16 Agosto 2016
A Colômbia vive imersa em um paradoxo contínuo. O Estado e a guerrilha das FARC já trabalham de forma conjunta na região para delimitar as áreas nas quais a guerrilha se concentrará. Em Havana, são negociados os últimos pontos em aberto de uma negociação que se estendeu mais do que se esperava, mas em quatro anos foi encerrado um conflito de mais de 50. O debate político, entretanto, foi acirrado pela batalha para ganhar o plebiscito que referenda os acordos, uma consulta para a qual ainda não há data.
A reportagem é de Javier Lafuente, publicada por El País, 15-08-2016.
A possibilidade de vitória do ‘não’ abalou os alicerces da política na Colômbia. Na última semana foram divulgadas quatro pesquisas sobre a intenção de voto dos colombianos no futuro plebiscito. O sim vence em duas sondagens, uma das quais é um estudo encomendado pelo Governo, enquanto o não tem mais votos nas outras duas. As pesquisas foram as primeiras publicadas, o que causou uma sacudida na opinião pública e uma pergunta que ainda continua sem resposta clara: o que acontecerá se a Colômbia votar para não aceitar os acordos?
O plebiscito, que será convocado após o anúncio do acordo final de paz com as FARC, se transformou na grande aposta do presidente, Juan Manuel Santos. Sem a necessidade de precisar realizá-lo, sempre prometeu que faria uma consulta para referendar o negociado em Havana. Aí está outro dos paradoxos da atualidade colombiana. O mandatário foi o único capaz de conduzir com sucesso uma negociação de paz com as FARC que acabe com uma guerra de mais de 50 anos, que deixou aproximadamente oito milhões de vítimas. Todos os seus predecessores tentaram, nenhum conseguiu. Santos, entretanto, não conseguiu, nem soube, tirar proveito de uma conquista que recebeu os cumprimentos da comunidade internacional e de boa parte do espectro político nacional. O mandatário tem um alto nível de impopularidade entre os colombianos. Em uma pesquisa da Ipsos para a revista Semana y RCN, 65% desaprovam a forma como o presidente conduziu o processo de paz e 76% não respaldam sua gestão nos dois anos de seu segundo mandato.
A falta de carisma do presidente colombiano aparece como um dos tendões de Aquiles da campanha a favor do plebiscito. Desvantagem da qual pretende se aproveitar seu predecessor, Álvaro Uribe, que ultrapassou a fronteira do paradoxo até se instalar na contradição. Uribe e seu partido, o Centro Democrático, trabalharão para a vitória do não em um plebiscito que chamaram de “ilegítimo”. “Dizer não ao plebiscito é dizer sim à paz”, disse Uribe. De fato, vários senadores afirmaram que, mesmo que o sim ganhe, continuarão fazendo campanha contra o acordo com as FARC. A falta de prisão para os líderes da guerrilha é o pilar de uma campanha que não tem o respaldo internacional, da ONU ao Vaticano, uma das instituições mais respeitada pelo setor mais conservador da Colômbia. Uribe busca renegociar alguns dos pontos dos acordos com as FARC – além do problema sobre a justiça, não quer que os chefes guerrilheiros possam entrar na política –, mas poucos na Colômbia duvidam que o âmago da questão desse novo desafio político está em sua eterna batalha com Santos, que foi seu Ministro da Defesa e a quem nomeou como sucessor. Santos venceu há dois anos o candidato de Uribe nas eleições presidenciais e o Centro Democrático obteve resultados aquém do esperado nas eleições regionais do ano passado. Uribe, que ainda conta com uma legião de milhões de seguidores, decidiu apostar boa parte de seu capital político em obter um Brexit no plebiscito. Mas se for derrotado, poderá se aproximar de um Uribexit.
O grande desafio do Governo e da campanha pelo sim, liderada pelo ex-presidente César Gaviria, será mobilizar o eleitorado em um país onde o índice de abstenção costuma superar 50% do eleitorado. Para vencer, o sim deverá obter pelo menos 13% dos votos após o mínimo necessário ter sido muito diminuído.
Sempre que a pedagogia dos acordos não convencer os colombianos, a estratégia será apelar às emoções, algo em que Uribe supera Santos. Um primeiro sintoma disso foram as declarações na sexta-feira do general das forças militares, o comandante Juan Pablo Rodríguez, diante de uma plateia repleta de empresários: “Ninguém conhece tanto a guerra e reza tanto pela paz como nossos soldados”.
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou no começo de julho que acreditava ter um acordo de paz com as FARC pronto no dia 20 do mesmo mês, Dia Nacional da Colômbia. Como aconteceu em 23 de março, primeira data prevista para a assinatura final, os desejos não se transformaram em realidade. Mesmo que o acordo seja já irreversível, ainda faltam alguns detalhes por acertar, que as duas partes acreditam poder realizar nas próximas semanas. O momento e os casos nos quais será concedida a anistia a grande parte dos guerrilheiros das FARC é uma questão à parte que, segundo várias fontes dos dois lados, estaria quase resolvida. Os termos nos quais as FARC se reincorporarão à vida civil e participarão da política é o outro aspecto que deverão negociar antes de conseguir um anúncio definitivo de paz.
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Batalha pelo plebiscito enche de incertezas o fim da guerra na Colômbia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU