07 Junho 2023
João XXIII morreu em 03-06-1963. O que aconteceu com a Igreja que ele deixou para trás?
O comentário é de Robert Mickens, editor chefe de La Croix International, publicado por La Croix International, 03-06-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Provavelmente não há nenhum papa em toda a história – certamente não nos últimos 400 anos – que serviu tão brevemente como bispo de Roma e, mesmo assim, teve um impacto tão imenso na Igreja Católica quanto João XXIII.
[Isso se deixarmos de lado Sisto V. Este é o papa obstinado que, em apenas cinco anos (1585-1590), criou a Cúria Romana que ainda existe hoje de uma forma apenas ligeiramente modificada, e o que transformou totalmente a cidade de Roma. Mas por que divagar?]
Angelo Giuseppe Roncalli foi eleito à Cátedra de Pedro em 28-10-1958 e morreu menos de cinco anos depois, em 03-06-1963. Seu legado duradouro pode ser resumido em poucas palavras: Concílio Vaticano II.
João XXIII já tinha 77 anos de idade e, apenas três meses depois do início de seu curto pontificado, ele anunciou seus planos para realizar o Concílio, pegando muitos dos cardeais da Igreja e autoridades do Vaticano completamente desprevenidos. O Papa Bom, como muitos o chamavam, fez rolar a bola conciliar, mas viveu apenas o suficiente para abrir a primeira daquelas que viriam a ser as quatro sessões do Vaticano II. Ele fez isso em 11-10-1962, um dia que foi aclamado como um dos mais importantes da história moderna do cristianismo. E então, oito meses depois, ele se foi.
O Papa João, que foi beatificado durante o Grande Jubileu do ano 2000 e oficialmente declarado santo em 2014, não mudou drasticamente a Igreja durante seus quatro anos e oito meses como Sumo Pontífice. Ou seja, ele não fez nenhuma modificação significativa na prática ou nas estruturas da Igreja, embora tenha dado um tom novo e revigorante para o catolicismo no mundo inteiro.
Em vez disso, foi o Concílio que ele convocou – por inspiração do Espírito Santo, disse ele – que iniciou um processo de reforma na Igreja mais significativo do que qualquer outro desde o Concílio de Trento no século XVI. O processo de João XXIII, que Paulo VI tentou de várias maneiras continuar durante seu pontificado de 15 anos (nem sempre com sucesso), foi levado a termo em algum momento durante o longo reinado de João Paulo II.
Não há dúvida de que o Papa Francisco está tentando reviver o projeto de reforma do Vaticano II que João XXIII pôs em movimento. Mas, 60 anos após a morte do papa italiano, alguns se perguntam se já pode ser tarde demais.
O fervor para dar uma nova vida para um tipo mais dinâmico de “Igreja do Povo”, como o falecido entusiasta e cronista do Vaticano II Robert Blair Kaiser o chamava, não está tão vivo hoje quanto estava 25 ou 30 anos atrás.
A aposta audaciosa do papa atual de tornar a sinodalidade (todos os batizados – clérigos e leigos – “caminhando juntos”) uma parte constitutiva da própria natureza e da razão de ser da Igreja suscitou grande interesse. Mas esse interesse se encontra principalmente entre os católicos mais velhos – a chamada “geração Vaticano II”.
Isso não significa que nenhum jovem tenha se envolvido no projeto de Francisco. Apenas que, em comparação com quem tem mais de 60 anos, os jovens estão em minoria.
Para contextualizar essa lacuna geracional, considere-se que há apenas um homem vivo hoje que era bispo na época da morte de João XXIII. Trata-se de José de Jesús Sahagún de la Parra, de 101 anos, do México.
Não é nenhum segredo que a Igreja Católica,assim como todas as principais Igrejas e comunidades cristãs, está passando por uma queda no número de membros, uma crise de liderança, profundas divisões ideológicas e uma incerteza sobre a melhor forma de realizar sua missão “missionária” ou sua presença “evangelizadora” nas nossas sociedades em rápida e assustadora mudança.
Tanta coisa aconteceu no mundo e na Igreja durante esses 60 anos desde a morte do Papa João que é tentador desejar os bons velhos tempos antes que tudo se tornasse tão incerto, complicado, descontrolado. E, sinceramente, voltar para trás não é uma tentação apenas dos católicos tradicionalistas. Os chamados reformistas, às vezes, também tendem a querer voltar aos velhos debates do pós-Vaticano II, dos quais eles acabaram no lado errado, e a combatê-los novamente.
Enquanto isso, os jovens.... onde estão? Novamente, não é que não haja mais católicos com menos de 50 ou 60 anos. Mas eles são cada vez menos numerosos. Isso também vale para os envolvidos nos grupos tradicionalistas da Igreja, que apenas são mais espertos e hábeis do que os “progressistas” em se promover como comunidades prósperas, especialmente nas mídias sociais.
Mas as tentativas de recapturar ou de recriar uma era passada quase sempre acabam mal. Não há como voltar atrás – nem aos tempos felizes do Concílio dos anos 1960, nem à “idade de ouro” do catolicismo que o precedeu.
O Deus da história nos move para a frente. Sempre. Basta ler a história da salvação nas Escrituras hebraicas, especialmente a história do Êxodo. Deus libertou os israelitas de seu cativeiro no Egito e os conduziu ao deserto. Lá, eles vagariam por 40 anos antes de finalmente chegarem à terra que Deus lhes prometeu. O tempo todo eles desafiavam a Deus e tentavam encontrar formas de voltar atrás. Eles não confiavam na Palavra de Deus como havia sido falada pelos profetas e por Moisés, como o principal deles.
Muitos acreditam que João XXIII também foi um profeta de seu tempo. Ele foi impelido pelo Espírito Santo a levar a Igreja adiante, enquanto o mundo – aquele que “Deus tanto amou...” e ainda ama – também avançava. Mas seguir em frente significa que não podemos levar tudo conosco na viagem, apenas aquilo que é essencial, útil e fiel à missão. Devemos abrir mão de muitas coisas (incluindo estruturas, procedimentos, atitudes) que estão desmoronando, morrendo e não são mais relevantes.
Sim, a jornada da Igreja nas últimas seis décadas tem sido extremamente árdua e às vezes muito incerta. Provavelmente, paramos mais vezes do que gostaríamos de admitir. E até voltamos atrás. Mas tudo isso faz parte do plano de Deus, na presença e na obra do Espírito Santo.
Portanto, ao lembrarmos com gratidão do Papa João XXIII no 60º aniversário de sua morte, agradeçamos e ajudemos também o Papa Francisco, que está tentando nos levar adiante mais uma vez.
“São João XXIII, rogai pelo vosso sucessor jesuíta e também pela Igreja a que servistes com tanta fidelidade.”
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João XXIII e a Igreja dos últimos 60 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU