiente, mas reconhece que são "inícios de discussões", que precisariam ter continuidade nas próximas presidências rotativas do G20.
"É um processo que envolve países muito heterogêneos. Por exemplo, na taxação dos super-ricos, conseguimos colocar o assunto na mesa, mas não avançou muito mais. Criamos uma força-tarefa de clima para discutir questões de financiamento climático e ligar com a COP, mas até que ponto será efetivo? Tivemos um documento sobre reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento, mas na prática ainda não está resolvendo", afirma.
"É difícil fazer certas agendas andarem. Por isso temos que pensar nas estratégias brasileiras como parte de um processo, colocamos essas discussões na mesa e esperamos que elas continuem."
A grande dúvida no momento sobre o G20 será sobre a declaração final do grupo, esperada para terça-feira. Os negociadores dos países vêm trabalhando há meses nela, mas a versão final não está pronta.
A principal controvérsia é se e como fazer menções às guerras na Ucrânia e em Gaza. Os Estados Unidos, a Argentina e países da União Europeia gostariam de condenar enfaticamente a invasão da Rússia, mas Moscou se opõe. E países do Sul Global gostariam de uma condenação dura a Israel, o que também acaba bloqueado pelos Estados Unidos.
Em março, uma reunião dos ministros das Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20 acabou sem uma declaração oficial justamente por conta das guerras na Ucrânia e em Gaza. Os negociadores brasileiros trabalham para evitar que isso ofusque as outras pautas de interesse do grupo.
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À frente do G20, Brasil priorizou inclusão sobre segurança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU