14 Março 2022
Na hora de se despedir, Edith Bruck, escritora e poetisa, lúcida sentinela narradora dos abismos a que o homem pode ceder (deportada para Auschwitz depois para Dachau e finalmente para Bergen-Belsen onde será libertada), confessa: “Eu não acredito no homem. Sua história é uma história maligna que começou com Caim e Abel e foi até a bomba atômica. O que estou tentando dizer é que estamos agora à beira de provocar a Terceira Guerra Mundial. Por isso peço que paremos, por isso não gostaria de armar a Ucrânia”.
A entrevista é de Antonello Caporale, publicada por il Fatto Quotidiano, 13-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se seu pai tivesse nas mãos uma arma ou um fuzil quando os soldados arrombaram a porta de sua casa, a história de sua família poderia ter um desfecho diferente. Talvez vocês pudessem se salvar.
Falso. Eles teriam nos massacrado do mesmo jeito e - se tivessem a capacidade - com uma crueldade ainda maior.
Se você fosse ucraniana, diria o mesmo?
Nesta casa se fala ucraniano. Daquele país é Olga, a pessoa que me cuida. Todo dia ela liga, todo dia ela chora e eu com ela. No entanto, continuo convencida de que as armas chamam outras armas. Se o nível de fogo aumentar, o nível de resposta de Putin aumentará. E pode ser uma elevação desconsiderado que nos levaria ao apocalipse.
Tento contradizê-la com as palavras daqueles que apoiam a Ucrânia na resistência armada: você acredita que a rendição seria menos sangrenta? Não a consideraria um presente para Putin?
Digo que o maior perigo se chama Vladimir Putin. A escalada provocaria nesse homem já confuso e já bastante debilitado apostar em atos irremediáveis.
De que forma você percebe a fraqueza de Putin?
Da forma como o exército se move. Leio alguns detalhes que oferecem um quadro alarmante da preparação bélica russa: o motorista que perde o caminho e se perde na floresta, os soldados deixados sem comida que roubam galinhas. O fato de que eles estão atolados e atiram quase descontroladamente.
Putin está firmemente no poder na Rússia.
Ele verá que as pessoas, não os oligarcas, o tirarão do pedestal. A fome tomará conta da Rússia.
Os ucranianos alertam que os russos concordarão em comer capim seco a fim de ver a ideia imperial renascer.
É uma guerra sem sentido, e é sobretudo uma guerra mal planeada, pior organizada.
Precisamente por isso seriam necessárias mais armas para se defender, resistir ainda melhor.
Nós nos colocaríamos em problemas ainda maiores. É revoltante que para justificar a ajuda bélica se tente fazer uma equivalência entre Putin e Hitler.
Infelizmente, esta é a deriva propagandista.
Só pessoas imprudentes ou muito ignorantes podem imaginar uma semelhança entre este conflito e o que aconteceu na virada de 1940, o que eram os campos de concentração, o projeto de extermínio dos judeus.
Esta guerra assusta-nos porque quase avança até tocar as nossas casas.
E vamos encarar! Temos medo porque estourou entre nós, enquanto as dezenas de outras guerras que nos acompanharam nos últimos anos não criaram o mesmo constrangimento, o mesmo desgosto, a mesma dor.
O medo é um sentimento humano.
O cinismo também tem a ver com o espírito humano. Até ontem, os refugiados eram deixados para morrer no mar.
Aliás, se teorizava que era legítimo jogá-los no mar, deixar que virassem comida de peixe. O Mediterrâneo é um cemitério.
E na Itália a direita (muito mais numerosa que a Ucrânia, se quisermos ser honestos) teorizava a aceitabilidade da resistência armada contra os corpos nus, os bebês de fraldas, as mães chorando.
Chamava-se de recusa de entrada, certo? Infelizmente ainda é chamada assim.
A distinção entre aqueles que agride e quem é agredido.
Voltando a Putin: não há dúvida de que ele é o agressor.
Eu tenho uma ideia de que algo vai acontecer também no circuito de seu poder.
O que dizemos a Zelensky?
Enviei dinheiro para Kiev. Mas as armas não vão fazer com que ele ganhe a guerra. Em vez disso, colocarão a Europa na frente do novo pesadelo. Eu sei o que significa fugir, eu sou uma sobra de vida a ser jogada fora.
Você gostaria de parar o tempo.
Eu vi uma casa bombardeada na TV. Era igual à minha casinha de telhado vermelho. Sonhei com ela duas noites atrás e é uma visão que nunca me abandona.
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“Mesmo com uma arma, meu pai não teria evitado o campo de concentração”. Entrevista com Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU