16 Agosto 2023
O Equador se tornou um dos maiores exportadores de drogas. O assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio é uma das consequências previsíveis do novo estado de coisas.
A opinião é de David Guzmán Játiva, professor da Pontifícia Universidade Católica do Equador e doutor em Estudos Internacionais e Interculturais pela Universidade de Deusto, Espanha, publicada por Ctxt, 14-08-2023.
O Equador tem quatro regiões geográficas: litoral, planalto, Amazônia e Ilhas Galápagos. A costa está sob o domínio de gangues criminosas associadas ao narcotráfico. Esses bandos se deslocaram para as montanhas e para a Amazônia, mas ainda não atingiram o controle que exercem na faixa litorânea. Eles transportam as drogas das fronteiras que depois levam para o alto mar ou levam para fora do país em pequenos aviões. Seus parceiros mexicanos e europeus recebem a droga no mar, em trilhos na América Central e do Norte ou em portos europeus. Em outras palavras, o Equador é uma engrenagem na maquinaria de produção, transporte e venda de drogas que é realizada em escala global.
Antes de se tornar um dos elos do tráfico, o Equador já era um território onde o dinheiro do narcotráfico era lavado. O país usa o dólar americano como moeda nacional, o que facilitou muito a entrada do dólar no sistema financeiro e em todos os tipos de investimentos. O Equador lavou dólares antes de se tornar a principal saída de cocaína.
Durante estes últimos anos a modernização do país foi vertiginosa. Já aconteceu até de os próprios construtores privados financiarem as obras que são feitas para governos, como municípios e prefeituras. Havia dinheiro, que circulava discretamente, para financiar todo tipo de empresa, em condições incompreensíveis, não fosse pelo fato de não buscarem lucrar com o dinheiro, mas simplesmente circulá-lo. No entanto, quando uma pessoa recebia dinheiro uma vez, ela não podia mais se recusar a recebê-lo pela segunda vez.
O Equador é geograficamente pequeno, em comparação com seus vizinhos: tem um quarto do território do Peru ou da Colômbia. Durante os últimos vinte anos, os governos central e seccional construíram e melhoraram rodovias, aeroportos e portos, tornando o país muito mais transitável do que antes. Toda essa infraestrutura tem sido utilizada por gangues criminosas.
Os casos de narcotráfico não ficaram alheios à história criminal da República. Durante a década de 1990 e no início do milênio, traficantes locais foram presos e processados, porém, ainda eram pequenos exemplos do que significava o narcotráfico. Ainda assim, o assassinato do deputado Jaime Hurtado, no final da década de 1990, esteve ligado às suas investigações sobre a lavagem de dinheiro no sistema financeiro daqueles anos.
O atual sistema de coisas, o poder sem precedentes que as gangues criminosas passaram a ter, foi estabelecido nos últimos vinte anos. No entanto, nos últimos três anos passamos de uma convivência pacífica com o governo revolucionário para uma guerra total contra os narcotraficantes. Antes de se referir a esta guerra, deve-se notar como o governo revolucionário foi quem estabeleceu o atual sistema de coisas.
O partido revolucionário foi acusado de receber financiamento das FARC para sua primeira campanha eleitoral. Pouco tempo depois, foi desmantelada a base norte-americana que existia na costa do país, e que ali havia sido instalada para combater as FARC colombianas. Agora se diz que essa base estava ali para combater o narcotráfico, o que em parte é verdade, já que as FARC controlavam parte do negócio do narcotráfico. Por outro lado, durante os anos da Revolução, tornaram-se cada vez mais comuns as denúncias de cumplicidade entre políticos e narcotraficantes. Pistas e docas clandestinas foram instaladas, em colaboração com os políticos da região litorânea. Um incidente pode nos dar uma ideia da penetração do narcotráfico no aparato do Estado: em 2013, uma mala diplomática cheia de drogas foi enviada para a Itália.
No entanto, a coexistência pacífica entre o narcotráfico e a política terminou com a chegada ao poder de Lenin Moreno. Moreno foi vice-presidente de Rafael Correa entre 2007 e 2012; No entanto, quando chegou ao poder em 2017, rompeu completamente com seu passado revolucionário e se dedicou a perseguir a corrupção de seus ex-coideadores: Jorge Glas, seu vice-presidente, foi investigado, julgado e condenado por corrupção. Entre outras causas, Glas era acusado de receber propina da empresa brasileira Odebrecht. Neste momento, a justiça brasileira acaba de retirar os processos contra Glas.
Moreno e seu sucessor, Guillermo Lasso, romperam alianças com a Rússia e esfriaram suas relações com a China. Moreno entregou Julian Assange e em pouquíssimo tempo os Estados Unidos reconquistaram um antigo aliado na região. De tal forma que o terreno estava preparado para iniciar a guerra contra as drogas, onde os Estados Unidos são o principal aliado do país. A guerra às drogas começou com Moreno e continuou com Lasso. Esta guerra significa a renda de milhões de dólares e enormes quantidades de armas destinadas à polícia e ao exército. Como é do conhecimento geral, a guerra às drogas não funcionou na Colômbia ou no México. Por que funcionaria no Equador?
