18 Dezembro 2017
Lenín Baltaire Moreno (Quito, 1953) acaba de completar seis meses de mandato como presidente do Equador. Sucessor de Rafael Correa e dirigente do mesmo partido, Movimento Aliança País, se distanciou do ex-presidente, que realizou uma operação de desgaste contra ele a partir de Bruxelas, onde vive atualmente, e ameaçou retornar ao primeiro plano da cena política do país. Moreno recebeu o EL PAÍS na semana passada no Palácio de Carondelet, em Quito. Nesta entrevista, ele fala sobre o seu projeto, sobre as diferenças em relação à gestão anterior, o caso Odebrecht e o combate à corrupção. Nesta semana, o vice-presidente Jorge Glas, próximo de Correa, foi condenado a seis anos de prisão no caso Odebrecht.
A entrevista é de Francesco Manetto, publicada por El País, 17-12-2017.
Você acabou de fazer um balanço dos primeiros seis meses de governo. Nesse período, Correa se tornou o seu principal opositor?
Quem deve avaliar realmente a gestão que fizemos não podemos ser nós mesmos, mas sim o povo equatoriano, que majoritariamente, em quase 80% [segundo as pesquisas], está a favor. Adotamos um novo ponto de vista em no que se refere à nossa relação com as associações profissionais, com as organizações patronais, com os sindicatos de trabalhadores, com os políticos, com a sociedade civil de modo geral, com os meios de comunicação, novos pontos de vista voltados para o diálogo, não para a imposição. Em favor da concertação. Para chegar a acordos mínimos. O principal opositor é a falta de reação da economia, a imensa dívida que nos deixaram, a grande quantidade de obras não concluídas. O maior opositor é a pobreza, o desemprego, a desmotivação, o confronto. O cidadão Rafael Correa é um opositor a mais. Apenas isso.
O Equador precisa enfrentar uma enorme dívida pública e seu plano econômico recebeu críticas por não ser diferente do anterior.
Este é o projeto vencedor nas eleições. Temos de ser consequentes com isso. No entanto, acredito que no último período do economista Rafael Correa faltaram autocrítica, renovação, inovação. A crítica nos dá a possibilidade de pensar sinceramente sobre aquilo que fizemos mal ou sobre o que se pode fazer no futuro. E a autocrítica, ainda mais. Temos um plano de reativação da economia. A Assembleia o mandou de volta para nós com algumas mudanças. O presidente do Equador tem o direito de vetar essas mudanças e devolvê-las à Assembleia. Certamente alguns elementos serão vetados, ele voltará à Assembleia e esperamos que a partir daí seja aprovado integralmente. Com essa definição, poderemos desenvolver o nosso trabalho plenamente. Apesar disso, efetuamos várias tarefas vinculadas ao que seriam as promessas de campanha, que constitui o plano de uma vida inteira, que significa a atenção para com o ser humano desde o momento da concepção até que Deus decida lhe fechar os olhos.
A tensão existente no interior do seu partido irá permitir a aprovação de leis na Assembleia?
Boto fé na Assembleia. Além disso, eu não governo com a Assembleia, mas sim com o povo equatoriano. Existe uma divisão, já bastante clara. Mas, é possível ver que se vota junto em alguns pontos mais transcendentais. Houve votos conjuntos, e creio que isso continuará a acontecer.
Em fevereiro haverá uma consulta popular que levanta, entre outras questões, o fim da reeleição indefinida.
Eu sempre me posicionei contrário às reeleições. Em algumas vezes, até mesmo uma só. Uma reeleição indefinida se transforma em uma ditadura disfarçada de democracia. O círculo do governante cria em torno dele um halo de que ele é um predestinado, quase um enviado de Deus. Por exemplo, deixaram uma câmera oculta ligada aqui no meu gabinete. Não tiveram nem sequer a educação de me avisar disso, para que eu pudesse saudá-la diariamente. Foi uma coisa muito especial e digna de um tropicalismo antigo. Só fui avisado no dia seguinte, depois que um segurança, ao se encontrar na parede, viu que ela estava aquecida. Essa câmera, que, de acordo com o que conversei com o pessoal técnico, controlava e monitorava diretamente o ex-presidente da República, Rafael Correa.
[Lenín Moreno reflete e lembra a famosa tetralogia de Richard Wagner O Anel de Nibelungo e a obra de J. R. R. Tolkien.]
Ali [em O Hobbit e no Senhor dos Anéis], Gollum, um jovem bom, encontra esse anel, que [para Wagner] fora fabricado por um nibelungo e que supostamente outorgava poderes extraordinários. Mas, para possuir o anel, havia uma condição: perder a capacidade de amar. E acredito que isso acontece com todos aqueles que querem se perpetuar no poder. Simón Bolívar dizia que não há pior desgraça, para um povo, do que aquela em que um mandatário se habitua a mandar e a obedecer; isso geralmente se transforma em ditadura e em corrupção. Eu conheci um outro Rafael Correa, que tinha muita vontade de transformar o Equador.
Fizemos isso na primeira fase, mas depois esse desejo de se perpetuar no poder acabou levando a se pensar mais nas próximas eleições do que no futuro do país. Começaram a fazer obras faraônicas, diferentes das obras em prol da população que tinham sido feitas antes. Fizeram-se obras endividando-se de forma desmedida, tomando recursos de outras instituições do Estado. A questão era fazer obras. Por isso, agora temos mais de 600 obras cheias de pendências jurídicas, econômicas e de corrupção.
Jorge Glas [que já foi julgado] está envolvido no caso Odebrecht. Por que ele continuava como vice-presidente?
Quando propusemos o nosso plano, falamos a respeito de uma batalha frontal contra a corrupção. Isso tem algumas facetas. A primeira é a autonomia das funções. A controladoria, a promotoria e o poder judicial têm de ser totalmente independentes. Aqui, não se dão ordens por parte do Executivo, porque existe um perigo de que se transforme em algo semelhante ao que havia no Governo anterior, quando a opinião do Executiva funcionava como uma espécie de ordem para as outras componentes funcionais do Estado. Eu o escolhi como candidato, não conhecia essas atividades que vinham sendo realizados. Houve corrupção, muita corrupção. Afirmou-se, indevidamente, que esse foi o Governo mais honesto do Equador. Não foi. Isso não significa que os anteriores tenham sido melhores. A corrupção é uma característica permanente na história do Equador.
Correa teve uma relação muito tensa com a imprensa. Haverá alteração na legislação sobre comunicação?
Temos uma previsão de revisá-la. Não queremos acabar com ela, pois ela tem muitos aspectos positivos. Mas há outros, como o fato de existir uma agência que, longe de ser promotora, de ter atividades pedagógicas relacionadas ao jornalismo, de ser orientadora, dedicou-se a promover sanções. A relação com a imprensa, tal como com a sociedade civil, as associações profissionais e os partidos políticos, é uma relação de tolerância, de respeito, de saber que quem exerce uma atividade pública tem de saber e assumir o fato de que será criticado. E que assim seja.
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Equador. “O cidadão Rafael Correa é um opositor a mais”, afirma Lenín Moreno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU