28 Fevereiro 2025
Um grupo de 100 cientistas, ambientalistas, ativistas sociais e católicos — incluindo 21 bispos — divulgou uma carta pública em 18 de fevereiro criticando os planos do governo Lula para exploração de petróleo perto da foz do Rio Amazonas.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima , publicada por National Catholic Reporter, 27-02-2025.
A carta afirma que a exploração de petróleo perto da costa do estado amazônico do Amapá, no norte do Brasil, seria um "suicídio ecológico" e pede uma redução imediata na produção e no consumo de combustíveis fósseis.
Segundo os signatários, a produção de petróleo naquela área não só seria arriscada para os biomas locais, mas também significaria a continuidade de um modelo econômico que libera uma quantidade excessiva de carbono na atmosfera, o que contribui para as emissões de gases de efeito estufa que retêm calor e aquecem o planeta.
Dom Vicente de Paula Ferreira, da Diocese de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, é um dos bispos mais atuantes na denúncia dos impactos das atividades extrativistas na Terra e nas populações tradicionais.
"A retórica do governo é baseada em uma mentalidade capitalista de lucros ilimitados. Mas o planeta não tem mais recursos para crescimento ilimitado. Temos que proteger o que sobrou", disse o bispo, que lidera a Comissão Especial de Mineração e Ecologia Integral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
O padre italiano Dario Bossi, membro da comissão, disse que o grupo queria que a igreja desempenhasse um papel significativo entre os signatários da carta, por isso buscou o apoio de bispos de todas as regiões do Brasil.
"Isso mostra que não é só um segmento social que critica o projeto do governo, mas uma aliança complexa com diferentes atores", disse.
A ideia de prospectar petróleo na chamada Margem Equatorial — região que abrange o litoral brasileiro do Rio Grande do Norte ao Amapá e além até a Guiana Francesa, Suriname e Guiana — não é nova.
Desde 2014, a estatal petrolífera Petrobras solicitou autorização da agência ambiental do governo, Ibama, em diversas ocasiões para explorar as reservas de petróleo da região. O esforço enfrentou uma luta política significativa a partir de 2023, durante o primeiro ano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato, embora alguma controvérsia tenha existido antes.
Após a destruição ecológica da administração do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019–2022), grande parte da campanha de Lula se concentrou na promessa de reconstruir as políticas de proteção ambiental do Brasil. Marina Silva, uma conservacionista de longa data que começou seu ativismo político ao lado do ícone amazônico Chico Mendes (1944–1988), foi nomeada por Lula como ministra do meio ambiente e mudanças climáticas.
Marina Silva e Lula trabalharam juntos durante seu primeiro e segundo mandatos (2003–2006, 2007–2010), mas ela deixou o governo em 2008 devido a divergências sobre as políticas do presidente, especialmente a construção de usinas hidrelétricas nos rios amazônicos.
Com a recusa do Ibama em conceder licença à Petrobras para exploração de petróleo no Amapá, Marina Silva — cujo ministério abrange o Ibama — e Lula voltaram a ficar em lados opostos.
"O Ibama classificou a operação como de risco máximo, segundo seus critérios. É uma região extremamente rica do ponto de vista biológico", disse Luiz Marques, professor de história da Universidade Estadual de Campinas e um dos principais organizadores da carta pública, ao National Catholic Reporter.
Marques, que estuda os impactos ecológicos do atual sistema econômico e em 2020 escreveu um livro intitulado Capitalismo e Colapso Ambiental , enfatizou que o litoral do Amapá tem uma enorme concentração de fitoplâncton, produzido pelos sedimentos nutritivos lançados no mar pelo Rio Amazonas. O fitoplâncton absorve o carbono atmosférico.
"É também uma das maiores regiões de manguezais do mundo, além de ter uma grande concentração de recifes de corais", disse ele.
A agência ambiental do governo argumentou que a Petrobras falhou em fornecer informações fundamentais sobre como conteria potenciais vazamentos de óleo. A carta diz que o Ibama listou 18 impactos negativos se a exploração de petróleo for realizada na região, quatro deles de alta magnitude. Os fluxos marinhos da região espalhariam rapidamente o óleo derramado para toda a região, incluindo a costa da Guiana Francesa.
A petrolífera argumentou que incluiu todas as informações solicitadas em uma nova revisão do projeto, que o Ibama vem avaliando desde novembro de 2024.
Em 12 de fevereiro, durante um evento, Lula reclamou do tempo que o Ibama está levando para analisar o pedido. Ele alega que o projeto é apenas para explorar reservas de petróleo na área, não para iniciar a produção de petróleo.
A carta menciona outras ações do governo Lula que vão contra suas promessas, como a adesão a um grupo de colaboradores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+) e o projeto — expresso em documento do Ministério de Minas e Energia de Lula em 2023 — de tornar o Brasil o quarto maior produtor de petróleo do mundo.
"A jornalista brasileira Eliane Brum definiu essa perspectiva como uma espécie de 'negacionismo progressista'. Temos líderes mundiais como o presidente Donald Trump que negam a existência das mudanças climáticas. O outro grupo — com membros como Lula — reconhece os alertas da ciência, mas não os cumpre em nome de uma agenda do século XX", disse Marques.
Lula e outros membros de seu governo argumentam que o dinheiro gerado pela exploração do petróleo beneficiará os mais pobres do Brasil e será usado para financiar a transição energética no país.
"É um grande erro. Sabemos que não resta nada para as pessoas depois que a perfuração de petróleo e a mineração devastam seus territórios", disse Ferreira ao NCR.
Marques concorda. Ele disse que apenas 1% dos recursos ligados à produção de petróleo foram usados globalmente para financiar a transição energética. No Brasil, um pouco mais de 30% da renda gerada pelo petróleo vai para o estado, o restante vai para os acionistas. E os ganhos do estado, em geral, não são revertidos para políticas públicas, mas são usados para financiar a dívida pública com os bancos.
A Comissão Episcopal de Mineração e Ecologia Integral vem promovendo, junto com outras organizações, uma série de atividades com o objetivo de conscientizar sobre a emergência ambiental no Brasil até a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) de 2025, que ocorrerá em Belém, no Pará, em novembro.
"Infelizmente, ao mesmo tempo em que o Brasil sediará a COP30, ele busca uma autorização para exploração de petróleo na Amazônia e parte do Congresso quer liberar a mineração em terras indígenas", disse Ferreira.
Bossi, o padre, disse que a comissão não está esperançosa quanto aos resultados da COP30.
Diante do negacionismo climático de Trump e outros líderes mundiais, ele disse que a COP só pode "ser um sucesso se continuar existindo como um espaço de diálogo e negociação internacional".
Mas a comissão está otimista quanto às possibilidades de atingir um público brasileiro maior ao longo do ano e falar sobre os atuais desafios ambientais.
"Também esperamos poder resistir a projetos como o de exploração de petróleo na Amazônia", acrescentou.
Segundo Bossi, os projetos de exploração de petróleo têm sacrificado alternativas envolvendo economias locais que poderiam trazer soberania alimentar às comunidades e, ao mesmo tempo, ajudar a equilibrar a biodiversidade e o clima. Por exemplo, o governo poderia incentivar a produção de castanha-do-brasil por pequenas comunidades tradicionais em partes da Amazônia, em vez de produzir mais petróleo.
Como forma de resistir aos projetos de exploração de petróleo, a comissão vem promovendo a ideia de zonas livres de mineração e de petróleo.
"A Amazônia como um todo deveria ser uma dessas zonas francas, especialmente quando vemos os impactos da perfuração de petróleo na floresta tropical do Peru ou do Equador, por exemplo", disse Bossi.
Na opinião de Bossi, o Brasil está sufocando a liderança em questões ecológicas que poderia ter durante a COP30.
Marques acredita que os grupos sociais que se opõem à exploração de petróleo na Margem Equatorial devem se esforçar ao máximo para debater essas questões com a sociedade.
"Tenho certeza de que as pessoas não estão entendendo exatamente a seriedade da nossa situação", disse ele. "Ninguém quer um futuro pior. Precisamos agir."