Ucrânia, Edith Bruck: “Estou de coração partido. Mas às mães eu digo: não cultivem o ódio”

Edith Bruck (Foto: Reprodução de frame do Youtube)

11 Março 2022

 

Fala a testemunha do Holocausto. “Não existe guerra justa. E não pode haver guerra justa. Enviar armas é justo?"

 

"É possível que o homem não tenha aprendido nada?" Ele repete os mesmos erros, sempre os mesmos, é desolador, uma dor enorme para mim que vivi a pior guerra”.

 

Edith Bruck mais uma vez contou sua história como mulher deportada que sobreviveu à guerra, à fumaça acre da carne queimada de seus irmãos, de suas irmãs nos crematórios, naquelas valas comuns onde a humanidade afundou inexoravelmente. Ela fez isso olhando para os mais de noventa anos do novo cenário de guerra assombroso que se abriu como um abismo nos fundos de casa, na Europa.

 

E ainda quis se manifestar, como fez recentemente em Assis diante de milhares de estudantes para o próximo Dia Europeu dos Justos, que se celebra em 6 de março, porque “dar testemunho, para mim, é uma missão”. “Eu - disse ela respondendo àqueles jovens - mesmo na época queria falar imediatamente sobre a enorme tragédia que vivi, mas ninguém quis ouvir. E por isso decidi escrever, porque apesar do ouvido humano não querer ouvir, o papel suporta tudo”.

 

A entrevista é de Stefania Falasca, publicada por Avvenire, 08-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Mas como se pode contar tudo isso sem ódio?

 

Agradeço a Deus por não conhecer o sentimento de ódio, e não entender quem hoje define quem foge das guerras e da fome como "carrapatos de cachorro", que deveriam se afogar. E acima de tudo, não entendo como, ainda hoje, se pode usar armas e matar pensando estar do lado de Deus. Estou exausta – volta a falar enquanto apoia os pés cansados numa almofada, e Olga, ucraniana, que há anos a acompanha, chora em silêncio a separação de sua filha, que permaneceu nos subterrâneos de confinamento ucraniano junto com seus filhos de cinco e oito anos. Você já viu as imagens transmitidas? As últimas...

 

Quais?

 

Aquelas de um soldado russo bastante jovem que desce do veículo blindado para pedir chorando um copo d'água a uma mulher ucraniana... Ela lhe dá comida e lhe empresta o telefone para falar com a mãe... Pobres também esses garotos russos jogados como bucha de canhão numa guerra suja, como todas as guerras são, como crianças armadas que nem sabem onde estão... E isso mostra toda a monstruosidade e a insensatez do que está acontecendo e nos atinge a todos.

 

Há tantas mães que fogem com os filhos...

 

As mulheres são duplamente vítimas. Elas sempre vivem a pior parte das guerras.

 

Você escreveu em sua Carta à mãe o que teria feito com seus filhos.

 

Eu nunca teria dito que existem homens que são todos maus ou todos bons, não lhes teria falado de guerras santas, de terras santas, apenas de povos e terras e povos sem terra, que a guerra é o fracasso do homem.

 

 

Mas há também mulheres, como vemos na Ucrânia, que pegam e preparam armas e lutam...

 

Defendem-se, mas devemos lutar pela paz. Porque não existe guerra justa. E não pode existir uma guerra justa. Enviar armas é justo?

 

Cinquenta e dois países estão enviando armas para a Ucrânia.

 

Enviar armas para parar armas não faz sentido. É uma contradição. Tudo é uma contradição. A contradição está na origem. Como se divide com justiça uma pátria depois de tê-la conquistado morrendo e matando? Quanto mais se mata, mais se morre, por dentro. Há muito sangue no meio, muita diferença, pouca boa vontade e ainda menos humildade. Aqueles que foram humilhados demais estão relutantes em ceder àqueles que não têm nada a ver com sua humilhação?

 

 

É 8 de março. Que mensagem as mulheres podem dar?

 

Não cultivar ódio, a vingança, nunca transmitir isso. Em 1945, após a libertação, minha irmã Golde e eu, as únicas sobreviventes do Holocausto de nossa grande família, conseguimos voltar para casa. Lembro-me dos americanos e dos soldados nazistas húngaros que fugiram, caçados, se escondiam... Lembro-me de cinco desses soldados que nos imploraram para ajudá-los, poderíamos denunciá-los, minha irmã e eu nos olhamos nos olhos, os escondemos. Nós lhes demos refúgio.

 

 

Para você que viu Mengele nos olhos, o que pode ser a paz?

 

A paz tem seu segredo: nunca odiar ninguém. Se você quer viver, você nunca deve odiar.

 

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