02 Dezembro 2024
Protestos violentos abalaram o país sul-africano de Moçambique após uma disputada eleição nacional em outubro. Irregularidades eleitorais e acusações de fraude levaram ao que ativistas de direitos humanos chamaram de opressão sancionada pelo Estado e violações dos direitos humanos. Até agora, mais de 40 pessoas morreram na violência pós-eleitoral.
A informação é de Russell Pollitt, SJ, publicada por America, 25-11-2024.
Os protestos começaram após a Comissão Nacional de Eleições anunciar que a Frente de Libertação de Moçambique, conhecida pela sigla Frelimo, havia novamente saído vitoriosa nas eleições nacionais de 9 de outubro. A Frelimo governa o país há 49 anos e frequentemente é acusada de fraude eleitoral. O seu candidato, Daniel Chapo, foi declarado vencedor em 24 de outubro.
Após a eleição, jovens foram às ruas em apoio ao candidato independente Venâncio Mondlane. Muitos moçambicanos estão exaustos com eleições manipuladas, corrupção e a pobreza generalizada no país. Grupos da sociedade civil e observadores ocidentais também destacaram que a eleição foi injusta e que seus resultados foram alterados.
O governo moçambicano também foi acusado de impor apagões na internet, impedindo os cidadãos de exercerem seus direitos à liberdade de expressão e acesso à informação após as eleições. Os bispos de Moçambique designaram 24 de novembro como Dia Nacional de Oração pela Paz e Reconciliação, após as mortes e ferimentos relacionados à crise eleitoral.
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Direitos Humanos em Moçambique e presidente da Rede de Defensores dos Direitos Humanos da África Austral, disse aos meios de comunicação sul-africanos que a capital do país, Maputo, "parece uma zona de guerra". Ele descreveu como militares e policiais fortemente armados impediram que manifestantes protestassem pacificamente contra o resultado eleitoral.
Nuvunga afirmou que os moçambicanos também estão desapontados com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a União Africana devido ao silêncio em relação à suposta fraude eleitoral. Ambas as organizações estiveram presentes como observadoras nas eleições, mas deixaram o país poucos dias após a votação. Ele destacou que havia alertas de que haveria violência pós-eleitoral devido à contestação dos resultados.
A SADC convocou uma cúpula extraordinária sobre Moçambique em 20 de novembro, em Harare, no Zimbábue, para abordar a crescente crise pós-eleitoral do país, mas Nuvunga duvida que novas conversas resultem em uma solução. Ele acredita que a Frelimo se mostrará relutante em aceitar uma recontagem ou abrir mão de seu controle sobre o processo.
Em nota, o Congresso Nacional Africano (CNA), partido governista da África do Sul, parabenizou a Frelimo pela vitória eleitoral e prometeu seu apoio incondicional poucos dias após a eleição. "Estendemos nossos melhores votos ao camarada Daniel Chapo, o primeiro candidato presidencial da Frelimo nascido após a independência de Moçambique... [representando] uma nova geração de liderança que carrega os valores do [líder da independência] Samora Machel. Sua liderança será crucial para continuar a avançar nos ganhos obtidos desde a independência e enfrentar os desafios que estão por vir".
A Conferência dos Bispos Católicos da África Austral enviou uma carta assinada por seu presidente, Dom Sithembele Sipuka, ao presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, Dom Inácio Saure, IMC. Na carta, Sipuka expressou o pesar dos bispos pelo endosso do governo sul-africano às eleições, apesar das "amplas reclamações".
Os bispos declararam: "Será difícil continuar reprimindo a vontade de um povo que deseja ser livre. Se o governo em exercício continuar nesse caminho, será impossível governar o país, e a vida se tornará ainda mais miserável".
"As eleições ocorreram em um contexto de grande descontentamento e uma forte demanda popular por fortalecimento do estado de direito e maior transparência na administração eleitoral," escreveu Sipuka. Ele ressaltou que isso destacou "as vozes do povo no terreno" e fortaleceu as suspeitas de que as queixas do povo moçambicano estavam sendo minimizadas pelo apoio da África do Sul aos resultados.
Em uma nota de 22 de outubro, os bispos moçambicanos alertaram sobre fraudes envolvendo práticas como preenchimento de urnas e manipulação de documentos oficiais. Eles enfatizaram que tais ações aprofundam a desconfiança nas instituições eleitorais. Em apoio à posição da Igreja moçambicana, os bispos da Conferência dos Bispos Católicos da África Austral destacaram a frase usada na declaração de 22 de outubro: "Certificar uma mentira é uma fraude". Para eles, o reconhecimento oficial dos resultados, sem uma investigação rigorosa das alegações de fraude, compromete a integridade de todo o processo eleitoral.
Devido à violência pós-eleitoral, a fronteira entre Moçambique e a vizinha África do Sul foi fechada por alguns dias. Mas mesmo o breve fechamento da fronteira teve um forte impacto nas economias de ambos os países. O Porto de Maputo, em Moçambique, recebe entre 1.200 e 1.300 caminhões diários vindos da África do Sul. Esses caminhões transportam minérios usados na produção industrial, incluindo cromo, ferrocromo, magnetita e carvão.
Os resultados eleitorais ainda não foram confirmados pelo Conselho Constitucional, nem os juízes do conselho definiram um prazo para analisar e declarar o processo válido. O processo pode se prolongar devido à sua complexidade. A fase de validação só começa após a conclusão de todos os recursos eleitorais, provavelmente nos níveis distrital, provincial e geral.
A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) foi fundada em 1962 como um partido socialista democrático. Em 1964, o partido iniciou uma campanha armada contra o domínio colonial português, que governava o país havia mais de 400 anos. Entre 1964 e 1974, a Frelimo travou uma longa guerra de independência, apoiada principalmente pela China, pela União Soviética e por algumas organizações não governamentais ocidentais. A Frelimo chegou ao poder em 1975, quando o país conquistou a independência de Portugal.
Após a independência, Moçambique enfrentou uma situação difícil. O país estava falido, e muitos trabalhadores qualificados haviam fugido devido à guerra. Um movimento contrarrevolucionário chamado Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) atacou a infraestrutura estatal. O movimento foi apoiado pelo regime de Ian Smith, na Rodésia (atual Zimbábue), que na época lutava contra as forças de independência para derrubar o domínio colonial britânico. Os confrontos entre a Frelimo e a Renamo escalaram, levando à guerra civil moçambicana entre 1977 e 1992.
Um tratado de paz foi assinado entre as duas partes em outubro de 1992. Quatro mediadores negociaram a paz: dois da Comunidade de Sant’Egidio, sediada em Roma (o fundador do movimento, Andrea Riccardi, auxiliado por Matteo Zuppi, atual arcebispo de Bolonha), um representante do governo italiano e um arcebispo moçambicano. O tratado é conhecido como o Acordo Geral de Paz de Roma.
Em 10 de novembro, o Papa Francisco, em seu discurso do Angelus, voltou seus pensamentos para as semanas de agitação civil em Moçambique. Ele pediu a todas as partes que se engajassem no diálogo e na negociação, sem poupar esforços para encontrar soluções justas para os desafios do país. Ele incentivou todos a rezarem pelo povo moçambicano e expressou esperança de que a situação atual não os leve a perder a fé no caminho da democracia, justiça e paz.
Infelizmente, eleições violentamente contestadas não são o único desafio enfrentado pelo país.
A província moçambicana mais ao norte, Cabo Delgado, sofre uma insurgência islâmica mortal desde 2017. Os insurgentes são motivados por uma percepção de exclusão socioeconômica em meio às descobertas de minerais e hidrocarbonetos na região. O conflito é considerado uma ameaça à segurança nacional e corre o risco de se tornar uma nova frente para o jihadismo global, já que combatentes islâmicos estrangeiros se uniram aos insurgentes de Cabo Delgado.
A violência extrema do chamado Estado Islâmico em Moçambique (EIMM), conhecido localmente como al-Shabab, forçou cerca de um milhão de pessoas a deixarem suas casas, matou aproximadamente 4 mil civis e prejudicou o crescimento econômico de uma província rica em gás e recursos naturais. Dezoito igrejas na província foram incendiadas pela insurgência. O bispo de Pemba, Dom António Juliasse, afirmou que os cristãos em Cabo Delgado vivem em estado de perseguição.
O ACNUR, agência de refugiados da ONU, relatou em janeiro de 2024 que mais de 582 mil pessoas haviam sido deslocadas pela violência em Cabo Delgado. Apenas cerca de 1/3 dos que buscaram refúgio em dezenas de campos provinciais recebe assistência humanitária básica.
As esperanças do povo moçambicano de que um novo presidente enfrentasse o terrorismo, que já matou mais de 5.600 pessoas em Cabo Delgado, foram relegadas a segundo plano. A violência pós-eleitoral e a instabilidade política tornam a população da região ainda mais vulnerável a novos ataques.
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Moçambique enfrenta dificuldades para lidar com a agitação pós-eleitoral e uma insurgência mortal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU