15 Abril 2024
A redução da jornada de trabalho é uma reivindicação antiga dos ambientalistas, nos leva a ter mais tempo para cuidar de nós mesmos e dos outros e a nos perguntar: do que realmente temos necessidade?
A reportagem é de Héloïse Leussier, publicada por Reporterre, 10-04-2024. A tradução é do Cepat.
Uma semana “em” quatro dias, sim. Trabalhar menos? Certamente não. “Sou contra a redução da jornada de trabalho”, deixou claro o primeiro-ministro Gabriel Attal durante sua participação no canal TF1 na quarta-feira, 27 de março. Ele comentava a experiência da semana de quatro dias do funcionalismo público, anunciada pelo governo. Trata-se de uma compressão do tempo de trabalho e não de uma redução. Não é hora de vitória para os defensores das semanas mais leves, como os sindicatos CGT e Solidaires, que há anos defendem as 32 horas. Esta experiência ainda é uma oportunidade para retomar os debates sobre o tempo de trabalho assalariado.
A redução da jornada de trabalho – também chamada de “RTT” – é, “acima de tudo, uma reivindicação do movimento operário”, lembra o historiador Willy Gianinazzi. Mas “os pioneiros da ecologia política na França”, como o filósofo André Gorz e o agrônomo e político René Dumont, também a defenderam desde a década de 1970. “Gorz defendeu a redução da jornada de trabalho na perspectiva do decrescimento”, diz Willy Gianinazzi. Trabalhar menos poderia, segundo Gorz, permitir-nos ter mais tempo para nos dedicarmos a atividades não mercantis, em harmonia com a natureza.
A redução da jornada de trabalho sempre foi uma reivindicação dos ambientalistas na França. “Na época da reforma das 35 horas [no início dos anos 2000], os Verdes já defendiam uma semana de 32 horas”, destaca Willy Gianinazzi. E os ambientalistas continuam a reclamar isso hoje. A deputada verde Sandrine Rousseau reivindica inclusive o “direito à preguiça”. Uma referência à famosa obra homônima do ensaísta Paul Lafargue, publicada em 1880. “A vida não se resume ao trabalho”, explicou a parlamentar.
Em Paresse pour tous (Le Tripode, 2021) e La Vie est à nous (Le Tripode, 2023), o escritor com o pseudônimo de Hadrien Klent descreve uma França em que as pessoas trabalham apenas três horas por dia. “A preguiça não é vacância, nem indolência, nem depressão. A preguiça é algo completamente diferente: é construir a própria vida, o seu ritmo, a sua relação com o tempo – não mais estar submetido a ele. A preguiça no século XXI significa ter tempo para cuidar de si, dos outros e do planeta”, escreve.
Tempo livre para cuidar do planeta significa, por exemplo, reservar um tempo para consertar em vez de comprar coisas novas, cozinhar ou fazer seus próprios produtos de limpeza, participar de iniciativas como a Associação para a Manutenção da Agricultura Camponesa (Amap), andar de bicicleta ou de trem em vez de carro, etc.
Em todo o caso, os estudos mostram que os usos do tempo liberado por um terceiro dia livre na semana “são mais usos de sobriedade do que de consumo”, explica o sociólogo Jean-Yves Boulin, especialista em trabalho e emprego, entrevistado pelo jornal Ouest France. “As pessoas aproveitam este tempo para estar com a família, para fazer jardinagem, para cozinhar… Desta forma, não é algo que vai no sentido do aumento do consumo de carbono”.
Por outro lado, longas jornadas de trabalho seriam sinônimo de maior degradação ambiental. De acordo com um estudo dos economistas François-Xavier Devetter e Sandrine Rousseau, pessoas que trabalham muito e têm salários altos consomem mais bens e energia. A correlação entre o número de horas trabalhadas e o consumo é particularmente significativa no que diz respeito aos gastos com habitação, hospedagem e restaurantes e transporte, sobretudo nos setores poluentes.
As pessoas que trabalham muito usam menos o transporte público. Comem fora com mais frequência e mais frequentemente produtos congelados ou prontos. Fazem atividades mais voltadas ao consumo, que marcam posição na sociedade e requerem pouco tempo.
Hoje, 10.000 trabalhadores na França trabalham quatro dias por semana – na maioria das vezes 35 horas. “A ecologia não é o aspecto mais destacado por empregadores e empregados”, explica Pauline Grimaud, socióloga pós-doutoranda do Centre d’Études de l’Emploi et du Travail (CEET-Cnam), que estuda atualmente as empresas que implementaram a semana de quatro dias. Suas principais motivações declaradas são “a articulação dos tempos sociais, o bem-estar e a produtividade”, explica ela. “Isso ajuda a manter os trabalhadores”.
Mas sobretudo, as empresas que acompanham a semana de quatro dias com uma redução da jornada de trabalho também são “marginais”, segundo Pauline Grimaud. A mais conhecida é a empresa de informática LDLC, que passou para uma semana de 32 horas, por impulso do seu chefe de comunicação social, Laurent de la Clergerie. Em entrevista ao jornal Sud Ouest, este último está satisfeito por ter colaboradores “que trabalham de forma mais eficiente e muito menos estressados”. Numa reportagem da France Culture sobre um escritório da LDLC perto de Nantes, Antony diz que o seu dia livre lhe permite ter mais tempo para os seus trabalhos e para passar mais tempo com o filho.
Mais produtividade, em todo caso, não é o que defendem os partidários da redução da jornada de trabalho na versão ecológica. Pelo contrário, deve ser uma oportunidade para questionar a finalidade do trabalho. “Temos que nos perguntar pelo porquê do trabalho. O que produzimos? Para quê? Para quem?”, observa o economista Jean-Marie Harribey, fervoroso defensor da RTT há várias décadas. “O capitalismo global está esgotando os recursos naturais. Devemos direcionar as capacidades humanas para algo diferente de produzir cada vez mais”, afirma. “É preciso sair do círculo vicioso do trabalho-produção-consumo, cada vez mais devastador para o planeta”, afirma, por sua vez, o filósofo Arnaud François, autor do livro Le travail et la vie (Hermann, 2022). Tanto para preservar os seres vivos como para reduzir o sofrimento social, Arnaud François acredita que devemos “nos perguntar o que é realmente necessário a nível global” e “produzir e trabalhar em conformidade”.
Resta pôr-se de acordo sobre o que é realmente “necessidade”. O debate está apenas começando. E também chegar a um acordo sobre como financiar a redução da jornada de trabalho. Neste ponto as propostas divergem. “Precisamos, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades de renda em benefício dos mais pobres. E para evitar um efeito rebote muito grande, ou seja, um aumento do consumo, devemos drenar os salários altos para melhorar os serviços públicos”, estima Jean-Marie Harribey. Em Paresse pour tous (Le Tripode, 2021), o fictício “candidato à preguiça” nas eleições presidenciais Émilien Long acredita que é “economicamente viável ter jornadas de trabalho de três horas” se tributarmos as horas extras, as rendas do capital e das multinacionais digitais, e limitando as disparidades salariais a uma razão de 1 para 4.
Em Travailler moins, travailler autrement ou ne pas travailler du tout (Rivages, 2021), o teórico do decrescimento Serge Latouche escreve que, para ser eficaz, a redução da jornada de trabalho deve “ser massiva” e, claro, acompanhada de todas as outras mudanças implicadas pelo decrescimento. Ele imagina uma fase de transição, “enquanto espera poder abolir a economia”, em que o protecionismo e a inflação deixariam de ser “tabu”, para se afastar da lógica neoliberal.
A questão da redução da jornada de trabalho não pode ser pensada sem se estudar a palavra trabalho em todas as suas acepções. Porque o trabalho não é apenas o trabalho assalariado ou sujeito à remuneração financeira. “Ouvimos frequentemente que numa sociedade sustentável consumiríamos menos e, portanto, trabalharíamos menos”, disse o filósofo Aurélien Berlan para Reporterre. No entanto, “se consumíssemos menos energia (especialmente combustíveis fósseis), haveria maior necessidade de utilizar trabalho físico e, portanto, energia muscular, nas nossas atividades diárias – o que envolve deslocamentos, construção de casas ou a fabricação de ferramentas. Em vez do direito à preguiça, devemos preparar-nos para pôr mãos à obra se quisermos falar seriamente sobre a sobriedade”.
Aurélien Berlan defende a “recuperação do controle das nossas condições de vida, tentando nós mesmos satisfazer as nossas necessidades”, na linha das feministas da subsistência. Mas devemos garantir, poderíamos acrescentar, que estas tarefas sejam partilhadas. O trabalho doméstico, ou, mais genericamente, o trabalho de cuidado, é hoje em grande parte realizado pelas mulheres e por pessoas racializadas ou migrantes – gratuitamente ou a custos mais baixos. Para usar as palavras da socióloga ecofeminista Geneviève Pruvost, precisamos lutar contra “uma longa invisibilização que vai do trabalho de subsistência, no contato primário com os materiais, ao trabalho doméstico nas nossas cozinhas”.
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As virtudes ecológicas da redução da jornada de trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU