20 Julho 2023
Nem em todo lugar da Terra é cômodo praticar a própria fé. Frei Guy Consolmagno, jesuíta e astrônomo, sempre carregava uma pequena caixa consigo, nas missões à Antártica à caça de meteoritos. “Havia algumas hóstias consagradas. Eu as tomava sozinho recitando o Salmo 139, aquele que diz: a noite resplendece como o dia”. Até mesmo no Polo Sul, entre seus companheiros, muitas vezes surgia a pergunta mais ouvida em seus 71 anos de vida: o que faz aqui um frade astrônomo?
Guy Consolmagno, além disso, - nascido em Detroit, mas de avô italiano - não é um simples aficionado dos céus. Estudou e lecionou no MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e é o astrônomo do Papa desde 2015. Ou seja, dirige o Observatório do Vaticano, o observatório da Santa Sé inaugurado em 1891 e instalado na residência pontifícia de Castel Gandolfo.
A entrevista é de Elena Dusi, publicada por La Repubblica, 19-07-2023.
O que faz aqui um frade astrônomo?
Fica maravilhado toda vez que os outros ficam maravilhados. Estou no Observatório há trinta anos com 11 irmãos Jesuítas que têm pelo menos um doutorado em astronomia. A teoria do Big Bang também foi pensada por um sacerdote, Georges Lemaître. Nada impede que a ciência e a fé andem de mãos dadas.
Por que continuamos a nos surpreender?
Demorei muito para entender. Fui iluminado por uma conversa com o capitão Kirk de Star Trek ou, melhor, com seu ator, William Shatner. Encontrei um homem capaz de usar a lógica com um rigor ainda maior que Spock, que divide o mundo em preto e branco, com a ciência escrita em um livro e a fé em outro. Mas a ciência explica como o mundo foi criado. A religião por quem.
Quem nasceu primeiro no senhor: a ciência ou a fé?
Eu frequentei o colégio jesuíta com paixão pela ciência. Depois perguntei ao meu pároco o que eu deveria fazer, se padre ou cientista, ele disse para orar e ouvir a resposta de Deus. No meu quarto, olhando para o teto, percebi que ia ser um péssimo sacerdote. Sou um desastre em escutar os problemas alheios. Escolhi a ciência.
Não apenas qualquer ciência. Ciências planetárias no MIT.
Ninguém na década de 1970 estudava ciência planetária. A era espacial havia apenas começado, pouco se sabia sobre ela. Na seleção, expliquei que queria me tornar jornalista científico. Nesse caso, disseram os professores, eu precisaria de um sólido background técnico. E me aceitaram.
Foi uma jogada?
Meu pai era jornalista. Eu também gostava de escrever, mas me incomoda fazer perguntas embaraçosas. Como cientista, dirigi minhas dúvidas ao universo. E foi melhor.
Também fez perguntas embaraçosas?
Uma mais que todas. É possível que eu te entenda? Ela respondeu que eu posso pegar alguma coisa, não tudo. E até mesmo conceber esse ‘alguma coisa’ exige um grande salto de fé.
Primeiramente a fé na igreja?
Aos trinta anos, eu entrei em crise. Eu estava ensinando e fazendo pesquisa no MIT, mas me perguntava qual era o sentido de observar as estrelas e as luas de Júpiter enquanto as pessoas morriam de fome na Terra. Entrei como voluntário para o Corpo da Paz: iria aonde eu fosse necessário na África. Eu esperava levar alimentos para um vilarejo remoto, mas, em vez disso, me designaram para a cadeira de astronomia na Universidade de Nairóbi. Mais estrelas e luas de Júpiter.
Uma atração gravitacional.
Mas um dia eu realmente visitei uma aldeia remota. Como sempre fui um nerd, carregava comigo um pequeno telescópio. Eu o montei e uma fila se formou atrás de mim. Não conheço um ser humano que não tenha ficado encantado com os anéis de Saturno. Aconteceu com eles como tinha acontecido comigo quando criança. O Quênia me ensinou que estudar as estrelas serve para alimentar a nossa natureza humana, para a qual não basta saber o que há para o almoço.
E ao retornar?
Compreendi que queria ensinar, e como jesuíta. Não tinha sentido tornar-me padre, poderia fazer isso como frade. Nesse meio tempo, não tinha dado certo com as garotas. Falei sobre a ideia com amigos, sacerdotes, colegas. E com as garotas com quem namorei. O seu sim, em particular, foi o sinal de que eu estava no caminho certo.
Quantos de seus colegas são religiosos?
Desde que sou jesuíta, muitas vezes me procuram para falar da sua fé, dos problemas com o casamento ou os filhos. Sinto que inspiro confiança e continuo convencido de que a ciência e a fé são boas companheiras. Às vezes, quando passo dias analisando os meteoritos, quebrando a cabeça, penso em um domingo de verão de muito tempo atrás. Eu tinha 10 anos, estava chovendo e eu estava entediado. Minha mãe pegou um baralho para jogar comigo. Eu me perguntei qual era o sentido, ela era adulta, ia me arrasar. Depois passou pela minha cabeça o pensamento de que ela me amava. Senti alegria, a mesma alegria que sinto diante dos enigmas que Deus me propõe através da ciência. Eu o vejo sorrir amorosamente diante de meus esforços para entender o cosmos.
Vocês vivem uma vida monástica no Observatório?
Os Jesuítas levam uma vida comunitária, não monástica. Nossa missão é viajar pelo mundo, por isso somos vocacionados para a ciência. Vários astrônomos leigos colaboram conosco - somos doze -, inclusive três mulheres. Um dos irmãos irá em breve para a NASA para analisar as amostras do asteroide Bennu. Outro é um dos principais especialistas em gravidade quântica. No domingo, porém, celebra missa na prisão.
Certa vez lhe perguntaram: batizaria um extraterrestre?
Só se ele pedir, respondi.
Em trinta anos, conheceu três papas. Pode nos falar sobre eles?
João Paulo II vinha frequentemente a Castel Gandolfo. Impressionou-me como sua força espiritual crescesse à medida que perdia força física. Bento era um nerd como a gente, as conversas científicas eram de alto nível. Com Francisco, também jesuíta, muitas vezes acabamos falando de amigos em comum, mas ele é um químico e aprecia a ciência. Ele gostou muito da coleção de meteoritos argentinos.
É verdade que sempre usa o anel do MIT reservado aos graduados, além do colarinho eclesiástico?
Normalmente estou vestido como hoje, jeans e camiseta. Mas quando uso o colarinho, também uso o anel. Eu nunca uso um sem o outro.
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O astrônomo do Papa: “As estrelas nos dizem que a ciência e a fé andam de mãos dadas”. Entrevista com Guy Consolmagno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU