28 Fevereiro 2025
“O caso mais conhecido e também atestado historicamente é o de Celestino V, que, no final do século XIII, em 1294, renunciou ao papado com um documento no qual declarava que renunciava livre e espontaneamente à sua função, especificando também os motivos, a inadequação pessoal, o precário estado de saúde e o desejo de uma vida de eremita. Esse é então, de certa forma, o caso de estudo, ao qual se pode fazer referência”.
Com essas palavras Daniele Menozzi, professor emérito de história contemporânea na Normale de Pisa e um dos mais conceituados estudiosos da história da Igreja, explica o famoso precedente de Celestino V, o papa “da grande recusa”. Nestes dias em que se fala novamente sobre a possível renúncia do papa, a referência é quase obrigatória.
Menozzi explica também que, após a consolidação do papado, “afirma-se a tese de tal singularidade do serviço petrino de forma que a renúncia voluntária se torna possível somente no caso de haver um impedimento efetivo para o exercício da liderança da igreja”.
A entrevista é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 27-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que acontece em tempos mais próximos aos nossos...
Bem, a partir de Paulo VI, foi estabelecida a prática pela qual o papa escreve uma carta de renúncia assinada durante o exercício de seu serviço petrino. E a deixa para um de seus colaboradores de confiança que, na eventualidade de constatar justamente a impossibilidade de exercício da função de governo, tem o mandato de tornar essa carta de renúncia conhecida e pública. Então eu diria que todos os papas, desde Paulo VI em diante, tomaram essa providência. E o Papa Francisco também o disse explicitamente. E isso porque o caso mais recente, que é o de Bento XVI, de certa forma, propõe uma situação de vácuo normativo, de vazio canônico.
A renúncia de Ratzinger, portanto, deixa problemas em aberto.
Sim, porque Bento XVI renunciou, mas ao mesmo tempo não promoveu uma normativa para disciplinar o caso da renúncia. Ele o fez com a intenção de manter uma sua presença dentro da igreja; ele renunciou porque não conseguia mais governar, mas, ao mesmo tempo, essa escolha faz parte das contradições e ambiguidades do governo de Ratzinger que marcaram seu período de exercício da função papal.
Francisco, por sua vez, sempre afirmou que, enquanto sua saúde o sustentasse, não teria intenção de renunciar, e que, para regulamentar a instituição da renúncia e, portanto, a do papa emérito, era necessário acumular experiências para que a regulamentação pudesse ser equilibrada e não viesse a afetar a vida da igreja de forma traumática. Por outro lado, Bergoglio favoreceu, em vários aspectos, uma normalização do papado; ele tentou remover o que durante séculos, ao contrário, foi promovido: ou seja, uma aura sagrada em torno da figura do papa que, pouco a pouco, passou de vigário de Pedro a vigário de Cristo e, depois, até vigário de Deus na terra; o processo histórico da igreja levou a uma sacralização da figura do pontífice.
Com Francisco, iniciou-se um processo diferente: o papa ainda é um homem que, embora encarregado do serviço petrino, tem todas as suas limitações, todos os seus problemas, todas as suas dificuldades. E, portanto, é uma questão de acumular experiências, de ver como, nesse processo de dessacralização do papado, se apresentam casos que, com o tempo, terão de encontrar uma disciplina canônica adequada para permitir que a vida da igreja prossiga normalmente.
Também deve ser ressaltado que o papado e a igreja não necessariamente coincidem perfeitamente, independentemente de quem seja o papa.
A igreja segue em frente de qualquer forma, mesmo sem uma figura sagrada para guiá-la. A igreja é essencialmente o povo de Deus, portanto, o povo de Deus pode caminhar; é verdade que precisa de uma coordenação, mas, enquanto isso, há justamente um povo de Deus que caminha na história.
É a figura do papa que precisa encontrar uma configuração nessa nova situação que está se delineando; provavelmente o sucessor de Francisco terá todos os elementos para promover uma regulamentação que também seja capaz de disciplinar o caso do pontífice que não tem mais condições de exercer suas funções ou que não quer mais exercer suas funções ou que está fisicamente impedido. Acredito que é uma questão de deixar a história seguir seu curso e, a partir daí, extrair os elementos que possam ajudar a definir essa situação de transição em que nos encontramos.
Mas, em sua opinião, não pode acontecer que o próprio papa resista à ideia de deixar o cargo, que, em suma, não queira renunciar apesar de suas limitações físicas?
Sim, bem, também pode acontecer isso, sem dúvida aqui entramos no campo das avaliações de políticas eclesiásticas. Bento XVI renunciou não apenas porque não tinha mais condições, mas porque a linha que ele havia adotado acabou se revelando falha; havia feito do encontro com os lefebvrianos o ponto qualificador de seu governo. Diante disso, que era um fracasso retumbante da linha que ele havia estabelecido, se demitiu. Nesse sentido, não se deve esquecer que Francisco é um papa reformador. Ele promoveu uma série de reformas que estão em andamento, sendo a mais importante, obviamente, a transformação da igreja em sentido sinodal, o fato de o documento do Sínodo ter sido assumido pelo papa como parte de seu magistério é um ato fundamental, é a primeira vez que isso acontece desde que existem sínodos.
Ainda é um evento em curso que despertou resistências fortíssimas e de todos os tipos, portanto, também se pode entender que o papa, por assim dizer, tem o desejo de ver se esse processo que ele iniciou pode ou não chegar a um ponto mais avançado. E, no entanto, sempre há um limite; o papa entregou sua carta de renúncia, portanto, no caso de pessoas de sua confiança - porque certamente não será apenas uma pessoa, mas um grupo de pessoas – vierem a constatar que ele não está mais em condições e que não há esperança de que se recupere, a renúncia está pronta.
Não acredito que estejamos diante de uma situação dramática, provavelmente estamos diante de uma situação de avaliação pessoal. Francisco sempre disse que, apesar de tudo, ele ainda se sentia em boa saúde, lúcido, então se pode dizer que muita coisa depende disso. De qualquer forma, há esse ato depositado, a carta de renúncia, com a qual o papado contemporâneo, de alguma forma, substituiu a falta de uma norma, a falta da lei.