02 Dezembro 2019
"Os jovens entenderam que as emergências da humanidade, do clima à desigualdade, exigem respostas globais. Nacionalismos e soberanismos não resolvem nossos problemas e, portanto, devemos esperar que essas greves sejam o início de uma mudança de tendência em todo o mundo". O economista da Universidade Columbia Jeffrey Sachs vem analisando essas questões há muitos anos, inclusive como consultor do Secretário Geral da ONU, António Guterres. Então perguntamos a ele se greves como a da última sexta-feira podem ter um impacto concreto.
"Os jovens estão completamente certos. Todos os dados mais recentes, desde aqueles provenientes da China até o último relatório da ONU, confirmam que a situação é horrível e muito perigosa para o futuro. Isso depende em parte das escolhas de Trump e da distração do resto do mundo.
O impacto concreto que terão ainda precisa ser visto. Certamente, tiveram um grande efeito na Europa, que com os empenhos assumidos pela Comissão e pelo Parlamento, tornou-se líder sobre a emergências climáticas. Agora Bruxelas terá que usar sua influência na Ásia e sobe os EUA”.
A entrevista é de Paolo Mastrolillo, publicada por La Stampa, 30-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
É possível convencer Trump a considerar o problema climático ou teremos que esperar por uma administração futura?
A política dos EUA é muito corrupta. A indústria de combustíveis fósseis gasta muito dinheiro para comprar os republicanos, financiando suas campanhas. Trump é um sociopata perigoso, mas reflete as posições do Senado de maioria republicana, que reflete as das companhias petrolíferas. A maioria dos estadunidenses sabe e gostaria de intervir, mas a corrupção dos republicanos os impede de fazê-lo.
A greve coincidiu com a Black Friday: a geração de Greta" está mudando também a atitude em relação ao capitalismo e ao consumismo?
Há uma forte liderança entre os jovens, especialmente na Europa, mas a instabilidade e os protestos contra a plutocracia estão se espalhando por toda parte, do Chile a Hong Kong, do Iraque à Colômbia. A causa é a incapacidade dos governos de enfrentar os verdadeiros desafios. Se essa inabilidade continuar, o efeito será a ingovernabilidade dos países. Por enquanto os EUA estão mais calmos, mas isso também acontecerá entre nós.
Isso significa que o soberanismo está falhando?
A onda nacionalista vai contra a realidade, porque enfrentamos desafios globais, que só podem ser enfrentados e superados com a colaboração internacional. Se persistirmos nas políticas de Trump, Bolsonaro e os populistas europeus, acabaremos sendo incapazes de resolver qualquer coisa, e o caos crescerá. Os jovens entendem isso, pelo menos para a emergência climática. Devemos esperar que isso leve à rejeição geral do trumpismo, porque o soberanismo é antitético à realidade.
A desigualdade também faz parte da emergência e muitos apontam o dedo para a globalização. Que remédios sugere?
A globalização em si só não é uma barreira à justiça social. Os países do norte da Europa, como Suécia, Noruega e Dinamarca, continuam a ser sociedades iguais, mas ao mesmo tempo abertas e engajadas nos comércios internacionais, que usam precisamente para seus altos padrões de vida. A globalização entra nessa equação porque promove a corrida para a base na arrecadação de impostos, abrindo espaços para os paraísos fiscais e a evasão fiscal. Os governos tentam atrair as grandes corporações e os ricos oferecendo facilidades, mas assim perdem os recursos para financiar serviços sociais como saúde, educação, abrigos, essenciais para combater a desigualdade. Os EUA lideraram essa tendência, com os cortes determinados por Trump para defender os interesses da plutocracia americana. O mundo o segue, e os lucros acabam apenas nos bolsos dos mais ricos. Precisamos de uma resposta fiscal coordenada, na qual todos os governos digam juntos que não permitirão mais a erosão da base fiscal, principalmente em relação às receitas das grandes empresas. O dinheiro recuperado deverá ser usado para financiar os serviços sociais que tornam decentes as nossas sociedades e, portanto, resolver o problema da desigualdade, que alimenta o populismo e o soberanismo. No entanto, isso só pode ser feito através de uma resposta política, que se torna muito difícil quando a política está distorcida e corrompida, como acontece hoje nos EUA.
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“As novas gerações entenderam a emergência. Soberanismos e nacionalismos não são a solução”. Entrevista com Jeffrey Sachs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU