09 Março 2022
Giovanni Guaita, sacerdote ortodoxo de Moscou, autor e signatário de uma carta na qual 300 clérigos ortodoxos (sacerdotes e diáconos) pedem a paz e o fim do conflito na Ucrânia. Sobre o “silêncio” do Patriarcado de Moscou, ele diz: “É necessário considerar o fato de que o Patriarca Kirill está à frente de uma Igreja que vive na Ucrânia, mas também na Rússia e na Bielorrússia. Portanto, ele está em uma posição extremamente delicada, difícil e desconfortável”. “Mas a Igreja - acrescenta - não é apenas o Papa ou o Patriarca. A Igreja é: onde dois ou mais estão unidos em nome de Jesus Cristo. Há uma opinião pública também dentro da Igreja que está amadurecendo e que, na minha opinião, está crescendo”.
“Não tenho medo porque penso que um sacerdote, um cristão, uma pessoa deve prestar contas antes de tudo à sua própria consciência, a Deus e à história. Há uma ordem lógica de submissão. Certamente um cristão reconhece a autoridade do Estado, mas sabe que também existem autoridades superiores que são aquelas da consciência e de Deus”. Quem fala é Giovanni Guaita, padre e monge da Igreja Ortodoxa russa. Originário de Iglesias, na Sardenha, exerce seu ministério na igreja dos Santos Cosme e Damião, no centro de Moscou.
Ele é um dos autores de uma carta aberta, assinada por 300 clérigos ortodoxos russos, pedindo a paz e o fim do conflito na Ucrânia. Uma posição corajosa, considerando as últimas iniciativas tomadas pelo governo russo para limitar e controlar o dissenso. Foi estabelecido um crime de divulgação de notícias falsas que prevê até 15 anos de prisão. Esta "difusão de notícias falsas" pode, por exemplo, ser simplesmente o uso da palavra "guerra" em vez de "operação militar" referindo-se aos acontecimentos na Ucrânia. A Federação Russa também prevê o confisco de bens de estrangeiros residentes na Rússia se prejudicarem os interesses dos cidadãos russos e do Estado. Uma decisão que alarmou jornalistas e correspondentes estrangeiros.
Giovanni Guaita confidencia imediatamente, sem hesitação: as notícias vindas da Ucrânia: “estou vivendo-as, como tantos cidadãos russos, com muita tristeza, com muita dor. Esses são fatos gravíssimos. Para um cristão, é ainda mais grave se considerarmos que os ucranianos são irmãos na fé e fiéis da mesma Igreja Ortodoxa russa do Patriarcado de Moscou”.
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por Agência SIR, 08-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Itália, o silêncio do Patriarca Kirill chama a atenção. Por que ele é tão tímido sobre esta guerra?
Devemos fazer uma consideração histórica de grande importância. A atitude das Igrejas Ortodoxas e da Igreja Católica em relação à autoridade secular de qualquer Estado são diametralmente opostas, porque é oposta a herança histórica de uma igreja e da outra. Quando, após a queda de Roma, terminou o Império Romano do Ocidente, não houve mais poder secular em Roma por muito tempo e o Papa se viu em condições de ter que assumir também uma responsabilidade política e ter que reconciliar para melhor ou para pior, o poder espiritual com o poder temporal.
Mesmo quando apareceu essa autoridade secular, com a coroação de Carlos Magno, o imperador ainda estava muito distante e o papado continuou desempenhando um papel político muito forte. Em Constantinopla aconteceu exatamente o contrário porque, por mil anos após a queda de Roma, o Patriarca esteve lado a lado com o imperador. Não havia necessidade de desempenhar um papel político e era, aliás, totalmente submisso ao imperador cristão, que convocava os concílios, lutava contra as heresias, destituía os bispos. Esse legado histórico é muito pesado. Deve-se também pensar que as igrejas ortodoxas são igrejas nacionais e, portanto, identificadas com um determinado povo, uma determinada cultura, um determinado território e também com quem governa o país em questão. Ainda hoje é muito difícil evitar essa identificação.
Mas diante de um povo martirizado e massacrado, um povo ligado inclusive à tradição e à Igreja Ortodoxa russa, por que é tão difícil para o Patriarca Kirill dizer uma palavra de horror, proximidade, solidariedade?
É necessário considerar o fato de que o Patriarca Kirill está à frente de uma igreja que vive na Ucrânia, mas também na Rússia e na Bielorrússia. Portanto, ele está em uma posição extremamente delicada, difícil e desconfortável. Eu pessoalmente - mas também muitos outros na Igreja, tanto leigos como sacerdotes e provavelmente também bispos - gostaríamos de manifestar uma maior tomada de posição, mais clara e mais explícita. Eu diria que até agora tem sido uma palavra mais implícita. O Patriarca pediu para rezar pela paz e pôr fim a qualquer violência. Teríamos gostado de algo a mais.
O metropolita Onófrio de Kiev, à frente da Igreja Ortodoxa ucraniana do mesmo Patriarcado de Moscou, foi muito mais explícito, dirigindo um apelo veemente a Putin, bem como a todos os fiéis. Mas a Igreja não é apenas o Papa ou o Patriarca e os metropolitas. A Igreja é: onde dois ou mais estão unidos em nome de Jesus Cristo. Portanto, as opiniões e desejos dos fiéis são, em certo sentido, também as opiniões e desejos da Igreja. Acredito que seja uma questão de tempo. Há uma opinião pública também dentro da Igreja que está amadurecendo e que, na minha opinião, está crescendo. Mas, por enquanto, é minoritária.
Quanto tempo será necessário?
A Igreja está na história. É filha de sua própria história e de seu próprio povo e cresce junto com o povo. Gostaríamos que esse caminho de amadurecimento fosse muito mais rápido, mas temos que lidar com a realidade. Estou certo de que está aumentando a massa crítica de pessoas para as quais a justiça, a verdade, a paz são conceitos firmes, não suscetíveis de serem postos em discussão por vantagens políticas ou estratégicas. Se olharmos para o texto bíblico, para Deus bastam dez justos para salvar uma cidade.
Você está preocupado que essa timidez do Patriarcado de Moscou possa prejudicar de alguma forma o diálogo ecumênico?
O que me preocupa acima de tudo é o fato de estar à altura do nosso chamado, mais do que diante da sociedade ecumênica. E me preocupa o que os nossos fiéis pensam e vão pensar. Se nos colocarmos em uma perspectiva histórica, me pergunto: o que no futuro será escrito sobre nós e esses eventos? É uma pergunta muito séria que devemos nos fazer. Também me preocupa muito que a Igreja Ortodoxa russa seja capaz de formar a consciência das pessoas, ajudando-as a distinguir o bem do mal. Porque uma Igreja que não faz isso está vivendo em um estado grave de doença. Eu rezo e espero que não seja assim.
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“A Igreja é filha da história e cresce junto com seu povo”. “Não tenho medo, respondo à minha consciência e a Deus”. Entrevista com Giovanni Guaita, padre ortodoxo em Moscou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU