19 Julho 2024
O protagonismo brasileiro durante a presidência do G20, em meio à Década do Oceano da ONU, deve ser aproveitado até a última gota" escrevem Rede Ressoa, Monique Torres de Queiroz, Luciana Xavier, Nathália Bernardo e Alexander Turra, em artigo publicado por ((o))eco, 17-07-2024
Rede Ressoa, projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.
Monique Torres de Queiroz é oceanógrafa e mestra em oceanografia pela Universidade de São Paulo.
Luciana Xavier, pesquisadora, mulher e cidadã engajada com a sustentabilidade do Oceano. Formada em oceanografia, tem especialização em gestão e conservação costeira em marinha, com foco em abordagens participativas, inclusivas e dialógicas para compreender e transformar a relação das pessoas com o Oceano e promover sua sustentabilidade.
Nathália Bernardo, jornalista, diretora-geral do Grupo Otimista de Comunicação. Atua na Comunicação do Oceans20.
Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano. É membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
O Grupo dos 20 (G20) é um fórum internacional estabelecido em 1999, composto por 19 países e as Uniões Africana e Europeia, para fortalecer a cooperação econômica entre os países membros. Representando dois terços da população mundial, 85% do Produto Interno Bruto (PIB) global e 75% do comércio internacional, o G20 desempenha um papel crucial na arena econômica e política global. O Brasil assumiu a presidência do G20 em dezembro de 2023, tendo o Rio de Janeiro como a capital-sede, com um mandato que se estende até 30 de novembro de 2024. Marcada pelo lema “Construir um mundo justo e um planeta sustentável”, a presidência brasileira do G20 prioriza o combate à fome, pobreza e desigualdades, a promoção das três dimensões do desenvolvimento sustentável e a defesa de uma reforma da governança global.
O foco da presidência brasileira do G20 ilustra a diversidade das discussões do grupo. Apesar do foco em questões econômicas, as discussões do G20 evoluíram para abordar uma gama de desafios globais como desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, questões sociais e a tripla crise planetária. Essa ampliação de foco reflete a crescente interconexão entre desafios econômicos, sociais e ambientais enfrentados pela comunidade internacional. Assumir a presidência do G20 é uma oportunidade significativa para o Brasil influenciar as agendas globais e atuar como protagonista nesses debates. As decisões e declarações do G20 têm impacto significativo em políticas nacionais e internacionais. Quando se trata do ambiente que afeta a vida de todos os seres vivos do planeta, o oceano, o Brasil marca presença, protagonizando um grande avanço ao inserir o oceano oficialmente na agenda de discussões.
O oceano desempenha um papel crucial na história da humanidade. Ele figura como uma entidade titânica na mitologia grega – filho de Urano e Gaia. Foi o cenário das grandes expedições marítimas europeias em busca de novas terras para colonizar e de especiarias exóticas. E é palco de histórias fascinantes de povos tradicionais, como os Maori na Nova Zelândia e o povo indígena Tremembé no litoral cearense. Para os Tremembés, o mar desempenha um papel central em ritos de passagem, como o antigo costume de trazer um tubarão do mar para a terra para simbolizar a transformação de um menino em um homem. Mas mesmo que seus modos de vida não estejam relacionados ao oceano e que você viva longe dele, ou até nunca o tenha visto, ele está presente em seu cotidiano.
O oceano também desempenha um papel estruturante na economia, com termos como “economia azul” ganhando cada vez mais destaque. As rotas marítimas constituem a espinha dorsal da economia mundial e uma condição essencial para a globalização como a conhecemos, sendo responsáveis por 80% do comércio internacional de mercadorias.
O oceano desempenha papéis vitais na cadeia de suprimento de alimentos, fornecimento de recursos minerais e energias renováveis, além de proporcionar diversas oportunidades para lazer, recreação, cultura, religião e modos de vida. Não haverá soluções viáveis para os desafios mais urgentes e importantes da humanidade sem aproveitar o potencial do oceano. O desafio que se coloca é como fazer isso sem reproduzir iniquidades. Segundo o Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável para o Oceano, é preciso equilibrar proteção efetiva, produção sustentável e prosperidade equitativa.
Durante as últimas cinco presidências do G20 (Japão, Arábia Saudita, Itália, Indonésia e Índia, respectivamente), houve uma expansão da temática oceânica no Grupo dos 20, incluída em agendas, documento ministeriais e declarações finais. Como resultado do histórico das presidências anteriores e reconhecendo a importância de “aprofundar” as discussões sobre o oceano como força motriz do desenvolvimento econômico global, a presidência brasileira cria o Oceanos 20 (Oceans 20 – O20), um Grupo de Engajamento da Sociedade Civil no G20. O uso do termo oceanos, com s no final, remete ao reconhecimento de que, apesar de único, o oceano é plural e seu desenvolvimento sustentável deve reconhecer as características singulares de cada bacia oceânica e mares regionais, de cada povo e sua relação com o oceano, buscando soluções locais para problemas globais.
O O20 está sendo coordenado pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, Fórum Econômico Mundial, Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, Pacto Global da ONU, Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e o Woods Hole Oceanographic Institution, com colaboração de parcerias nacionais e internacionais. Sua missão é promover o oceano global como um ativo fundamental para uma economia mundial sustentável e contribuir para a implementação de uma agenda transversal para o oceano na presidência do G20. O grupo ambiciona elevar o papel do oceano como uma fonte de soluções para uma economia global estável, paz e enfrentamento da tripla crise planetária e seus impactos socioecológicos.
Neste primeiro ano de atuação, o O20 prioriza cinco macrotemas alinhados às prioridades da presidência do G20 e aos objetivos do Grupo de Trabalho sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade Climática do G20 (ECSWG):
Agora que a primeira braçada foi dada com a criação do O20, o desafio posto é engajar as pessoas nas discussões e garantir a continuidade do trabalho na próxima troica, que será presidida pela África do Sul. Reforçar a agenda pelo oceano é estratégico e urgente em plena Década do Oceano e em um contexto onde o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 é o ODS com menor avanço e financiamento da Agenda 2030.
Por meio dos Diálogos Oceânicos, o O20 busca identificar atores globais e estabelecer parcerias estratégicas para promover debates e recomendações inclusivas, diversificadas e que representem diferentes setores e contextos socioambientais dos países do G20. Os Diálogos Oceânicos estão abertos para a segunda fase até 23 de julho e, caso você tenha interesse em promover a discussão de um tema relevante para o G20, poderá submeter uma proposta de evento. Mais informações estão disponíveis no site oficial do Oceanos 20 Brasil.
Mais do que uma força motriz do desenvolvimento econômico global, o oceano é fundamental para a manutenção da saúde planetária. O oceano é a provável origem e um importante sistema de suporte à vida neste Planeta, o único que nós temos. Ele atua como regulador climático, sumidouro de carbono, fornecedor de oxigênio e parte fundamental no ciclo da água doce que bebemos. É também o que nos conecta, alimenta e traz subsistência. Em suma, se o oceano morre, nós também morremos. Mas, a despeito desta enorme relevância, a humanidade não tem cuidado bem dele. Poluição, contaminação, aquecimento, acidificação e perda de biodiversidade são alguns dos danos que tempos imposto ao oceano. Se antes podíamos alegar ignorância, hoje não podemos mais. Apesar da imensidão e da abundância de vida que encontramos nestes 71% do Planeta, o oceano já deixou claro que chegamos ao limite. Ouçamos o recado. Sejamos parte da solução.
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O Brasil poderá colocar o oceano na pauta do G20. Artigo de Rede Ressoa, Monique de Queiroz, Luciana Xavier, Nathália Bernardo e Alexander Turra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU