Filósofa especializada em ética ambiental, Catherine Larrère analisa as controvérsias que perpassam a ecologia em uma época em que todos os políticos a reivindicam. Catherine Larrère é professora emérita da Universidade de Paris I-Panthéon-Sorbonne.
A entrevista é de Hervé Nathan, publicada por Alternatives Économiques, 17-07-2021. A tradução é de André Langer.
Não faz muito tempo que a ecologia lutava para sair das margens. Na sua opinião, quando ela se tornou um elemento central nos debates sociais, políticos e econômicos?
É uma ascensão contínua, que começou, acredito, com a candidatura de René Dumont à presidência da República em 1974, que foi um verdadeiro momento de ruptura política. Claro, ele teve poucos votos, mas todos o viram na televisão bebendo seu copo d'água. A ruptura intelectual é obra, quase simultaneamente, de André Gorz (Ecologie et politique, Galileo, 1975), quando ele faz a distinção entre ecologia científica e ecologia política, e demonstra claramente que não pode haver ecologia política sem um projeto de sociedade, com outras relações de trabalho, outras formas de viver... O processo foi lançado, e ainda vai levar muito tempo. Devemos lembrar que em 1992, em reação à Cúpula da Terra no Rio, renomados intelectuais assinaram o apelo de Heidelberg condenando “o surgimento de uma ideologia irracional que se opõe ao progresso científico e industrial e prejudica o desenvolvimento econômico e social”. Isso mostra que ainda havia um longo caminho a percorrer.
Na época, a ecologia estava ancorada na esquerda; hoje, ao contrário, quase todo o arco político, sindical, associativo e empresarial se une à luta contra o aquecimento global. Quer isso dizer que a ecologia não é mais subversiva e não questiona mais o capitalismo, nem o estilo de vida consumista ou o patriarcado?
A relação entre o capitalismo e a destruição da natureza ainda está presente, a ponto de Christophe Bonneuil e Jean-Baptiste Fressoz rebatizarem o antropoceno como capitaloceno (L’événement anthropocène, Seuil, 2013). Mas uma vez que você disse que o aquecimento global é o resultado de um determinado modo de produção e de uma determinada forma de relação social, você está muito irritado. Porque há muito tempo convivemos com a ideia de que a ruptura com o capitalismo é o socialismo, no final de uma revolução pela tomada do poder central. No entanto, sabemos que isso é uma ilusão. Que o capitalismo é eminentemente adaptável e que lida bem com sucessivos choques.
O que o livro de Serge Audier (L’âge productiviste, La Découverte, 2013) nos faz entender é que o socialismo nunca existiu, sendo a URSS apenas uma forma mais brutal de capitalismo, porque enquanto estivermos no produtivismo, permaneceremos no capitalismo. De repente, são as lutas nas margens e nos interstícios que importam. E, desse ponto de vista, o ecofeminismo dá uma contribuição fundamental, porque as mulheres, especialmente fora do Ocidente desenvolvido, porque no Ocidente a recuperação igualitária produz efeitos, têm papéis na reprodução da vida que não são apenas tradicionais. E suas experiências podem ser subversivas...
Quais são as linhas divisórias na ecologia de hoje? Por exemplo, os partidários do Green Deal e da ecologia positiva contra as do localismo, ou os partidários do crescimento verde contra os decrescimentistas, ou mesmo os colapsologistas?
Ainda temos que revisitar André Gorz, que estabelece a verdadeira divisão entre uma ecologia científica autoritária e uma ecologia política democrática. Bruno Latour está deste lado quando publicou Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia em 1999 [Edição brasileira: Editora Unesp, 2019]. Foi o primeiro a afirmar claramente que devemos desenvolver debates democráticos sobre as questões ecológicas, a fim de se contrapor à ideia então em voga de que “não vamos conseguir” sem autoritarismo, porque as medidas ecológicas são medidas técnicas que os “sábios” devem impor. Isso não significa necessariamente uma ditadura, mas podemos chegar a uma forma de autoritarismo voluntário.
Dominique Bourg está, ao contrário, do outro lado, que apresenta em seu livro Vers une démocratie écologique (com Kerry Whiteside, La République des Idées, 2010) uma democracia limitada por autoridades científicas não eleitas. Uma tentação que podemos ver no momento por ocasião da pandemia, que revelou o fascínio autoritário dos governantes na França. Na prática, o critério atual desse debate é a relação com a China. Pode ser um modelo para uma visão hipertécnica da ecologia. Ao contrário, devemos inventar uma ecologia democrática, que não separe o ambiental do social, animada pela sociedade civil e pelas práticas autônomas dos cidadãos.
A outra linha divisória é a relação entre o homem e a natureza, que Bruno Latour esclarece em Onde aterrar? (Bazar do Tempo, 2020), ao escrever: “A distinção entre humanos e não humanos já não corresponde a nada da experiência terrena”. Ele também lança luz sobre a divisão entre as elites e o povo: “Tudo se passa como se uma grande parte das classes dominantes tivesse chegado à conclusão de que não haveria mais espaço na Terra para elas e para o resto dos seus habitantes”. No entanto, estimo que ele esteja exagerando ao afirmar que estamos em guerra e ao se referir a Carl Schmitt, um grande jurista de Weimar e teórico da ordem jurídica nazista.
Finalmente, existe a relação com o catastrofismo. Quanto mais urgente for, menos democrático é. Isso também preocupa colapsólogos como Pablo Servigne (Une autre fin du monde est possible – Outro fim do mundo é possível, com Raphaël Stevens e Gauthier Chapelle, Seuil, 2018) embora defenda a solidariedade, porque só a concebe a partir de pequenos grupos que evitariam os conflitos, o que é a negação da política. A colapsologia é construída sobre a angústia que mais e mais pessoas sentem em relação ao futuro. O trabalho de um político consiste, certamente, em levar isso em conta, mas para sair disso mostrando as possibilidades.
Mas fora da França, não há intelectuais que tenham algo a nos ensinar?
Claro, existe a canadense Naomi Klein (A doutrina do choque. A ascensão do capitalismo de desastre, Nova Fronteira, 2008). Nos Estados Unidos, Noam Chomsky não intervém mais. Uma personalidade que infelizmente morreu cedo demais é David Graeber, que trouxe uma crítica totalmente subversiva sobre a burocracia (Bureaucratie. L’utopie des règles – Burocracia. A utopia das regras, LLL, 2015), sobre a alegada oposição entre o Estado e o mercado, bem como sobre uma crítica devastadora do trabalho com Bullshit Jobs (Trabalho de merda, LLL, 2018), coisas muito úteis para a ecologia. Ele era um antropólogo, e não é por acaso: foram antropólogos como Philippe Descola, Tim Ingold, Anna Tsing que permitiram que nos afastássemos das nossas velhas maneiras de ver a ecologia como uma crítica romântica da modernidade. Isso foi decisivo.