Há alguns meses, o embaixador dos Estados Unidos acusou vários generais da polícia de colaborar com o narcotráfico. A embaixada dos Estados Unidos retirou os vistos dos generais, mas o governo de Guillermo Lasso não separou os generais, nem os investigou ou processou. Ele não fez nada: por que ninguém pode enfrentar a polícia? É uma pergunta que se desdobra em outra: por que ninguém pode enfrentar os narcotraficantes?
A acusação de que o Equador é governado por um narcoestado é plenamente válida diante do assassinato de Fernando Villavicencio. Acontece que aqueles que deveriam controlar o crime estão, na verdade, colaborando com ele. Gangues criminosas não apenas controlam totalmente cidades como Daule, onde tentaram assassinar o prefeito, e outras como Manta, onde efetivamente o mataram apenas algumas semanas atrás. Duas cidades no litoral. Ainda não há uma razão óbvia para qual foi a causa do assassinato de Fernando Villavicencio. O jornalista e político fez questão de denunciar os casos de corrupção durante os anos da Revolução. E nas últimas semanas, ele enfrentou as quadrilhas criminosas: chegou a fazer um comício político em uma das cidades berço dessas quadrilhas.
Quando Villavicencio foi assassinado, era incerto se ele conseguiria chegar a um segundo turno. O favorito é a candidata da Revolução. No entanto, quem for à segunda volta pode tirar vantagem dele: os outros sete candidatos representam todos opções que não o Correísmo. No entanto, o único que se opôs verdadeiramente à Revolução foi Fernando Villavicencio. Com nuances, todos parecem ter alguma relação com os governos revolucionários. Até Guillermo Lasso, o atual presidente, conseguiu conviver pacificamente com a Revolução durante os anos em que governou. O único que os atacou frontalmente e sofreu perseguições foi Villavicencio.
Seu assassinato espalhou o terror na capital e aprofundou a sensação de que não há como conter a violência das drogas contra o Estado e a sociedade. Pablo Cuvi, editorialista do portal Primícias, já fala abertamente sobre a legalização de algumas drogas. O problema de fundo é que as máfias não querem se legalizar, porque teriam que pagar pelos crimes relacionados ao narcotráfico e porque é mais lucrativo para elas manter o negócio clandestino. Como disse Clausewitz, a guerra é uma continuação da política: é preferível, para muitos atores, manter a guerra, ganhando assim um poder que não poderia conquistar com a política.
Quem, então, são os responsáveis e culpados pelo assassinato de Fernando Villavicencio? Recorde-se que os grupos criminosos têm ligações com o correísmo e até com o atual governo: é recente a descoberta de relações entre narcotraficantes albaneses e altos funcionários do governo encarregados de compras públicas. O assassinato de Rubén Chérrez, amigo e conselheiro do cunhado de Lasso, aponta nessa direção.
Verónica Sarauz, viúva de Fernando Villavicencio, apontou o correísmo e o Governo como responsáveis. O que diz a viúva do ex-candidato é bastante preciso. Embora ela não tenha provas para fazer tal afirmação. Porém, enquanto Fernando Villavicencio sofreu perseguições e exílio durante os anos do correísmo, Lasso saiu praticamente ileso da investigação que lhe foi feita por ser um dos protagonistas do feriado bancário, ou seja, pela falência do sistema financeiro que significou a perda de suas economias para centenas de milhares de clientes bancários. Desconfio que Correa e Lasso chegaram a um pacto de não agressão:
Jorge Glas foi preso no governo de Moreno e solto no de Lasso. Por outro lado, se alguns políticos buscaram apoio do crime organizado para assassinar o ex-candidato, isso só poderia acontecer com a cumplicidade da polícia. O que, como se vê, é perfeitamente possível: a polícia não protegeu Villavicencio como deveria e um dos pistoleiros que deveria ser levado para o hospital morreu nas mãos da polícia: em vez disso, a polícia o levou para uma unidade policial. Ou seja, políticos e assassinos agiram à vista das forças da ordem, que lhes permitiram agir. É como o que acontece no filme Z, de Costa Gavras.
Por fim, cabe perguntar se Fernando Villavicencio era um agente da CIA, como disse o ex-presidente Rafael Correa, e como revelou na época a rede de televisão Telesur. Se tal coisa for comprovada um dia, por trás de seu assassinato não estariam apenas políticos locais, mas também os governos da região e até o poder que trava uma guerra na Europa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Equador. Notícias sobre um crime. Artigo de David Guzmán Játiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU