"Entre todas as formas de crimes ambientais, deveriam ser incluídas (e punidas) o analfabetismo funcional climático e a inação".
O editorial é de Kelly Lima, Diretora Executiva da Alter Conteúdo, publicado por Newsletter Alter Conteúdo, 07-05-2024.
Eis o artigo.
Segundo maior PIB do estado do Rio Grande do Sul, terceiro município mais populoso, banhada por dois rios, Sinos e Gravataí, além de estar na zona do Delta do Jacuí, Canoas, a 14 km de Porto Alegre, ganhou este nome durante a construção da estrada de ferro que ligava a capital a São Leopoldo, em 1874. Na época, embarcações do tipo de canoas foram feitas a partir do corte da timbaúva, espécie nativa na região, que chega a atingir 40 metros de altura. Hoje, está presente apenas no brasão da cidade.
Em Canoas, nos conta o Wikipedia, o solo é pobre devido ao seu elevado desgaste e alto nível de poluição. Ainda assim, com uma refinaria na cidade, centro de distribuição do gás que vem da Bolívia e um parque industrial, a cidade tem PIB per capita de R$ 29 mil, dentro da média brasileira. Mas não conseguiu se precaver para os eventos climáticos extremos. E não pode ser dito que foi por falta de aviso.
Todos os verões em Canoas são quentes, e os invernos, muito frios. Desde 2012, a cidade quebra recordes constantes de temperaturas nos dois extremos, o que a tem levado a registrar 43ºC no verão e até neve (atípica) no inverno. Já os outonos e as primaveras, muito chuvosos, são lembrados pelos canoenses pelas constantes em enchentes. A pior delas foi em 1941, mas inundações aconteceram em quase todos os anos, algumas de menor porte e quase nem noticiadas. Mas, de 2005 pra cá, se tornaram constantes. No ano passado foram mais de dez vezes que a cidade enfrentou o problema, entre setembro e novembro.
Entre todas as formas de crimes ambientais, deveriam ser incluídas (e punidas) o analfabetismo funcional climático e a inação. A primeira delas está explícita acima, no relato sobre Canoas. O analfabetismo funcional é aquele em que mesmo sabendo conjugar o be-a-bá, há uma dificuldade cognitiva para entender o que está escrito, e incapacidade de fazer conexões entre o que se lê e os efeitos práticos da vida – ou seja, trazer à luz da compreensão o amontoado de letras que formam palavras, frases e parágrafos.
Já a segunda, a inação, por óbvio, é a que vemos com frequência entre os governantes que fecham os olhos para todos os alertas sobre a crise climática e deixam de agir preventivamente, sendo diretamente responsáveis por tragédias como as que estão acontecendo no Rio Grande do Sul.
Aline Midlej mostrou na GloboNews um levantamento em que dos 31 deputados, só três mulheres (Fernanda Melchiona, do PSOL, Maria do Rosário e Reginete Bispo, ambas do PT) indicaram emendas ambientais no estado. Já o governador Eduardo Leite (PSDB), que teve o cuidado (e tempo) de trocar sua foto nas redes sociais para adotar um dress code apropriado, com colete da Defesa Civil, foi responsável por vetar pacotes de medidas de combate a eventos climáticos extremos e de aprovar, em apenas 75 dias, um código ambiental para o estado, sem nem submetê-lo à comissão que trata do tema.
Quando esse tipo de atitude encontra as diversas inações e omissões, e se soma ao analfabetismo funcional climático, vidas se perdem. Se perderam. Se perderão. Todos – governos, empresas e cidadãos – já fomos alertados de que os eventos climáticos estão cada vez mais presentes, mais constantes e mais fortes. Não podemos nos dizer surpresos.
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