10 Janeiro 2025
Meu desejo para 2025 é que essa massa de humanos automatizados, doentes e desabitados mais uma vez se entenda como natureza, se rebele e queira viver. E depois lutar coletivamente, porque a vida é conjunta. Mesmo que seja parcialmente aniquilado, silenciado, domesticado, moldado, o poder pode ser libertado de dentro de nós. Quem está vivo quer viver. E isso é tudo que precisamos querer.
O artigo é de Eliane Brum, jornalista e ativista climática, publicado por El País, 08-01-2025
Eis o artigo.
Precisamos nos reconectar com a vida para enfrentar um 2025 que poderia ser pior.
Em quase todas as intervenções públicas ouço pedidos de esperança. E o fenômeno parece crescer a cada ano que passa. Devemos deixar uma mensagem de esperança, dizem-me. Como posso ter esperança? O importante é não perder a esperança, garantem-me. A esperança, na aceleração do colapso do clima e da biodiversidade, está a tornar-se o que a felicidade era há anos: um objeto de consumo, outra mercadoria.
Entramos numa fase em que cada ano é o mais quente da história, tem a pior seca e também a maior cheia alguma vez registada, o maior número de fenômenos meteorológicos extremos. Já faz mais de um ano que a temperatura média do planeta aumentou 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais e, em vez de avançar em ações e negociações para o clima e a biodiversidade, vemos grandes corporações aumentando a produção de combustíveis fósseis e prejudicando projetos de redução diminuem. Alguns porque temem obter menos benefícios num contexto político em que a extrema direita se esforça para transformar pessoas e empresas preocupadas com o clima em párias.
Para piorar a situação, Donald Trump assumirá o poder nos Estados Unidos (ainda) de mãos dadas com Elon Musk para criar abertamente um governo para os super-ricos, Vladimir Putin está a expandir a sua guerra na Ucrânia e a população mundial normalizou o massacre de crianças e adultos palestinos por Israel, como se fosse possível normalizar pessoas morrendo diariamente, queimadas, baleadas, explodindo diante da nossa inação.
É preciso dizer: tudo indica que 2025 será pior. E o tema da esperança é irrelevante.
Não tenho nada contra a esperança, que isso fique claro. Eu até acho ela bonita. Mas neste contexto não podemos permitir-nos depender da esperança para lutar pela vida, como se fôssemos adultos infantilizados: se me derem esperança, agirei contra aqueles que estão acabando com a nossa existência na casa-planeta. Do contrário, ficarei sentada esperando por um milagre que nos salve da próxima enchente.
Fala-se tanto em inteligência artificial, mas parecemos, cada vez mais, seres humanos desabitados. Como disse a consultora Ana Biglione em sua mensagem de Ano Novo: “o ano que vem não abre automaticamente com felicidade e, muito menos, com novos começos. A maioria de nós permanece firme e doente, devorando o mundo em alguma rede aleatória de fast food.”
Morando na selva amazônica, testemunho dia após dia que tudo que está vivo luta para viver, que a vida é uma força que gera a própria vida. Imagino os filhotes de tartaruga, que quebram a carapaça a mais de meio metro abaixo da areia, que têm que cavar com as perninhas para chegar à superfície e depois pular em um rio cheio de perigos ferozes, exigindo esperança para começar a se mover sob a areia. Ao nos separarmos da natureza, que transformamos em mercadoria, perdemos o poder maior, que é o da própria vida. É aquilo que impulsiona alegria e imaginação, presença e atenção.
Meu desejo para 2025 é que essa massa de humanos automatizados, doentes e desabitados mais uma vez se entenda como natureza, se rebele e queira viver. E depois lutar coletivamente, porque a vida é conjunta. Mesmo que seja parcialmente aniquilado, silenciado, domesticado, moldado, o poder pode ser libertado de dentro de nós. Quem está vivo quer viver. E isso é tudo que precisamos querer.
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