15 Julho 2022
“Aqui está, esperando por nós, uma eternidade de fronteiras. E olhando para este estranho horizonte, talvez também nos vejamos, tão totalmente microscópicos no grande esquema das coisas. No entanto, de alguma forma nossa insignificância só aumenta nosso senso de possibilidades e admiração”, escreve o padre jesuíta Jim McDermott, editor da revista America, dos jesuítas estadunidenses, 13-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nos últimos dias, meus feeds nas redes sociais foram preenchidos com republicações da primeira foto oficial do Telescópio Espacial James Webb. A revista The Atlantic a chamou de “deslumbrante”. A Economist opinou: “A astronomia nunca mais será a mesma.” Essas imagens, disse o presidente Joe Biden durante a revelação na segunda-feira, “lembram ao povo americano, especialmente nossos filhos, que nada está além de nossa capacidade”.
(Foto: Reprodução | Space Telescope Science Institute Office of Public Outreach)
Eu geralmente adoro uma boa história espacial. Mas quanto mais elogios eu lia, mais eu me perguntava se havia alguma outra foto que eu não tinha visto — porque aquela que eu continuava vendo parecia, bem, uma foto borrada de estrelas. Quero dizer, pode ser legal do tipo “isso vai ser a arte de fundo do meu álbum disco psicodélico dos anos 70”. Mas um lembrete de nossa capacidade como nação? Sério?
Parte do meu problema, acho, é que há duas semanas comecei a assistir o seriado “For All Mankind”, a história alternativa da corrida espacial, produzida pela Apple TV Plus, na qual os russos chegam à lua primeiro, criando um nível sustentado de competição e progresso. Na década de 1970, a Rússia e os Estados Unidos tinham pequenas bases lunares, principalmente por medo de que, de outra forma, seu oponente controlaria efetivamente a lua e o espaço. Na década de 1980, eles têm operações lunares reais, com mineração e energia nuclear e viagens regulares de ida e volta da Terra. Na década de 1990, eles estão indo para Marte.
Obviamente, é tudo ficção. Ainda assim, é difícil não ver estadunidenses e russos voando acima da lua em ônibus espaciais turbinados e não sentir uma pontada de arrependimento pela situação atual de nosso programa espacial. Houve um tempo em que sonhávamos em ir para as estrelas e demos os primeiros passos para tornar isso realidade. Agora nossos líderes políticos nos dizem que é uma grande conquista apenas olhar para elas.
Quando comecei a escrever sobre isso em nossa reunião de equipe, imediatamente recebi algumas respostas muito mais positivas para a foto. “Deixe as pessoas ficarem animadas com as coisas”, escreveu a colega jornalista Colleen Dulle. É um conselho que eu deveria ter sempre à minha frente quando estou escrevendo sobre cultura.
Nosso futuro editor-chefe, Sam Sawyer, padre jesuíta, destacou em primeiro lugar o quanto de engenhosidade e de trabalho em equipe estavam envolvidos no sucesso do telescópio (uma coisa maravilhosa para um futuro editor-chefe pensar).
Ele também destacou que aquilo descrito pela The Atlantic como “uma ótima escolha para um plano de fundo do computador” (este não é o elogio que você pensa que é, equipe da Atlantic), na verdade, não é uma foto borrada de estrelas que uma criança poderia ter tirado girando em um círculo com a câmera de sua mãe à noite; é uma foto de galáxias distantes. Não só isso, as galáxias na foto constituem um grão de areia da nossa visão do céu noturno. Em outras palavras: você sabe como quando você é capaz de ver o céu noturno sem nenhuma luz ambiente, o número de estrelas é absolutamente esmagador? Bem, na realidade, cada um desses pontos de luz representa milhares de galáxias, assim como cada pedaço de escuridão do tamanho de uma estrela.
O editor sênior James T. Keane me enviou um belo artigo que ele escreveu há algum tempo sobre como nossa crescente consciência do tamanho quase infinito e da idade do universo afeta nossa percepção de nosso lugar no universo. Pode-se argumentar que quanto maior o universo fica, menos significativo parecemos dentro dele. Mas Keane aponta para o teólogo jesuíta William Lynch, que escreveu que, de fato, quanto menos centrais parecemos, mais importante se torna a Encarnação. “A cada nova descoberta de nossa insignificância, Deus diz ‘mesmo assim’”.
Com seus comentários em mente, voltei à foto do Telescópio Webb e tentei vê-la novamente. E sinceramente, ainda não entendi. Para mim, parece o pano de fundo de um episódio de Star Trek, talvez um despercebido episódio de Natal em que Kirk e sua turma ficam presos em uma região de neve no espaço e descobrem uma estrela extraordinariamente brilhante que os leva à liberdade e também a uma viagem recheada de baleias espaciais, ou algo do tipo.
Mas há detalhes que chamam a atenção. Como a pequena espiral branca à direita da estrela massiva (ou isso é uma galáxia? Um conjunto de galáxias?) ou as elipses laranja que pontilham o quadrante superior direito. Imaginar que cada uma delas são galáxias inteiras próprias, mundos sobre mundos e mundos, a bilhões de anos-luz de distância, é incrível.
Durante minha primeira visita à Austrália, em 2008, fui designado para passar um mês em uma pequena cidade do outback (região desértica da Austrália, traduzido também como sertão australiano). O outback é, em muitos aspectos, como o universo – maciço além de toda compreensão, aterrorizante em sua absoluta indiferença pela humanidade.
Em um dia de folga, viajei cerca de 60 quilômetros fora da cidade até um parque nacional, que na verdade era apenas um pedaço do interior que havia sido dividido para parecer menos assustador, mais administrável. Caminhando pelo caminho principal do parque, passando por pequenas exposições sobre diferentes tipos de plantas que pareciam igualmente feias e hostis, finalmente cheguei a um lugar onde a estrada terminava. Mas, em vez de me virar, me perguntei como seria continuar. Eu até comecei a andar assim no começo, meu nível de ansiedade aumentando a cada passo.
Não demorou muito para eu voltar correndo para a estrada, por segurança e, sejamos honestos, por sobrevivência. Eu sou muitas coisas, mas um homem selvagem não é uma delas. Mas durante anos eu pensava naquele momento, diante do infinito.
Eu estou supondo que é o que algumas pessoas sentem olhando para essa foto. Aqui está, esperando por nós, uma eternidade de fronteiras. E olhando para este estranho horizonte, talvez também nos vejamos, tão totalmente microscópicos no grande esquema das coisas. No entanto, de alguma forma nossa insignificância só aumenta nosso senso de possibilidades e admiração.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Algumas pessoas veem a grandeza de Deus quando olham para o espaço. Eu apenas vejo uma foto borrada. Artigo de Jim McDermott - Instituto Humanitas Unisinos - IHU