13 Fevereiro 2013
O telefone de Hans Küng tocou nessa segunda-feira quase ininterruptamente. Pouco depois das 11h46, quando a agência de notícias Ansa emitiu o seu primeiro comunicado sobre a renúncia de Bento XVI, redações de todo o mundo bombardearam com telefonemas o mais conhecido entre os teólogos rebeldes e expoentes da dissidência dentro do catolicismo e que, há mais de 40 anos, está no centro de uma dura controvérsia teológica com Joseph Ratzinger.
A reportagem é de Walter Rauhe, publicada no jornal Il Messaggero, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para Küng, hoje com 84 anos, a chocante renúncia de Bento XVI também poderia representar um pequeno triunfo. Ex-colega de Ratzinger na Faculdade de Teologia Católica de Tübingen, Küng foi suspenso em 1979 justamente pela Congregação para a Doutrina da Fé de Ratzinger, que lhe revogou a missio canonica, ou seja, a autorização para o ensino da teologia católica. E isso por causa das suas fortes críticas à rígida hierarquia do Vaticano, à autoridade do papa, ao seu questionamento da infalibilidade pontifícia e à sua luta em favor da admissão de mulheres e de leigos a todo ministério
"Eu já disse tudo à agência de notícias alemã DPA", responde-nos em um tom quase irritado, quando – depois de infinitas tentativas – conseguimos finalmente contatá-lo ao telefone.
Mas, depois de alguns instantes de hesitação, o teólogo de origem suíça, acrescenta espontaneamente algumas considerações.
"Não, eu não sinto uma sensação de triunfo ou mesmo de satisfação tardia. Por que deveria? Ao contrário. A decisão de Bento XVI merece grande respeito, é legítima, compreensível e também corajosa. Eu nunca esperaria que esse papa chegasse um dia a me surpreender de maneira positiva".
Eis a entrevista.
Em que sentido?
Nem mesmo Jesus Cristo desceu da cruz – disse João Paulo II em seu tempo, explicando as razões da sua permanência à frente da Igreja Católica, mesmo depois que a sua doença já limitava de modo visível as suas atividades, roubando-lhe até mesmo a voz. Bento XVI, ao invés, tomou outra decisão, quase revolucionária e secular. Quase como se fosse um simples presidente da República ou um representante do mundo político. A renúncia ao seu cargo e a passagem de consignas a um novo pontífice. E isso pelo próprio bem da Igreja. Incrível! Eu nunca esperaria isso dele.
O severo professor de teologia e o representante do catolicismo mais ortodoxo e dogmático tão criticado pelo senhor, portanto, introduziu, com a sua renúncia, uma modernização e uma abertura da Igreja?
Ainda é cedo para dizer, e eu não sei até que ponto o pontífice está consciente dos efeitos e das consequências da sua escolha. Agora é preciso esperar que Joseph Ratzinger não exerça influência demais na escolha do seu sucessor.
Uma escolha que decidirá a linha futura da Igreja Católica. O senhor acha que o próximo pontífice irá abrir o caminho para as reformas e a modernização da Igreja que o senhor tanto deseja?
Com relação a isso, eu permaneceria cético. Durante o seu pontificado, Ratzinger nomeou muitos cardeais conservadores e ortodoxos, fidelíssimos seguidores das suas doutrinas. Portanto, será difícil encontrar justamente entre eles a pessoa certa que seja capaz de fazer com que a Igreja Católica saia da sua complexa e profunda crise que está vivendo há já muitos anos e que não foi provocada e agravada apenas por Bento XVI, mas também pelo seu antecessor.
* * *
Mas nas palavras ponderadas e prudentes do teólogo dissidente de Tübingen transparece igualmente um otimismo cauteloso e quase uma disponibilidade para a reconciliação com um histórico adversário. Além disso, foi o próprio Ratzinger que buscou o diálogo com o teólogo "herege" de Tübingen.
Em setembro de 2005, Bento XVI acolheu Hans Küng em Castel Gandolfo para discutir com ele por nada menos do que quatro horas as posições diametralmente opostas em questões teológicas. Um colóquio que ocorreu em um clima relação amigável e de recíproco respeito", como dizia então o comunicado oficial emitido pela Santa Sé.
A tentativa de reconciliação entre os dois, porém, durou pouco. As polêmicas em torno da reintegração na Igreja oficial dos ultraortodoxos e negacionistas lefevrianos e o escândalo envolvendo os abusos sexuais ocorridos dentro de inúmeras instituições religiosas na Alemanha reabriram as velhas discordâncias, tanto que, ainda em 2010, Hans Küng definiu o pontificado de Bento XVI como um completo fracasso.
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''Uma decisão quase revolucionária''. Entrevista com Hans Küng - Instituto Humanitas Unisinos - IHU