19 Setembro 2023
"Somos obrigados a trocar de rumo de nossa civilização, fundada no material, na direção de outro fundada em bens humano-espirituais de pertença fraterna entre todos nós e com a natureza, com sentido de solidariedade e compaixão. Isso nos levaria a protelar o nosso fim", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
As catástrofes ocorridas nos últimos anos, semelhantes às ocorridas em setembro 2023, nos remetem às grandes catástrofes da história na Terra. Os estudiosos contam com 15 grandes catástrofes. Durante os últimos 570 milhões de anos a partir do surgimento de criaturas com esqueleto, várias surgiram, levando consigo grande parte da vida existente. Elas pertencem à história da Terra.
A primeira grande extinção, das mais importantes, ocorreu há 245 milhões de anos por ocasião da formação dos continentes (a partir do único Pangeia). Nela desapareceram 90% das espécies da vida animal, marinha e terrestre. A Terra precisou de alguns milhões de anos para refazer sua biodiversidade.
A segunda maior extinção em massa ocorreu há 65 milhões de anos, quando um asteroide de quase 10 km de extensão caiu em Yucatán, no sul do México. Isso provocou um imenso maremoto, com grande volume de gás venenoso e uma treva imensa que obscureceu o sol e assim impediu a fotossíntese e 50% de todas as espécies pereceram. Os dinossauros que por 130 milhões de anos vagavam por parte da Terra foram as principais vítimas.
Curiosamente, depois de cada extinção em massa, a Terra conheceu uma floração fantástica de novas espécies. Depois da última, apareceram especialmente os mamíferos, dos quais nós mesmos descendemos.
A terceira está em curso já há mais de dois milhões de anos. Chistian de Duve, Nobel de Biologia que escreveu uma das mais detalhadas biografias da Terra (Poeira vital: a vida como imperativo cósmico, Campus 1977), nos diz:
“De certa forma o nosso tempo lembra uma daquelas importantes rupturas na evolução, assinaladas por extinções maciças... em grande parte devida à espécie humana” (p. 355-356). Estaríamos agora num momento já avançado da terceira extinção em massa, Conforme o eminente biólogo Edward Wilson é da ordem entre 70-100 mil seres vivos que estão desaparecendo anualmente e um milhão se encontra sob risco de desaparecer.
A atual não é como as duas anteriores que ocorreram de golpe. Ela se faz lentamente, por diversas fases, começando na era glacial há 2,5 milhões de anos. Constata-se nos últimos tempos uma surpreendente aceleração desta extinção.
O regime climático está aumentando dia a dia e eventos extremos se multiplicam como temos observado ultimamente. Entramos num alarme ecológico, afinal como disse severamente o Papa na Fratelli Tutti: “Estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”.
O que se previa que o aquecimento global iria crescer 1,5ºC até 2030, o IPCC e outras fontes oficiais nos alertam que pode se antecipar já para os anos 2025-2027. Nem o mais feroz negacionista poderá negar as mudanças climáticas que têm ocorrido nos últimos dois anos e que seguem ocorrendo com cada vez mais fúria. Pelo menos sentem na pele o calor que pode ir de 38-40ºC, consoante os lugares e a exigência desesperada de beber mais água.
Como diz Peter Ward, em seu livro “O fim da evolução” (Campus, 1997): ”Há 100 mil anos atrás, outro grande asteroide atingiu a Terra, dessa vez na África. Este asteroide chama-se homo sapiens”. Quer dizer, é o ser humano moderno que inaugurou o antropoceno, o necroceno e o piroceno. Se grande é o risco, dizia um poeta alemão, grande também é a chance de salvação.
Nem por isso se pode negar a fatalidade da situação de todos os seres: nascem, se desenvolvem e depois morrem. Assim foi no passado, continua no presente e segue seu curso irrefreável para o futuro.
Não sei porquê seria diferente com o ser humano e o seu habitat, a Terra. A fé proclama a morte como um momento de transfiguração e não de volta ao nada. Mas isso é fé e esperança esperante de que realmente esta transfiguração, que para os cristãos é a ressurreição do ser humano e de toda a criação, de fato aconteça.
Entretanto, o tempo de relógio corre contra nós. Grande parte da humanidade e dos “decision makers” e os CEOS das grandes corporações econômico-financeiras, alienadas, seguem o ritmo desenfreado de produção, visando a acumulação e continuando com o falso projeto de um crescimento ilimitado, não mais suportável por um planeta já profundamente limitado de recursos e bens e serviços essenciais para a vida.
Estes são como as pessoas do tempo de Noé, surdas aos apelos desse grande homem ancestral, comiam, bebiam, faziam festas, casavam-se e se davam a casar. Não deram ouvidos a Noé. Veio o dilúvio e pereceram todos, salvos apenas os que estavam na Arca com seus respectivos animais.
Somos obrigados a trocar de rumo de nossa civilização, fundada no material, na direção de outro fundada em bens humano-espirituais de pertença fraterna entre todos nós e com a natureza, com sentido de solidariedade e compaixão. Isso nos levaria a protelar o nosso fim.
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Rumo à terceira extinção em massa? Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU