08 Abril 2022
“Não é uma guerra, é uma barbárie”. Aos noventa, Edith Bruck não pensava que teria de testemunhar novos crimes de guerra no coração da Europa. Ela viu o horror em Auschwitz, hoje o revive nas imagens da morte na Ucrânia.
"A comparação com o Holocausto está errada, mas os massacres de Bucha me ferem profundamente. Eu não durmo à noite. Causa-me mal-estar o negacionismo que se tornou uma doença universal." A guerra em casa também chega pelo olhar angustiado de Olga, a colaboradora ucraniana que tem uma filha no país em guerra.
A entrevista com Edith Bruck é de Simonetta Fiori, publicada por La Repubblica, 07-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Imaginava ter que reviver os horrores de mais uma guerra?
Não. Todas as guerras nos afetam, mesmo as distantes. Mas esta nos toca de perto, como nunca mais tinha acontecido desde 1945. Uma ferocidade sem precedentes que paralisa a mente.
Nem todo mundo tem a mesma reação diante das imagens. Há quem levanta suspeitas.
O negacionismo se tornou agora uma patologia generalizada. Negaram Auschwitz, que é o evento histórico mais documentado, você quer que não neguem os massacres de civis na Ucrânia? Fico assombrada. E sinto nojo pelo jornalista russo que no set da emissora de TV atribui ao inimigo a culpa pelos massacres.
Temas que são retomados no debate público italiano.
Mas como se pode suspeitar que soldados ucranianos tenham podido torturar seus filhos, estuprar suas mulheres, matar seus idosos? Ou que tudo seja uma gigantesca farsa? Não existe mais uma verdade objetiva e, portanto, cada um é livre para dizer o que quiser.
A Anpi (Associazione Nazionale Partigiani d'Italia é uma associação fundada por participantes da Resistência italiana contra o regime fascista italiano e a subsequente ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial) invocou uma comissão da ONU para apurar quem cometeu os fatos. Uma prudência que suscita muitas críticas.
Mas é preciso de uma comissão para entender de quem é a responsabilidade? Basta olhar as imagens: elas falam por si. Francamente, não entendo toda essa cautela. Considero-a um pouco inquietante.
É especialmente impressionante em uma associação que deveria representar a Resistência Italiana, engajada no longo período pós-guerra a pedir justiça pelos massacres nazifascistas na Itália.
Mas então o que eles esperam? Uma verdade tão manifesta não pode ser invertida.
Há muita confusão, mesmo no uso das palavras. Zelensky continua impropriamente a falar em genocídio.
Sim, ele insiste em comparar a tragédia ucraniana com o Holocausto com uma analogia indecente. Ouvi fazer um paralelo entre os acontecimentos dos últimos dias com a tragédia de Babij Jar: ‘uma grande quantidade’ de judeus – assim se expressou o apresentador de TV - jogados em uma vala perto de Kiev pelas mãos dos nazistas e dos colaboracionistas ucranianos. Entre esses 33.700 judeus estava também a irmã de minha mãe. E ainda me lembro do seu choro na cozinha, com as mãos nos cabelos, quando soube da notícia.
Sem fazer comparação, qual é a reação de uma sobrevivente de Auschwitz a essas imagens de morte?
Sou obrigada a ver coisas que já vi. Mesmo que as tenha vivido de dentro da guerra. Eu em Auschwitz dormia com os mortos ao meu lado, hoje observo a tragédia de minha casa. Mas é precisamente por causa da minha experiência que me identifico com as vítimas. Sinto na minha pele o horror, a morte que chega súbita, os corpos violados e torturados.
Quando a senhora estava presa nos campos de concentração, os russos foram os libertadores. Hoje eles vestem os uniformes dos torturadores.
Isso também dói. Minha mãe os invocava na esperança de ver o fim da guerra.
Os soldados de Putin são comparáveis aos nazistas?
Não. Aquele de Hitler foi um massacre lúcido, disciplinado e planejado. Hoje na Ucrânia prevalece a violência selvagem e indistinta. Uma vez um soldado no campo me perguntou se minha mãe era gorda. Um pouco, eu respondi. Ele sorriu para mim: certamente fizemos dela um bom sabão. O ódio dos russos é cego, obtuso, bestial. Aquele nazista era mais científico, e talvez por isso ainda mais grave. Mas o ódio pode ser medido?
Edith Bruck fica em silêncio. "Desculpe-me, mas estou tremendo. Este mundo é escandaloso. Só espero que os jovens, diante da monstruosidade, entendam o valor da vida".
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“Não durmo à noite fico revivendo Auschwitz. O negacionismo é inquietante”. Entrevista com Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU