23 Abril 2020
“Essa crise é alarmante”, adverte o professor Jeffrey Sachs. Considerado um dos economistas mais respeitados do mundo em erradicação da pobreza e desenvolvimento, há décadas, acredita que o avanço da pandemia de coronavírus “é uma ameaça muito séria para todo o mundo”, que pode provocar o pior desastre econômico da história moderna, potencializado por uma dúvida que o corrói: “Os políticos estão à altura para lidar com isso de maneira séria, escutando os especialistas e cooperando com outros países?”.
A pergunta atormenta o multipremiado professor da Universidade Columbia e consultor sênior da Organização das Nações Unidas, porque considera que ao menos parte da resposta é não. Não, disse, se olharmos para as ações de presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que qualifica como “ignorantes”. Ambos, afirma em um tom incomum para um professor de universidades de elite, “colocam suas nações em perigo e, de fato, a população mundial”.
Por isso e muito mais, Sachs acredita que “a pandemia revelou como é frágil a nossa civilização global”, potencializada pela confrontação entre os Estados Unidos e a China, para citar apenas um dos fatores que podem registrar efeitos incontroláveis nos próximos meses. “A crise sanitária pode se tornar uma crise geopolítica”.
Dado esse complicadíssimo horizonte planetário, o diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CSD, em sua sigla em inglês), com sede em Nova York, considera que “chegou o momento de aliviar a dívida soberana, claramente no caso da Argentina, mas também de muitos outros países altamente endividados que enfrentarão dificuldades extremas. Agora, devemos priorizar salvar vidas, apoiar aqueles que enfrentam necessidades e não abandonar ninguém. As finanças devem apoiar a inclusão social, não a tornar mais difícil”.
E no caso da Argentina?, perguntou-lhe o jornal La Nación, horas antes do Governo anunciar sua oferta de troca da dívida soberana com uma dedução de 62% dos juros, um alívio no estoque de capital de 5,4 % e três anos de isenção. A resposta de Sachs? “O alívio da dívida da Argentina terá que ser muito profundo”.
A entrevista é de Hugo Alconada Mon, publicada por La Nación, 19-04-2020. A tradução é do Cepat.
A pandemia reafirmou ou alterou suas ideias anteriores? Modificou seu foco de análise? Ou deixe-me perguntar de forma mais concreta: pediu a seus colaboradores, por exemplo, que se aprofundassem em algum eixo em particular, desde que eclodiu o coronavírus?
A pandemia revelou, mais uma vez, como é frágil a nossa civilização global. Vivemos em um mundo superpovoado, com profundas ameaças de todos os tipos: armas nucleares, mudanças climáticas, perda de biodiversidade, pandemias. Somos espertos o suficiente para cooperar e lidar juntos com tudo isso? Não sabemos. Em 2008, em meu livro Economía para un planeta abarrotado, escrevi: “Estamos, em suma, colados um ao outro como nunca, abarrotados em uma sociedade interconectada de comércio global, migração e ideias, mas também de riscos de pandemias, terrorismo, movimentos de refugiados e conflitos”. Assim, de um ponto de vista racional, posso dizer que sabia que as pandemias representavam um risco real, mas, mesmo assim, emocionalmente, essa crise é alarmante.
Em que medida é ruim essa crise global?
O vírus é muito perigoso por quatro motivos. É novo para a humanidade e, como dizemos, a população mundial é “imunologicamente ingênua”. Pessoas de todos os cantos são vulneráveis. Segundo, espalha-se muito rapidamente, como temos comprovado. Terceiro, as pessoas que já estão infectadas, mas ainda não apresentam sintomas ou são assintomáticas, estão transmitindo o vírus, tornando muito difícil controlar. E quarto, há uma alta taxa de mortalidade por número de infectados. Em suma, é uma ameaça muito séria para todo o mundo.
Neste contexto que você traça, deixe-me desafiá-lo: há alguma lição que podemos aprender até agora desta pandemia?
Aprendemos que é possível conter o vírus, mesmo que o vírus não seja eliminado por completo. China, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Japão, por exemplo, conseguiram mantê-lo relativamente sob controle. No caso da China, esse controle foi alcançado após uma terrível epidemia inicial em Wuhan. Para controlar a epidemia, os países requerem sistemas de saúde capazes e altamente ativos para estar em condições de isolar precocemente os infectados, rastrear seus contatos e testá-los, e fazer com que todos adotem precauções extremas, como máscaras faciais, lavagem das mãos e respeito à distância física. Os países devem testar, testar, testar. E os líderes de cada país deveriam levar essa ameaça muito, muito a sério. Líderes ignorantes como Bolsonaro e Trump colocam suas nações em perigo e, de fato, a população mundial.
O que mais lhe causa preocupação com essa pandemia? Por acaso, a “catastrófica” resposta de Trump, como você qualificou recentemente em uma coluna que publicou no portal da rede CNN? A falta de coordenação multilateral para lidar com essa ameaça global?
A política. Os políticos estão à altura para lidar com isso de maneira séria, escutando os especialistas e cooperando com outros países? Trump não é capaz disso, obviamente. É desordenado mentalmente, é narcisista e é psicopático. Espero que possamos trabalhar, apesar dele, e removê-lo da presidência nas eleições de novembro próximo. Mas também estou muito preocupado porque a linha dura da direita dos Estados Unidos buscará aproveitar tudo isso para aumentar o conflito com a China. Assim, a crise sanitária poderá se tornar uma crise geopolítica.
E do lado contrário, há algo de tudo isso que estamos passando que seja esperançoso?
Até agora, nossas sociedades reagiram muito bem aos fechamentos de emergência que os governos dispuseram e às privações que devem enfrentar. As pessoas têm cooperado muito umas com as outras. E os profissionais de saúde têm sido heroicos. Deveríamos estar agradecidos com médicos, enfermeiros, trabalhadores dos hospitais, das ambulâncias, policiais e profissionais da distribuição, por arriscarem suas vidas para manter a salvo a sociedade. A questão é se poderemos manter esse espírito de solidariedade.
Dado seus extraordinários antecedentes ao longo das décadas, em que conheceu líderes e referências de todo o mundo, o que acredita que deveria ser feito para resolver esta crise planetária?
Acredito que deveria se fazer tudo o que for possível para conectar os especialistas globais com os líderes locais. Devemos aprender lições uns com os outros, trocar as melhores práticas, promover a interação internacional. Os países devem facilitar mutuamente os insumos essenciais.
A Argentina deverá ajudar a alimentar outros países e outros países devem ajudar a Argentina com kits para teste e equipamento hospitalar, por exemplo. Chegou o momento de aliviar a dívida soberana, claramente no caso da Argentina, mas também de muitos outros países altamente endividados que enfrentarão dificuldades extremas. Agora, devemos priorizar salvar vidas, apoiar aqueles que enfrentam necessidades e não abandonar ninguém. As finanças devem apoiar a inclusão social, não a tornar mais difícil.
Mencionou a Argentina e não posso, portanto, evitar a pergunta. Ainda mais depois que você declarou que o Chile, por exemplo, com seu surto social e a Covid-19 está enfrentando “uma dupla crise”. O que resta para a Argentina, então? Você prevê um horizonte mais complicado para o país, dada a sua situação conjuntural?
A Argentina ainda tem uma chance de conter a epidemia. O Governo deveria fazer todos os esforços para aumentar os testes, identificar todos os contágios o mais cedo possível e facilitar o isolamento de quem suspeitar que tenha sintomas e que tenha tido contato com os infectados, para que desse modo não contagie a terceiros, incluindo seus familiares. Isso requer um alto nível de resposta organizacional e ajuda internacional. E, como mencionei antes, a Argentina já estava negociando um alívio em sua dívida soberana, antes da epidemia. Agora, não deve haver dúvida de que esse alívio da dívida terá que ser muito profundo.
Dado que os argentinos estão há semanas em quarentena em suas casas, devido à pandemia de coronavírus, e que ainda resta um caminho incerto, quais livros, séries de televisão, filmes e música recomenda para “aproveitar” o tempo? O que você está lendo, assistindo e escutando?
Na verdade, estou mais ocupado do que nunca. Embora agora esteja em quarentena e possua uma grande pilha de livros que gostaria de ler, passo muitas horas, todos os dias, em teleconferências, telefonemas, discussões de políticas públicas e, depois, passo o tempo meditando para pensar em melhores formas de conter a epidemia. Pelo menos estou com minha família e sei que tenho muita, muita sorte. Espero que outras pessoas, como eu, possam se conectar pela Internet com colegas, amigos e entes queridos. Devemos nos apoiar mutuamente. Esse é o meu conselho.
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“Líderes ignorantes como Bolsonaro e Trump colocam suas nações em perigo”. Entrevista com Jeffrey Sachs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU