07 Outubro 2022
Em agosto passado, Sandrine Rousseau gerou polêmica ao fazer uma correlação entre comer carne, carne grelhada e ser viril. Observações que se inscrevem em um movimento explicado pela Sidonie Sigrist, autora do livro La révolution écoféministe (A revolução ecofeminista).
Alguns vão se lembrar da polêmica dessa discussão, inspirada na deputada Europe Ecologie Les Verts, Sandrine Rousseau. Em 27 de agosto passado, ela disse que estava na hora de “mudar de mentalidade para que comer um pedaço de carne grelhado não seja mais visto como um símbolo de virilidade”. Uma afirmação rapidamente distorcida por seus detratores. “O consumo de carne está ligado ao que você tem em sua carteira, não na calcinha ou na cueca”, atacou Fabien Roussel, aos microfones da cadeia de rádio Europe 1.
A entrevista é de Léa Mabilon, publicada por Madame/Le Figaro, 29-09-2022. A tradução é do Cepat.
Mas depois da controvérsia, vamos aos fatos. Na quinta-feira, 22 de setembro, um estudo do Ifop veio para corroborar as declarações da política, argumentando que os homens que consomem carne vermelha todos os dias estariam mais predispostos a aderir a estereótipos sexistas. Assim, 47% dos “que comem carne” aprovam a ideia de que uma mulher deve se ocupar dos afazeres domésticos; contra 16% dos homens que não comem carne, ou apenas uma vez por semana. Muitas vezes atacada por causa de suas palavras, Sandrine Rousseau se basearia nos fatos. Especialmente porque sua luta faz parte de um movimento bem mais amplo chamado “ecofeminismo”, do qual é partidária. Sidonie Sigrist, jornalista especializada em temas relacionados às questões de gênero e ecologia, e autora do livro A revolução ecofeminista, discute os principais fundamentos desse pensamento.
Como explicar que os homens que comem mais carne são mais propensos a estereótipos sexistas?
Há uma noção de “poder” no fato de comer carne. Obviamente, é inconsciente, mas o ecofeminismo questiona essa relação predatória e dominante do homem em relação à natureza, aos animais, intrinsecamente ligada à sua dominação sobre as mulheres e as minorias.
Implicitamente, isso significa que não devemos mais comer carne para nos livrarmos dessa binariedade e desses estereótipos?
Há muitas maneiras de abordar o ecofeminismo. Algumas pensadoras serão mais moderadas, outras mais radicais. Mas resta a ideia de se questionar os dualismos que estruturam nosso modo de pensar, como a oposição natureza/cultura – esta última designando a atividade humana, social, intelectual e racional –, que coloca o homem acima de tudo e gera formas de opressão. As pensadoras ecofeministas questionam, portanto, o lugar dos animais em nossas vidas, bem como em nossos pratos. Algumas são vegetarianas, mas a filósofa australiana Val Plumwood não condena a caça nem o consumo de carne de forma universal. Segundo ela, isso equivaleria a excluir certas culturas que praticam a caça para sobreviver. Por outro lado, ela se opõe à pecuária industrial, insustentável do ponto de vista ecológico e ético, e como tal defende um “vegetarianismo situado”, ao reduzir o nosso consumo.
Até que ponto o movimento conecta a opressão das mulheres e a causa ambiental?
O que as ecofeministas dizem é que o capitalismo fez da natureza uma fonte de matérias-primas que podem ser exploradas à vontade, do corpo das mulheres um recurso procriador e das minorias, corpos exploráveis. Silvia Federici, uma pensadora feminista e marxista, relaciona o nascimento do capitalismo e do patriarcado: é quando as mulheres foram designadas para os afazeres domésticos e a procriação, para gerar filhos e assim “produzir” a “força de trabalho”. A este respeito, como o capitalismo e o patriarcado governam a sociedade e todas as opressões estão interligadas – direitos das mulheres, luta de classes, racismo, direitos dos animais, exploração da terra – devem, portanto, ser pensadas em conjunto para mudar as mentalidades. Além disso, nos países do Sul, são as mulheres as responsáveis pela agricultura de subsistência e por trazer água para a casa. As secas as obrigam a percorrer distâncias cada vez maiores para encontrar água; por isso, não se pode considerar a questão ecológica e ambiental sem abordá-la do ponto de vista ecofeminista.
As ecofeministas, por sua vez, falam em “reclaim”, para evocar a “reapropriação” dos corpos das mulheres.
É uma noção central da corrente. Baseia-se na ideia de revalorizar, reabilitar e reapropriar-se do que foi desvalorizado pelo combo “capitalismo e patriarcado”. Para algumas, isso se traduz em um “reclaim” de uma relação com o corpo, com seus ciclos, suas evoluções e sua degradação. Trata-se de aprender a incorporá-lo, a cuidar dele e a apreciá-lo. Para outras, isso passa pela reapropriação de uma espiritualidade para produzir novas narrativas sobre outra forma de ser no mundo e rituais para incorporá-las.
E por falar em rituais, Sandrine Rousseau foi ridicularizada por esta frase: “O mundo está morrendo de racionalidade demais, de decisões tomadas por engenheiros. Prefiro as mulheres que jogam a sorte, do que homens que constroem EPRs (reatores nucleares de nova geração)”. De onde vem essa ideia?
De uma pensadora e ativista ecofeminista americana chamada Starhawk (ela tem 71 anos hoje, nota do editor), que se declara bruxa e pratica cerimônias e rituais neopagãos. De fato, dito dessa maneira, soa muito sombrio e esotérico. Mas Starhawk defende uma magia política, e considera os rituais como tantas práticas que possibilitam unir um coletivo e infundir força, esperança e poder de ação para perseguir as lutas. Os rituais não são um fim em si mesmos, mas formas de reunir, conectar, superar um certo desespero político e de se reconectar com a natureza.
O movimento privilegia a reflexão sobre a ação?
O ecofeminismo oferece uma grade de leitura. É, de certa forma, um software de análise muito rico. Além disso, as “soluções” que ele propõe tomam forma à luz da diversidade das lutas e das mobilizações: contra os órgãos geneticamente modificados, por justiça ambiental nos Estados Unidos e em outros lugares, contra o desmatamento, a favor do desenvolvimento da permacultura... O ecofeminismo é um movimento plural, mas profundamente radical e anticapitalista, que busca repensar o mundo.
As mulheres têm, portanto, um papel importante a desempenhar na luta ambiental. Mas isso não constitui uma “carga mental” adicional, como levanta a jornalista Nora Bouazzouni?
O fardo ecológico recai especialmente sobre as costas das mulheres. Não porque tenham um gene verde, uma consciência ecológica inata, mas simplesmente porque ainda são as principais responsáveis pela carga do care, pelo cuidado e pela organização do lar. Dito isso, elas não defendem a volta ao lar com fraldas de pano e pão feito em casa. Elas defendem uma mudança de paradigma: centrar a vida em torno da atenção, do care, do cuidado das crianças, dos idosos e do mundo vivo, e não em torno de valores capitalistas. Isso se traduz, por exemplo, em uma revalorização dos ofícios considerados essenciais, mas super precários, e com frequência femininos: cuidadoras, enfermeiras, babás, professoras... Também pode passar por uma redução do tempo de trabalho para tirar um tempo para cuidar dos seus, ao invés de delegar essas tarefas a outras pessoas.
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“O ecofeminismo questiona os sistemas de pensamento que colocam o homem acima de tudo”. Entrevista com Sidonie Sigrist - Instituto Humanitas Unisinos - IHU