09 Abril 2021
“Sim, houve controvérsias pessoais, mais notavelmente envolvendo João Paulo II, o papado, a Cúria Romana e seus críticos de pensamento ‘medieval’. Essas ficarão no passado, mas as questões críticas que ele levantou permanecerão para o futuro”, escreve Jean-Louis Schlegel, teólogo que traduziu os escritos de Hans Küng para o francês, em artigo publicado por La Croix, 08-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
Hans Küng foi muito conhecido pelos seus livros e controvérsias.
Há uma ligação entre estes, claro, mas os “livros polêmicos” não deveriam obscurecer toda a sua ‘obra’, como ele orgulhosamente chamava seus trabalhos.
Ele deixou uma longa e impressionante bibliografia, a qual acredito que será lida por muito tempo no futuro.
Eu estou pensando particularmente em “Deus Existe?” (1980) e “Cristianismo” (1995).
Esses são dois grandes panoramas que estimulam e alertam. Eles combinam a história das ideias com a história eclesial e a história do Cristianismo.
Sim, houve controvérsias pessoais, mais notavelmente envolvendo João Paulo II, o papado, a Cúria Romana e seus críticos de pensamento “medieval”. Essas ficarão no passado, mas as questões críticas que ele levantou permanecerão para o futuro.
Não muito depois que se encerrou o Concílio Vaticano II, ele – como um católico! – questionou um dogma central, a infalibilidade papal, no livro “Infalível? Uma pergunta” (1971).
O dogma da infalibilidade permanece, mas com uma latente suspeição desde que o livro foi publicado.
Sua posição sobre a questão e outras críticas levaram a Congregação para a Doutrina da Fé a emitir uma “declaração” em 1979, dizendo que ele poderia “não ser mais considerado um teólogo católico ou continuar ensinando essa teologia”.
Com a constante determinação ele se opôs à interpretação do Concílio Vaticano II posta em voga por João Paulo II e Bento XVI.
Ele se opôs especialmente à insistência de Bento XVI de que o Vaticano II deveria ser visto como continuidade com o concílio que o precedeu.
Hans Küng nunca deixou de deplorar a ausência de todos os tipos de reformas pretendidas pelo Concílio Vaticano II.
Ele foi um defensor ferrenho da reforma da Igreja, uma atitude sem dúvida ligada às suas origens suíças e ao compromisso com o ecumenismo que assumiu desde cedo.
Ele estava interessado principalmente na questão da verdade e da liberdade na Igreja. Ele levantou a questão de autoridade e poder, e como ele é compartilhado e exercido dentro da instituição.
Essa é uma questão que continua sendo eminentemente atual.
Em “Podemos Salvar a Igreja Católica?” (2013), ele metaforicamente adota o papel de médico, propondo remédios para curar uma Igreja “gravemente enferma” que está “sofrendo sob o sistema romano de governo” - um sistema nascido da Reforma Gregoriana (século XI), a Contrarreforma (séculos XVI-XVII) e o Concílio Vaticano I (1870).
Ele detalha seus remédios no livro. Eles incluem acabar com o celibato sacerdotal obrigatório, abrir ministérios para mulheres, restabelecer o papel do clero e dos leigos na escolha de bispos, sair de uma doutrina bioética estreita...
Todas essas teses são bem conhecidas, mas Küng desenvolve toda uma estrutura para promovê-las.
O que ele propõe é sempre bem argumentado, histórica e teologicamente. É isso que torna a leitura de suas obras tão estimulante.
Tendo-o encontrado várias vezes, posso dizer que estava cheio de uma preocupação sincera pela Igreja.
Ele expressou isso com qualidades positivas (sua formação cultural impressionante e seu notável dom de síntese e expressão) e seus defeitos (uma aparente arrogância e necessidade de ser provocador).
Mas, no conjunto, temos um homem que fez da Igreja a sua obra de vida, ao mesmo tempo que confronta a sociedade contemporânea com os seus movimentos, reflexos e convulsões.
Esse foi o caso mesmo com seu último livro sobre a morte e o morrer.
Mas “Glücklich sterben?”, que foi publicado no original alemão em 2014, parece nunca ter sido traduzido.
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