19 Outubro 2022
"O livro Teologia de bar. Conversações livres sobre Deus me encantou porque me fez descobrir que eu - uma pessoa secularizada - não sou aquele monstro de egoísmo e lascívia, de carreirismo e oportunismo, de que ainda falam outros teólogos: também me sinto uma pessoa desencantada que busca entre os cafés do mundo uma senhora [a teologia], culta e inteligente, mas humilde e simples, capaz de falar comigo e me presentear a emoção de um novo encanto", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano e presidente da Associação “Jornalistas Amigos do Padre Dall’Oglio”, em artigo publicado por Settimana News, 18-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para quem, como eu, vê a teologia como uma matéria intrigante e desconhecida, o livro de Marco Ronconi, Teologia da bar (Teologia de bar, em tradução livre, Effatà; cf. SettimnaNews, aqui) parece um manual para tentar não ser rechaçados pela augusta disciplina, pois existe a possibilidade de abordá-la talvez apenas conversando diante de um café.
Teologia da bar
Não seria o mesmo se o título fosse Teologia de Igreja, porque eu não frequento a paróquia. Tem sido assim desde muito jovem, ainda coroinha, quando fugi deixando minha longa tunica sobre o altar, dizendo para mim mesmo: “nunca mais volto aqui”. Não me lembro o que havia acontecido.
Hoje, exceto pelas ocasionais visitas turísticas ou reuniões públicas em igrejas ou locais de igreja - das quais certamente não abro mão -, ainda é assim. Mas não seria sincero se não acrescentasse que, às vezes, entro em alguma igreja para me entreter com aquele sentimento de vida que também anima minha própria vida. Acontece comigo há anos: não só nos momentos de medo ou desorientação, mas também naqueles de "prazer".
Graças a Marco Ronconi, agora descubro que posso participar de algo que tem a ver com a teologia mesmo fora das igrejas, mesmo no bar: mesmo esse termo não é usado de forma provocativa, se colocado ao lado da teologia.
Que alívio ler, por exemplo, sobre uma certa fobia sexual, encarada sem qualquer simpatia, ainda que com respeito e consideração! Que alívio descobrir que o prazer sexual não é pecado, a ser escondido, calado, removido e não deve ser diferenciado de outros prazeres, como o do espetáculo gratuito de um amanhecer ou a leitura de um bom livro, dos quais pode-se dizer que se pode sentir prazer precisamente, embora outro termo possa ser preferido: alegria, por exemplo. Assim como é sempre um prazer estar bem com os amigos.
Esse exemplo faz-me considerar que a Igreja, à qual volto ocasionalmente, ensinou-me a construir uma "casa" para Deus, onde, respeitando as regras e as formas da linguagem humanamente impostas, é possível encontrá-lo.
Se eu tivesse nascido na terra de muçulmanos, teria ido à mesquita, até para comer, conversar com os amigos ou tirar uma soneca: as mesquitas, de fato, são ocupadas como as casas que Deus construiu para os humanos. Isso significa, talvez, que se eu tivesse "nascido" muçulmano, na mesquita eu poderia encontrar a intrigante teologia que aqui, em vez disso, mendigo nos cafés perto de minha casa?
A pergunta desponta porque Ronconi explica que ele, estudando teologia, tratou da alma sem ser psicólogo, de estruturas sociais sem ser sociólogo, de feridas humanas sem ser médico, de palavras sem ser homem de letras, de narrativas sem ser um historiador, de futuro sem ser um economista.
Então, eu mesmo sou um aspirante a estudante de teologia sem o saber, pois me interesso por todos esses assuntos, mas nunca estudei sistematicamente nenhuma das ciências que tratam desses temas.
Agora, posso procurar a intrigante senhora chamada teologia em todos os bares, em todas as mesas de onde observo a vida e suas feridas, escuto as palavras que podem lhe dar sentido, vasculho a alma profunda que muda a cada dia.
O livro de Ronconi me encantou porque me fez descobrir que eu - uma pessoa secularizada - não sou aquele monstro de egoísmo e lascívia, de carreirismo e oportunismo, de que ainda falam outros teólogos: também me sinto uma pessoa desencantada que busca entre os cafés do mundo uma senhora, culta e inteligente, mas humilde e simples, capaz de falar comigo e me presentear a emoção de um novo encanto.
Entendo que não posso pretender - nem pedir - que a igreja se organize de acordo com as minhas necessidades ou as minhas ocasionais manifestações de interesse. Mas para esta intrigante senhora teologia eu estaria disposto a um cortejo de modos urbanos, se ela só me interpelasse, especialmente se eu descobrisse que também com seu feminino ela está interessada em me encontrar em um mundo aberto, no qual eu não sou obrigado a pensar exatamente como ela pensa e ela escreve, a falar exatamente como ela fala, a fazer exatamente como ela manda fazer... a usar copos de cristal e louça de cerâmica assinada como ela muitas vezes usou e talvez ainda – muito frequentemente - usa: isso eu nunca poderia fazer. A teologia ainda ia me quer?
O livro de Ronconi me fez entender que, em muitas das minhas intolerâncias, há um reflexo do meu passado e das diferentes respostas que – eu e ela - considerávamos que poderíamos dar às mesmas perguntas. Mas agora temos certeza de que aquelas "eternas" perguntas são as mesmas que os jovens se fazem e que a eles - os jovens – seja de interesse algumas das nossas respostas, ainda que diferentes? Como pode a encantadora senhora teologia ainda apaixonar pessoas muito mais jovens do que ela?
Eu faço parte de um mundo secularizado, mas nasci ainda à sombra das perguntas últimas. Ela - a teologia - é percebida por mim como expressão de um elevado, formal demais para mim, mas ainda assim a ser conhecido e respeitado. Enquanto os jovens de hoje me parecem secularizados também no sentido de que não esperam respostas, mesmo que se façam as perguntas. Estão desiludidos.
Para mim e, sobretudo, para os jovens que pensam como escrevi aqui, o livro de Ronconi diz que Francisco veio para nos apresentar uma sabedoria feminina que também se interessa por mim, por nós, pelos jovens, justamente porque não interessados em entrar em um mundo para ser aceito como é, para ser transformado.
No máximo, é ela que dá sinais para nos aceitar como somos: porque, se realmente somos assim, haverá uma razão profundamente humana e justamente ela está interessada em o descobrir.
Para Ronconi, “uma teologia assim deve permanecer encistada na vida, no sentido próprio das coisas que constituem exatamente uma vida, tipo nascer e crescer, ferir-se e perdoar, trabalhar e amar, lembrar e sonhar, semear e morrer”.
Perscrutando entre as montanhas de documentos magistrais que Ronconi cita, me perguntei se todos esses documentos não sejam apenas papel: e o papel - como se sabe - aceita tudo. Embora tenha estudado nos padres, por exemplo, nunca imaginei que o sacerdote, antes da confissão, tenha que ler uma passagem das Sagradas Escrituras. Eu nunca tinha ouvido falar disso, nem mesmo de amigos mais próximos. O papel aceita tudo, mas podemos aceitar todo esse papel?
Ronconi explica muito bem como seria bom sair de uma visão processual - de pool de mãos limpas - da confissão: é uma das muitas camisas de força que um secularista como eu não veste e nem tem interesse em vestir, enquanto está procurando um novo encanto - um reencanto - não para se tornar imediatamente outro que não é, mas para se fazer escutar, compreender e ser compreendido.
A teologia de bar pode, portanto, tornar-se, para mim, uma companheira preciosa. Não poderá pretender me trazer de volta ao "caminho certo", mas pode me ajudar a me reconciliar com a vida real e com o mundo e seus habitantes, aceitando-me e ajudando-me a me sentir aceito.
Não podemos ser todos iguais. Somos muitos. Todos nós podemos nos ajudar a descobrir que terá que haver uma razão pela qual não somos todos iguais. No entanto, todos somos potencialmente felizes e infelizes na mesma maneira. Todos nós temos razões para detestar, permanecer indiferentes, amar. Todos amamos e precisamos amar. Certamente não há uma pessoa no caminho certo e outras certamente naquele errado.
Esse livro me ajudou a entender como Francisco está certo quando fala sobre o hospital de campanha: o hospital não concede vales de acesso, mas amplia as abas das tendas porque estamos todos feridos. Vamos entrar!
O sábio sufi que disse saber que sua parte na vida não caberia a ninguém além de si mesmo, proferiu palavras reconfortantes e ao mesmo tempo de responsabilidade. Nessas palavras ouço o eco da voz daquela atraente senhora chamada teologia, cujas vibrações Ronconi, ainda que com outras palavras, me fez perceber: sons diversos de um mesmo fascínio penetrante.
O desejo de encontrá-la ficou. Se eu duvido, talvez ela duvide também, comigo. Mas ela sobreviverá à minha dúvida e assim, graças a ela, poderei descobrir que, afinal, na montanha da vida procuramos um pico: o mesmo.
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O bar e a teologia. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU