27 Junho 2024
O governo brasileiro encomendou um relatório sobre o seu desenho e irá levá-lo para a próxima reunião com apoios como os Estados Unidos, Espanha, França e África do Sul.
A reportagem é de Yago Álvarez Barba, publicada por El Salto, 27-06-2024.
“Tal como temos um imposto mínimo sobre as multinacionais, precisamos de um imposto mínimo sobre os super-ricos do mundo, e isso é tecnicamente viável”. Com essa frase simples e direta, o economista e diretor do Observatório Tributário da UE, Gabriel Zucman, apresentou seu último relatório com um projeto para a imposição efetiva de um imposto global sobre os super-ricos que ele produziu em nome da presidência brasileira fazer parte dos debates e da agenda da próxima reunião do G20 que o país sediará.
O governo Lula pretende que a tributação das grandes fortunas e o combate à elisão fiscal e aos sistemas fiscais regressivos sejam um eixo fundamental no debate que as grandes potências mundiais terão em novembro no Rio de Janeiro e na anterior reunião dos 20 ministros das Finanças em julho no mesmo local, da mesma forma que o imposto mínimo sobre as sociedades.
Thrilled to release this report commissioned by the Brazilian G20 Presidency today
— Gabriel Zucman (@gabriel_zucman) June 25, 2024
Just like we have a minimum tax on multinationals, we need a minimum tax on the world's super-rich—and it has become technically feasible
🧵with the main findings and proposals pic.twitter.com/BUQKVD9pzK
“É a primeira vez que se fala em incluir os super-ricos no G20”, explica Susana Ruíz, responsável pela tributação justa na Oxfam, que saúda e espera que este debate seja aberto “que deveria ser político e não acadêmico”.
Não é uma questão do Brasil por si só. O debate sobre a coordenação global das políticas fiscais para que os ricos paguem mais já foi apoiado publicamente por vários países que participarão da reunião brasileira das 20 grandes potências. Espanha, França, África do Sul ou outros países fora desse clube, como a Bélgica ou a Colômbia, mostraram-se a favor de seguir o caminho marcado pelo imposto mínimo sobre as multinacionais para agora tributarem grandes fortunas de forma coordenada e lutarem contra a evasão fiscal.
Até o presidente americano, Joe Biden, e os restantes líderes que se reuniram na última cimeira do G7 foram a favor de permanecer “empenhados em promover a cooperação internacional em matéria fiscal, aproveitando as conquistas existentes, com uma ampla participação de países em desenvolvimento e desenvolvidos", como estava escrito na declaração ao final da última reunião em que deixaram claro que continuarão a "trabalhar de forma construtiva com a presidência brasileira do G20 para avançar na cooperação internacional", mais especificamente em “aumentando os nossos esforços visando uma tributação progressiva e justa dos indivíduos”.
Depois de mostrar com evidências empíricas como os sistemas tributários nacionais falham quando se trata de tributar indivíduos com alto patrimônio líquido, o relatório do Observatório EUTAx, dirigido pelo próprio Zucman, mostra o desenho de um imposto global, emulando o mínimo de 15% acordado para as multinacionais, que tributa os bilionários ou centenas de bilionários, poderiam ser implementadas graças aos recentes avanços na tributação internacional e na cooperação entre países.
O novo imposto que será debatido no Rio de Janeiro pretende que os bilionários paguem pelo menos 2% de sua riqueza anualmente. Da mesma forma que ocorre com o mínimo de 15% das multinacionais, caso o milionário já seja tributado com impostos pessoais que chegam a 2% de sua fortuna, não serão acrescentados impostos extras. Só aqueles que não veem a sua riqueza tributada nessa percentagem irão pagá-la, acrescentando impostos sobre o rendimento das pessoas singulares, impostos sobre a riqueza e taxas economicamente equivalentes. Desta forma, os países podem coordenar-se mas a soberania nacional de cada um é respeitada. Além disso, com este imposto mínimo sobre os ricos, são eliminados muitos dos incentivos à evasão fiscal e a corrida fiscal para o fundo em que muitos países se encontram atualmente, subtraindo receitas fiscais do resto dos Estados.
Como essa margem será tributada em até 2%? Zucman propõe que o novo imposto funcione como um acréscimo ao imposto de renda. Ou seja, os impostos individuais (IRPF e Imposto sobre Fortunas) de um milionário deverão chegar a 2% ao ano. Caso não o faça, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares irá cobrar-lhe até 2% do valor de todos os seus bens, uma vez subtraídas as dívidas.
A revista Forbes, que inclui apenas bilionários em sua famosa lista, estimou cerca de 2 mil e 800 pessoas com uma fortuna combinada de 14,2 bilhões de dólares. Segundo cálculos do Observatório EUTax, existem cerca de 3 mil destas fortunas no mundo. Uma taxa de apenas 2% da sua riqueza poderia arrecadar entre 200 e 250 bilhões de dólares por ano em todo o mundo, vindo apenas daquele clube seleto que acumula tal fortuna.
Se quiser ampliar um pouco mais a base tributária, Zucman também propõe em seu estudo que ela também seja tributada sobre fortunas superiores a 100 milhões de dólares. De acordo com o Relatório Mundial sobre Desigualdade 2022, em 2021 havia cerca de 65 mil pessoas com riqueza superior a este valor. Tributar esta outra faixa de milionários aumentaria o valor arrecadado, que subiria entre mais 100 e 140 milhões. Ou seja, o imposto mínimo de 2% sobre a riqueza de mais de 100 milhões poderia arrecadar anualmente entre 300 e 390 bilhões de dólares de apenas 68 mil pessoas ricas em todo o mundo.
Se o objetivo é aumentar ainda mais a arrecadação dessas fileiras de milionários, Zucman também mostra as previsões de rendimento se a alíquota fosse de 3%. Com este imposto mínimo a nível global, poderiam ser arrecadados entre 307 e 384 bilhões de dólares dos bilionários, aos quais poderíamos acrescentar entre 244 e 305 bilhões de quem tem mais de cem milhões de dólares de fortuna.
No próximo mês, os ministros da Fazenda se reunirão no Rio de Janeiro com o documento e a proposta de Zucman sobre a mesa, endossados pelo próprio governo do país anfitrião. Certamente encontrará resistência e um dos que parecem ser os seus principais apoios, o de Joe Biden, poderá cair se perder para Donald Trump nas próximas eleições nos EUA. Mas o debate foi aberto e “estamos agora no início de uma agenda que já se arrasta há muito tempo com o debate sobre o imposto mínimo sobre as multinacionais”, afirma Ruíz com esperança, alegando que “isso quebrou muitos dos os paradigmas que existiam no debate “tributação internacional”, o que abre as portas para que esta nova agenda de justiça tributária ganhe muito mais velocidade e caminhe na mesma direção da anterior.
“O objetivo deste projeto é oferecer uma base para o debate político: iniciar uma conversa, não encerrá-la”, disse Zucman. Mas nem tudo vem das instituições. As organizações sociais e os cidadãos também devem pressionar os governos para que promovam medidas que combatam a injustiça fiscal e façam com que aqueles que mais têm contribuam mais. Na Europa, por exemplo, foi promovida uma recolha de assinaturas para uma Iniciativa Europeia que promove um imposto sobre grandes fortunas no estilo proposto por Zucman e pelo Governo do Brasil. “Cabe aos cidadãos decidir, através de deliberação e votação democráticas, como a tributação deve ser realizada”, disse Zucman.
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G20 debaterá um imposto mínimo global sobre bilionários para arrecadar US$ 250 bilhões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU