No Brasil, a necropolítica sutil foi substituída por sua versão aberta, declarada e contra os pobres
Ao se recordar do liberalismo iluminista francês, é muito comum remeter às palavras de ordem da Revolução Francesa “liberdade, igualdade e fraternidade”. Contudo, para ser justo à história, deve-se complementar outra tríade: “colonialismo, racismo e escravidão”, como propõe o cientista social e pesquisador Gabriel Miranda, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. “A história do liberalismo nos mostra que os valores de liberdade, igualdade e fraternidade têm validade apenas para aqueles que são considerados como humanos dentro do paradigma liberal. E quem são os eleitos ao estatuto de humanidade do liberalismo? Em geral, homens brancos e proprietários. De fora desta equação, a imensa maioria da humanidade: povos não ocidentais, colonizados, proletários e mulheres”, pondera o entrevistado.
Segundo Miranda, é o liberalismo que produz as bases daquilo que vai se denominar, a partir do século XX, de necropolítica. “Vemos a doutrina liberal contribuindo para a hierarquização e exclusão de grupos sociais. E ao fazer isso, contribui e legitima que cada contexto histórico-político-social-cultural-econômico do capitalismo produza seus ninguéns. São, portanto, as bases de apoio da necropolítica”, explica. “Há, pelo menos, quatro faces de produção da morte que se integram dialeticamente e constituem aquilo que denominamos de necropolítica. São elas: a morte simbólica, a morte subjetiva, a morte social e a morte biológica”, complementa.
Se nas últimas três décadas a necropolítica de Estado no Brasil havia assumido contornos mais sutis, a partir do atual governo essa barreira foi atravessada por uma política de violação explícita à Constituição Federal. “O governo de Jair Bolsonaro, notadamente neoliberal, não inaugura a necropolítica, mas eleva tal modo de fazer política a níveis nunca vistos desde 1988, contribuindo assim para a constituição de um ambiente ainda mais hostil para mulheres, pessoas heterodissidentes, moradores de periferia, população negra e todo o conjunto de minorias políticas”, critica.
Gabriel Miranda (Foto: Arquivo Pessoal)
Gabriel Miranda é cientista social. Atualmente, é aluno do curso de doutorado em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, e estudante livre de doutorado na École des hautes études en sciences sociales - EHESS, Paris, França. Através da UFRN, obteve os títulos de mestre em Psicologia, bacharel em Gestão de Políticas Públicas e licenciatura em Ciências Sociais. É pesquisador associado ao Grupo de Pesquisas sobre Marxismo e Educação - GPME e ao Observatório da População Infanto-juvenil em Contextos de Violência - OBIJUV.
IHU On-Line – Que chaves de leitura nos ajudam a compreender a história do liberalismo?
Gabriel Miranda – A obra A contra-história do liberalismo (2. ed. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2017), escrita pelo filósofo marxista italiano Domenico Losurdo e publicada pela primeira vez no Brasil em 2006, constitui-se, ao meu ver, como a melhor chave analítica para compreendermos a história do liberalismo e suas contradições. E digo isso não apenas pelas análises críticas propostas pelo filósofo italiano, mas sobretudo por se tratar de um minucioso exame da produção de autores clássicos do liberalismo, de tal modo que o esforço de Losurdo consiste em explorar as contradições presentes no seio do pensamento liberal, utilizando os liberais contra eles mesmos. Igualmente importante, os textos de autores liberais clássicos também são fundamentais para a compreensão de tal escola político-econômica. Afinal, para tecermos críticas a alguma tradição teórica, devemos, antes de tudo, compreendê-la pelos seus próprios autores.
Contudo, mais do que chaves de leitura para compreender o liberalismo, creio ser necessário uma constante vigilância com as chaves de leitura que utilizamos para compreender o mundo, pois, muitas vezes, podemos estar reproduzindo em nossas ideias e ações o pensamento liberal sem sequer nos darmos conta de que estamos assim procedendo. Ora, muitas ideias do ideário liberal figuram hoje no imaginário social com ares e corpo de coisa comum, natural, óbvia. Para citarmos apenas um dentre vários exemplos possíveis, quem nunca ouviu a expressão “Trabalhe enquanto eles dormem”, a versão coaching do “Deus ajuda quem cedo madruga”?
Tais expressões, que geralmente aparecem acompanhadas de muitas outras, são exemplos clássicos do ideário liberal e representam uma verdadeira ode ao mérito individual como única e exclusiva determinante do sucesso pessoal dos indivíduos. Ou seja, coloca nas costas do sujeito toda a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso em atingir determinados “objetivos de vida” e desconsidera que, como bem nos advertiu Karl Marx no segundo parágrafo do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, nós construímos sim a nossa história, mas dentro de condições as quais não escolhemos e que, portanto, podem constranger ou facilitar as nossas ações no mundo.
Ora, nascemos e não escolhemos gênero, cor, condição financeira, orientação sexual, território etc. Tudo isso independe de nossa vontade, mas determina o modo como nos relacionamos com o mundo. Se nasço preto em uma sociedade racista, mulher em uma sociedade patriarcal, pobre em uma sociedade que exige dinheiro para acessar determinados serviços (saúde, cultura, educação), homossexual ou heterodissidente em uma sociedade heteronormativa, o conjunto desses marcadores sociais irá causar determinados constrangimentos no modo como me relacionarei com o mundo, influenciando as possibilidades de frequentar uma boa escola, comer bem, poder me expressar livremente etc.
Agora imaginem a situação oposta: nesta mesma sociedade há alguém do sexo biológico masculino, branco e rico. Pelos marcadores sociais que carrega consigo, há muito menos dificuldades na vida deste sujeito do que na vida da pessoa citada anteriormente. Na corrida social, ou seja, na busca por acesso à universidade e por bons empregos, essas pessoas se encontram em situações muito desiguais. Fazer crer que o esforço individual consiste no critério determinante da trajetória de vida dos sujeitos é uma atividade que, além de falaciosa, provoca uma série de sofrimentos psíquicos ao sujeito que não consegue atingir os objetivos que coloca para si (ou que são colocados para ele) e, sem identificar as razões disso, acredita que lhe faltou esforço ou aptidões individuais quando, na verdade, lhe faltaram as condições concretas elementares.
Há, por fim, uma questão à qual devemos estar atentos e atentas: o liberal crê as leis do capitalismo como gerais, universais, a-históricas. Se esquece ou omite, contudo, que o capitalismo representa um estágio da humanidade – ou a pré-história da sociedade humana, se quisermos fazer jus à expressão marxiana. Portanto, as leis da economia capitalista não são as leis da economia, como queriam Adam Smith e David Ricardo, mas as leis da economia capitalista. Igualmente, o humano que se gesta no capitalismo não representa o humano em suas potencialidades (naquilo que pode vir a ser), mas sim o que é o humano que nasce e se desenvolve dentro da sociabilidade capitalista, ou seja, competitiva, tendo como uma de suas marcas a busca pelo lucro etc.
Notem, portanto, que a história do liberalismo é também a história da naturalização das relações sociais que se desenvolvem no capitalismo. E esta é precisamente uma ideia com a qual devemos ter cuidado, pois ela nos coloca diante de uma armadilha: acreditarmos que não há saídas além de relações de trabalho tipicamente capitalistas (seja o trabalho assalariado ou as novas formas de precarização denominadas de uberização), que não há alternativa à democracia representativa liberal, que não há outras alternativas de configuração familiar além da patriarcal etc. Contra essas falsas ideias, busco utilizar as Ciências Humanas (Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Psicologia, História) como arma para mostrar que a realidade social, nossas práticas culturais, relações afetivas, sistemas econômico e político, são produtos da ação de homens e mulheres ao longo da história e, portanto, construídos socialmente. Se são construções sociais, podem ser desconstruídas por nós, humanos.
IHU On-Line – A Queda da Bastilha é um marco na história do Ocidente. Mas cumpre perguntar: liberdade, igualdade e fraternidade entre quem e para quem?
Gabriel Miranda – Esta é uma pergunta que considero extremamente pertinente. Ainda mais agora, estando na França e observando a condição dos imigrantes e refugiados que estão inseridos em condições extremamente precárias, sendo criminalizados e sofrendo as consequências do colonialismo passado e presente. Falo isso pois é extremamente simbólico ver uma pessoa dormindo na rua numa noite que faz 0ºC e nesta mesma rua encontrar alguma repartição pública que estampa os dizeres “Liberté, égalité, fraternité”. Ainda assim, vale mencionar que foi aqui onde houve a única revolução burguesa que colocou a escravidão como um problema a ser combatido, embora isso tenha ocorrido unicamente durante o período jacobino. Logo após a derrubada de Robespierre, a Revolução Francesa segue sem colocar a questão da escravização como um problema, assim como as demais revoluções burguesas da história.
A história do liberalismo nos mostra que os valores de liberdade, igualdade e fraternidade têm validade apenas para aqueles que são considerados como humanos dentro do paradigma liberal. E quem são os eleitos ao estatuto de humanidade do liberalismo? Em geral, homens brancos e proprietários. De fora desta equação, a imensa maioria da humanidade: povos não ocidentais, colonizados, proletários e mulheres. Vale a pena lembrar que é apenas no século XIX que os liberais começam a, paulatinamente, defender o voto feminino.
Não faltam exemplos de autores liberais que em seus textos promoveram largas defesas do colonialismo e escravização da população negra, desde Adam Smith até Ludwig Von Mises. John Locke, por exemplo, um dos grandes nomes do ideário liberal e, portanto, influenciador da Revolução Francesa, dividia seu trabalho intelectual com a gestão de suas ações na Royal African Company, uma empresa de tráfico de pessoas escravizadas. Tal fato histórico não é um lapso, mas a via de regra de uma doutrina político-econômica que defende a liberdade apenas para um determinado grupo.
Atualmente circula na internet uma expressão que diz que “a autoestima do homem branco e hétero não tem limites”. Pois bem, Alexis de Tocqueville, um dos expoentes do ideário liberal, está aí para provar a validade dessa expressão e também reiterar a ideia citada anteriormente de que o liberalismo é, por fim, uma noção que legitima a liberdade individual apenas de um grupo muito específico que compõe o gênero humano, excluindo dessa equação mulheres, negros e povos não europeus. A citação abaixo, de Tocqueville, encontra-se presente na página 242 do exaustivo trabalho de Domenico Losurdo, intitulado Contra-história do liberalismo:
“A raça europeia recebeu do céu ou adquiriu com seus esforços uma superioridade tão incontestável sobre todas as outras raças que formam a grande família humana, que o homem colocado por nós, em virtude dos seus vícios e da sua ignorância, no último degrau da escala social ainda é o primeiro diante dos selvagens”.
Ora, esses são apenas alguns de vários exemplos de como a doutrina liberal convive em perfeita harmonia com a desumanização de determinadas categorias de seres humanos, reduzidos à condição de objeto. Portanto, se me pedem para definir o liberalismo em três palavras, eu acredito ser mais adequado falar de “colonialismo, racismo e escravidão” do que “liberdade, igualdade e fraternidade”. Mas se engana quem pensa que o conjunto desses termos são opostos. Na verdade, são complementários, pois é justamente na liberdade de uns que reside a escravização de outros.
Se me pedem para definir o liberalismo em três palavras, eu acredito ser mais adequado falar de “colonialismo, racismo e escravidão” do que “liberdade, igualdade e fraternidade” – Gabriel Miranda
IHU On-Line – Como a premissa de que o liberalismo nunca foi para todos vai formar a base do que hoje chamamos necropolítica?
Gabriel Miranda – O liberalismo nunca defendeu a liberdade para todos não por uma falha interna, por um projeto inconcluso, mas porque tal doutrina nunca se propôs a ser para todos e todas que compõem o gênero humano, e sim para atender aos interesses da burguesia – classe dominante que emerge com a sociedade moderna – e contribuir para a consolidação da dominação dessa classe social. Se analisarmos a história do liberalismo, ele sempre se constituiu como um instrumento teórico e político para frear as classes populares na sua luta por direitos. A própria democracia representativa liberal, defendida por Alexis de Tocqueville, tem muito pouco de democrática. Hoje, o que chamamos de democracia, por exemplo, não era lido no século XVIII como democracia, mas sim como uma República representativa, conforme colocado pelos federalistas estadunidenses. O casamento entre liberalismo e democracia era inimaginável no século XVIII e ao longo do século XIX tal junção ocorre para qualificar um regime que não possua qualquer potencial de ameaça para a classe dominante: a democracia liberal representativa. Tal modelo triunfou e hoje é entendido como democracia.
Portanto, neutralizar a força política das classes populares é o objetivo da doutrina liberal, embora para atingir este fim proponham e adotem diferentes táticas. Por exemplo, para Benjamin Constant, liberal suíço do século XIX e opositor ferrenho do voto feminino, a fim de frear os direitos políticos das classes populares, deve-se implementar o voto censitário, estabelecendo uma renda mínima para definir aqueles que terão direito ao voto. Alexis de Tocqueville, por outro lado, era defensor do voto indireto (algo semelhante aos colégios eleitorais estadunidenses) como tática para neutralizar a força política das classes populares e acreditava que o sufrágio censitário defendido por Benjamin Constant colocava em questão a legitimidade do regime político, pois os cidadãos se sentiriam excluídos.
Stuart Mill, liberal britânico do século XIX, por outro lado, defendia a engenharia institucional do sufrágio plural – ou voto ponderado. Isso significa que os votos deveriam ter pesos diferenciados. E para Mill, as elites intelectuais – que sobretudo naquele período histórico correspondiam às elites econômicas – deveriam ter o voto com maior valor. Para esse autor, pessoas que não pagam impostos, que são usuários de alguma política de assistência social ou que não têm um nível básico de educação formal, não devem ter direito ao voto.
Portanto, conforme busquei explorar na questão anterior: pensar o liberalismo implica levar em consideração o colonialismo. Igualmente, o casamento entre democracia e liberalismo implica uma grave perda da potencialidade do termo democracia, um governo do povo, pelo povo e para o povo. E qual a relação disto com a necropolítica?
Ora, em todos os casos vemos a doutrina liberal contribuindo para a hierarquização e exclusão de grupos sociais. E, ao fazer isso, contribui e legitima que cada contexto histórico-político-social-cultural-econômico do capitalismo produza seus ninguéns. Os ninguéns que, como escreveu o poeta e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, “valem menos do que a bala que os mata”. Capitalismo e liberalismo – e sua versão reformulada, o neoliberalismo – são, portanto, as bases de apoio da necropolítica.
Vemos a doutrina liberal contribuindo para a hierarquização e exclusão de grupos sociais. E ao fazer isso, contribui e legitima que cada contexto histórico-político-social-cultural-econômico do capitalismo produza seus ninguéns – Gabriel Miranda
IHU On-Line – Afinal, o que é a necropolítica? Como ela se materializa atualmente?
Gabriel Miranda – A noção de necropolítica, cunhada pelo cientista social camaronês Achille Mbembe em um ensaio publicado originalmente em 2006 com o título de Necropolitique, busca não negar, mas atualizar as contribuições foucaultianas sobre o exercício do poder. Para Mbembe, a necropolítica é uma forma de dominação empregada nos países da periferia do capitalismo, território pouco – ou nada – considerado por Foucault no curso de suas formulações sobre a emergência do Estado moderno e da biopolítica.
A necropolítica, portanto, trata-se de uma construção teórica que emerge no contexto africano, mas que possui potencialidade analítica para compreender a realidade social do conjunto de países ditos do terceiro mundo ou, também, da condição dos quarto-mundistas, a saber, a população que habita países do centro do capitalismo mas em situação de total precarização da vida, seja nas ruas, em presídios, hospitais psiquiátricos etc. Neste sentido, como o próprio termo sugere, a necropolítica consiste em uma política de produção da morte de grupos específicos, eleitos à condição de matáveis.
Atualmente, a necropolítica se materializa de diversas formas, que variam de acordo com o contexto em análise. A depender do país, por exemplo, a necropolítica toma como alvo grupos distintos e é, também, aplicada de formas distintas. A fórmula básica permanece: produção da morte de determinados grupos, seja pela ação direta do Estado ou pela inação. Mas concretamente, como isso opera? Para responder tal questionamento, é necessário elaborar análises concretas destes cenários, levando em consideração suas particularidades históricas, econômicas, sociais, políticas, culturais etc. O modo como a necropolítica opera no Haiti, na Palestina, no Brasil e na França é completamente distinto e exige uma análise minuciosa de cada realidade, a fim de identificar as tecnologias aplicadas e os sujeitos que se constituem como alvos privilegiados das políticas de morte.
IHU On-Line – De que maneira podemos definir as duas faces da necropolítica, aquela mais implícita da negação dos direitos e da vida, e aquela da violação explícita da vida?
Gabriel Miranda – Há uma citação do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht que acredito ser bastante pertinente para tratarmos sobre necropolítica. Ela diz o seguinte:
Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal em seu peito, tirando-lhe o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo-lhe trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra etc. Só a primeira é proibida pelo nosso Estado.
É compreensível que a morte biológica seja aquela que recebe mais atenção, tanto na esfera pública quanto na acadêmica. Mas é mister evidenciar que há outros tipos de produção da morte e, portanto, outras formas em que a necropolítica se expressa além da violação explícita da vida. Eu, particularmente, tenho trabalhado com a noção de que há, pelo menos, quatro faces de produção da morte que se integram dialeticamente e constituem aquilo que denominamos de necropolítica. São elas: a morte simbólica, a morte subjetiva, a morte social e a morte biológica.
A morte simbólica, algo parecido com o que Achille Mbembe definiu como alterocídio, diz respeito a um processo em que o “Eu” não se vê no “Outro”. O que leva, por exemplo, um ser humano a olhar seu semelhante e não se ver ali, não identificar que ambos partilham o mesmo estatuto humano, mas, ao contrário, sentir aversão, medo, ódio, repulsa? A produção da morte deste ser humano no ponto de vista simbólico, que deixa de ser encarado como um humano e passa a ser visto como “uma outra coisa”. Podemos materializar estatisticamente tal processo a partir da pesquisa de opinião do Instituto Datafolha que informa que 51% da população brasileira concorda com a expressão “bandido bom é bandido morto”, provavelmente se referindo não aos bandidos de “colarinho branco”. No livro Juventude, crime e polícia: vida e morte na periferia urbana (Curitiba: Editora CRV, 2019), publicado em conjunto com a professora Dra. Ilana Paiva em 2019, há um exemplo que me parece didático para compreendermos tal processo:
No quinto episódio da terceira temporada da série inglesa Black Mirror, intitulado Men Against Fire, os soldados de uma organização militar são programados, através de um implante neural para, diante do inimigo, enxergarem-no como um monstro, um ser agressivo, esteticamente assustador e, mais importante, destituído de humanidade. No episódio, este monstro recebe o nome de “barata”. As “baratas” são, contudo, seres humanos que resistem ao estado de coisas estabelecido e que, por constituírem esta resistência, devem ser exterminadas. Ao terem as percepções sensoriais alteradas, os soldados conseguem cumprir a missão de exterminá-las com maior eficácia, afinal, não há culpa em exterminar um monstro que oferece perigo para a humanidade [...] É certo que não há um implante neural que altere a percepção da sociedade brasileira, o que também não é preciso, afinal, não se apreende o mundo unicamente através dos órgãos do sentido, mas, sobretudo, através de ideias e valores (Miranda & Paiva, 2019, pp. 150-151).
A morte subjetiva diz respeito à produção de determinados modos de vida como inexistentes ou indesejados. É o caso, por exemplo, dos mecanismos de coerção, muitas vezes tratados como natural, que impedem as mulheres de se expressarem livremente. Ou, por exemplo, os processos históricos que invisibilizam e menosprezam a estética e o conjunto de práticas culturais da população de matriz afrodescendente. Não menos importante, a população heterodissidente também é alvo privilegiado desse processo.
No que concerne à morte social, esta expressão da necropolítica trata da negação de direitos sociais que permitem aos sujeitos traçar suas trajetórias de vida. Negar acesso à saúde, educação, trabalho digno, habitação, transporte e lazer é, também, uma forma de produção da morte.
Por fim, temos a morte biológica, que é a forma mais evidente de necropolítica. Contudo, como consta no livro Juventude, crime e polícia: vida e morte na periferia urbana, a necropolítica não se efetiva apenas pelos homicídios operados diretamente pela polícia – braço armado do Estado –, mas todas as mortes produzidas pela ação indireta ou inação do Estado, que cria ou mantém as circunstâncias para que essas mortes aconteçam, são expressões da necropolítica.
Por exemplo, no campo da segurança pública, quais são as condições que permitem o comércio ilegal de drogas e consequentemente a disputa de facções por territórios onde possam exercer suas atividades ilícitas? A meu ver, a política proibicionista de drogas é o elemento central. Não poderia o Estado intervir para cessar isso, descriminalizando o uso, o comércio e a circulação dessas substâncias hoje consideradas ilícitas? Se não o faz, é responsável também pelas mortes dos jovens de facções rivais que perdem suas vidas disputando territórios. Como também é responsável por manter as circunstâncias de precarização da vida que contribuem para que o jovem veja no varejo do comércio ilegal de drogas uma possibilidade de estratégia de sobrevivência.
Por fim, ao tratarmos das mortes biológicas, é preciso levar em consideração o suicídio, atualmente em escalada sobretudo entre a população jovem. Suicídio como expressão da necropolítica? Sim, pois embora possa parecer um ato de expressão máxima da individualidade humana, é necessário compreender o contexto no qual o indivíduo que comete suicídio está inserido. O que faz com que tirar a própria vida se torne uma possibilidade? Qual a relação entre o avanço do neoliberalismo, a retirada de direitos, o sequestro das expectativas em relação ao futuro e as elevadas taxas de suicídio? Qual a relação entre a deterioração das condições de trabalho, a ênfase na meritocracia e as taxas de suicídio? Como um ambiente racista, misógino, homofóbico e transfóbico pode contribuir para potencializar as taxas de suicídios de minorias políticas? Quando um governo não age para combater o avanço do neoliberalismo, o racismo, o machismo, a homofobia, a transfobia, o capacitismo, não teria ele também as mãos sujas do sangue daqueles que se suicidam?
IHU On-Line – No Brasil, que exemplos ilustram essas formas de eliminação daqueles que estão fora da engrenagem capitalista ultraliberal?
Gabriel Miranda – No Brasil, por exemplo, o governo de Jair Bolsonaro, notadamente neoliberal, não inaugura a necropolítica, mas eleva tal modo de fazer política a níveis nunca vistos desde 1988, contribuindo assim para a constituição de um ambiente ainda mais hostil para mulheres, pessoas heterodissidentes, moradores de periferia, população negra e todo o conjunto de minorias políticas. Em linhas gerais, o neoliberalismo, racismo, misoginia, transfobia, desrespeito aos povos originários e à natureza, típicos de Bolsonaro e de sua equipe de governo, são um exemplo emblemático do que é fazer a necropolítica.
Não concordo com a ideia de que a necropolítica é uma governamentalidade que sucede historicamente à biopolítica. Acho que um questionamento basilar para pensar o Brasil e os demais países com histórico colonial consiste em buscar saber: “quando não fomos necropolíticos?”. Embora estejamos tratando de um conceito formulado no início do século XXI, a necropolítica é um fenômeno que se expressa há muito mais tempo, sobretudo nos países situados na periferia do capitalismo, onde distinguir entre política e necropolítica constitui tarefa difícil. Diria mais, é possível um capitalismo não necropolítico? Isso certamente não implica afirmar que o modo como a necropolítica se expressou em nosso país – ou em outros países do mundo – foi sempre o mesmo, mas assumir que, em essência, esse modo de fazer política sempre esteve presente, ora de forma mais branda, ora de forma mais acentuada.
Mas pensando o Brasil contemporâneo, exemplos que ilustram a necropolítica não nos faltam. Primeiro, interessa saber quem são as vítimas e quais as tecnologias utilizadas na produção de sua morte. O extermínio da população negra que ocorre nas periferias urbanas e tem como alicerces a polícia militarizada e a política proibicionista de drogas segue a pleno vapor. O sistema carcerário, terceiro maior do mundo, continua produzindo mortos-vivos todos os dias. A atual política ambiental do governo federal e os recentes acontecimentos na Amazônia evidenciam também uma necropolítica da vida do planeta. A política em relação aos povos originários segue, infelizmente, a mesma lógica. O avanço do projeto econômico neoliberal cerceia as condições de desenvolvimento da população brasileira, precariza as condições de trabalho e limita a garantia de direitos. E tudo isso associado a uma equipe de governo que não perde qualquer oportunidade de utilizar de seus espaços de poder para propagar discursos de ódio contra minorias políticas.
Pensar em uma política de produção da vida no Brasil contemporâneo nos coloca diante da necessidade da superação de um governo como o de Jair Bolsonaro, um entusiasta da necropolítica, conforme sustentam suas afirmações de “vamos metralhar a petralhada”, “cada vez mais o índio é um ser humano que nem nós”, “bandido bom é bandido morto”, “eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”, “uma pessoa com HIV é uma despesa para todos aqui no Brasil” e outra série de desqualificações.
Costumo dizer que o atual governo brasileiro promove a morte a partir da caneta, do discurso e da arma de fogo. Com a caneta, ao assinar decretos e leis que permitem a maior exploração e até a morte da população brasileira. Com os discursos, ao reduzirem grupos populacionais à condição de não humanos (ou humanos de segunda categoria) e, ao mesmo tempo, ao utilizarem posições de poder para proferir esses discursos, promovem a morte simbólica desses grupos diante dos outros grupos que ocupam uma posição estabelecida na sociedade brasileira. E, por fim, promovem a morte biológica através de armas de fogo, com o apoio das leis que buscam legitimar tal extermínio no plano jurídico e com o discurso que busca legitimá-lo na esfera social.
IHU On-Line – Em que sentido as noções de necropolítica, de Achille Mbembe, e tanatopolítica, de Michel Foucault, aproximam-se e se distanciam?
Gabriel Miranda – Creio que esta é uma pergunta que inquieta muitos(as) daqueles(as) que se debruçam sobre as contribuições teórico-conceituais de Michel Foucault, Giorgio Agamben e Achille Mbembe, sobretudo no que concerne ao modo como tais autores pensam o exercício do poder. E, aproveitando que Mbembe e Agamben estão vivos, posso sair pela tangente e me esquivar de responder essa pergunta afirmando que certamente eles podem responder melhor do que eu (risos).
Brincadeiras à parte, tanatopolítica e necropolítica, em termos gerais, representam o exercício do poder que se encontra endereçado à produção da morte. Arrisco dizer que a ideia de tanatopolítica apresentada por Michel Foucault e posteriormente desenvolvida por Giorgio Agamben encontra-se plenamente desenvolvida com Achille Mbembe, com a publicação do artigo Necropolitique. Interessa informar também que a formulação de Mbembe aparece carregada – coisa que não encontramos em Foucault ou Agamben – de uma forma de pensar o mundo centrada não mais nos países do centro, mas nos países da periferia do sistema capitalista, sobretudo no continente africano, que Mbembe afirma diversas vezes ser o laboratório que possibilitou o desenvolvimento de suas reflexões.
IHU On-Line – No Brasil, que é um país em desenvolvimento, as formas da necropolítica tendem a ser sempre mais óbvias, mas como essa mesma forma política se expressa em países europeus, como a França, por exemplo?
Gabriel Miranda – Primeiro, uma breve nota pessoal: cheguei na França no dia 06 de janeiro de 2020 para realizar meu estágio doutoral na École des hautes études en sciences sociales - EHESS. Coloco os pés em Paris em meio a uma das mais longas greves da história do país, motivada pela reforma da previdência proposta pelo Governo de Emmanuel Macron. Tal reforma da previdência é um exemplo de necropolítica, pois à medida que aumenta o tempo para o(a) trabalhador(a) conseguir se aposentar, retira tempo de vida deste(a) e entrega ao capital. Pois bem, mas enquanto reformistas e revolucionários discutiam os rumos das manifestações, outra coisa me chamou atenção: as condições a que estavam submetidas as frações mais pauperizadas da classe trabalhadora francesa, a saber, o imigrante que sequer pode contar com a possibilidade de se aposentar. Esse primeiro impacto me mobilizou a escrever, quase como um desabafo, o texto Necropolítica à la française.
Para operar plenamente, a necropolítica demanda a articulação entre a desumanização de determinadas categorias de sujeitos, que passarão a ser vistos como seres inferiores. Após esse primeiro passo, a morte biológica, ou a morte em vida (como considero a vida em situação de extrema pauperização) torna-se legitimada. Ou seja, coisas que são intoleráveis para determinados grupos de seres humanos, tornam-se toleráveis para outros. Necropolítica é, neste sentido, além de uma política de produção da morte violenta, uma política de produção do consenso de que determinados grupos podem ser exterminados.
No Brasil, sabemos que o principal alvo da necropolítica são os jovens da periferia, em sua maioria pobres e negros, muitas vezes associados pela polícia, pela mídia e por setores da sociedade civil ao cometimento de algum ato infracional – não à toa, mas fazem isso como forma de justificar a violência indiscriminada. Na França, por exemplo, país onde resido atualmente, percebo que em Paris e nas cidades do entorno essa política de produção da morte opera, sobretudo, em relação aos imigrantes, que representam cerca de 40% da população carcerária, constituem-se como os sujeitos que dormem embaixo das pontes, a imensa maioria dos que estão nas ruas e inseridos em empregos precários, pois não têm autorização estatal para trabalhar. A partir da minha curta experiência por aqui, assumo a hipótese de que a xenofobia, uma variante do racismo e do colonialismo, está entranhada no padrão de normalidade da sociedade francesa tal qual o racismo em relação à população negra constitui o padrão de normalidade da sociedade brasileira.
Parcela considerável da opinião pública e do parlamento afirmam que os imigrantes são a falência da Europa. Os imigrantes são a falência da Europa? Não, o capitalismo é a falência do mundo. A ideologia liberal e sua função de mascarar o real nos faz crer que o problema reside nos imigrantes. Eles, na verdade, são a expressão de um problema muito maior, a saber, a incapacidade do capitalismo de conviver com a democracia em seu sentido pleno, de permitir o bem-estar da Humanidade. É preciso resgatar a radicalidade marxiana, no sentido original do termo, de identificar os reais problemas e intervir sobre eles e não sobre suas consequências.
Durante esta semana, conheci uma imigrante que trabalha em um restaurante de Paris que possui quinze unidades na Île-de-France. Sem autorização legal para trabalhar, o restaurante emprega-a com uma carga horária que varia entre 15 e 16 horas diárias. Cerca de 90 horas semanais por um salário mínimo mensal. Há, ainda, quem trabalhe por uma refeição diária em outros estabelecimentos, ela me diz. Ontem, na calçada de um grande hotel do centro de Paris, cuja diária custa 900 euros, vejo uma senhora no chão, com a mão, quase congelada, pedindo algumas moedas. Ao lado dela, um cartaz escrito: “algumas moedas para sobreviver”. O cenário se repete várias vezes ao longo do dia. Caminho pelas ruas de Aubervilliers, comuna da periferia de Paris, e vejo acampamentos improvisados que mais parecem campos de concentração. Escuto o presidente anunciar e implementar uma política que piora as condições de vida dos imigrantes. Pessoas trans não têm sua identidade de gênero respeitada nas prisões. Isso é necropolítica.
IHU On-Line – Diante de tal contexto, como olhar para frente e vislumbrar outros futuros? Como transformar a necropolítica em uma política da potência de vida?
Gabriel Miranda – O primeiro desafio colocado reside em disputar as narrativas que se produzem sobre a realidade. Enquanto alguns insistem que a realidade é imutável, precisamos, por outro lado, defender, com todo o acúmulo que as Ciências Humanas nos fornecem, que a realidade não é natural, mas construída a partir da ação de homens e mulheres em determinadas circunstâncias sociais, políticas, econômicas. Portanto, se há no Brasil uma política de produção da morte de determinados grupos sociais, nos cabe identificar os fatores que constituem essa política. Identificando-os, trabalhadores(as) organizados(as) em movimentos sociais, partidos políticos ou formas de organização que ainda irão nascer poderão traçar as táticas necessárias para o enfrentamento efetivo.
Mitigar a necropolítica implica, no caso brasileiro, aumentar os mecanismos internos e externos de controle das polícias, desmilitarizar a polícia responsável pelo patrulhamento ostensivo e garantia da ordem pública, avançar na garantia de direitos e garantia de condições equânimes de desenvolvimento, romper com o paradigma proibicionista que orienta a atual legislação sobre drogas, principal responsável pela chamada “guerra às drogas” e pelas mortes que advêm dessa guerra, repensar a política criminal, marcadamente punitivista e seletiva, investir no serviço de inteligência policial a fim de aumentar a resolução dos casos de homicídios no Brasil – atualmente inferior a 10%. Mas bem, até aqui nenhuma novidade.
Qualquer cientista social ou pesquisador(a) sério(a) informaria o mesmo. Aqueles que são os donos do poder e com suas canetas e dólares controlam o Brasil também sabem disso. Mas não se trata de uma decisão técnica, manter a necropolítica como forma do exercício do poder é uma decisão, como o nome sugere, política, que atende aos interesses dos grupos dominantes. Por isso a necessidade da organização popular de trabalhadores e trabalhadoras. Historicamente, os direitos sociais conquistados, muitos dos quais já destruídos ou em vias de serem destruídos, são frutos de lutas sociais. Barrar a necropolítica demandará o mesmo de nós: força e coragem. É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte!, como canta Gal Costa.
Ademais, na minha concepção (e não na de Achille Mbembe), enquanto houver exploração, haverá necropolítica. Portanto, seguindo a lógica marxiana de tomar os problemas pela raiz, não poderia dizer outra coisa senão que combater a necropolítica é combater o capitalismo, e combater o capitalismo é combater a necropolítica. Isso não significa, como querem os antimarxistas, que estou a dizer que devemos organizar uma revolução para amanhã às 16h, de modo a suprimir a sociedade de classes. Bem... mal não faria... Mas estou a afirmar, sobretudo, a necessidade de pensar ações e políticas públicas que levem em consideração as raízes da violência, ou seja, o próprio capitalismo, que se funda na espoliação de terras, na violência legitimada e na exploração de uma classe por outra. Se o Estado é necropolítico, temos que lembrar que o Estado moderno não é uma formação estatal perdida em um vazio de tempo e espaço, mas um Estado capitalista, que como bem nos lembrou Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, é uma organização endereçada a gerir os interesses da burguesia.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Gabriel Miranda – Gostaria de aproveitar o espaço para denunciar a morte do estudante da Universidade Federal da Paraíba, Clayton Tomaz de Souza, conhecido como Alph, encontrado morto no dia 08 de fevereiro de 2020, após ser ameaçado pela equipe de segurança da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Pela memória e por justiça: Alph, presente!
Por vezes, algumas pessoas comentam comigo que meus textos desencadeiam sentimentos de tristeza – e não é para menos, afinal, em geral escrevo sobre violências: as explícitas e as que se fazem opacas. Para não correr o mesmo risco nesta entrevista, gostaria de finalizá-la e ao mesmo tempo me despedir da leitora e do leitor com o primeiro texto em verso que escrevi depois que cheguei a Paris. Espero que a leitura do poema a seguir possa renovar a energia e as esperanças depois de uma entrevista tão longa e que toca em um tema tão delicado.
O que nos cabe diante do mundo?
Sentir e se indignar
amar e lutar
Negar e transformar
reinventar e superar
Sentir a si mesmo
mas também ao outro
Sentir as alegrias
E, sobretudo, sentir as dores
nossas e do mundo
Indignar-se diante do mal e da injustiça
que se apresentam
no espelho invertido do século XXI
como o bem, o justo
Amar as gentes
e aqueles que nem gente são
porque isso lhes foi retirado
Amar as diferenças, as semelhanças
Amar o verbo amar
Amar, enfim, aquilo que se quer amar
Lutar para fazer viva
a nossa existência
que eles tanto insistem
em fazer morta
Negar as falsas verdades que dizem
que não há outra saída
que a história chegou ao final
que nós somos.....................nada
Negar aquilo que fizeram de nós
E nos forçaram a crer que somos nós
Negar o homem
sua pretensa racionalidade superior
E transformar o mundo em horizontes
que são inimagináveis
pelo menos agora, em nossos tempos
marcados por uma razão indolente
Reinventar tudo, inclusive a vida
antes que essa vida nos devore
E nos torne, sem que percebamos
aqueles que quando crianças
definitivamente não queríamos ser
Superar a noção de que o real
é aquilo que efetivamente existe hoje
E, com indignação, amor e luta
Retomar uma perspectiva transformadora do mundo
e de nós mesmos.