08 Mai 2024
"As instituições internacionais, a começar pela ONU, estão em dificuldades. Esse clima tem repercussões nas Igrejas, que muitas vezes não reagem ou as copiam. As fortes Igrejas anglicanas da Nigéria e Uganda romperam com os outros anglicanos favoráveis ao sacerdócio de mulheres e homossexuais declarados. A Igreja etíope, bastião da unidade do país, está dividida por várias crises: os ortodoxos do Tigré se separaram do patriarcado após a guerra com Adis Abeba", escreve Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 06-05-2024. A tradução de Luisa Rabolini.
Ontem foi celebrada a Páscoa nas Igrejas ortodoxas e orientais (armênios, coptas, siríacos, etíopes e outros).
Para o escritor russo Nikolai Gogol, os russos consideram a Páscoa como a “essência” de sua cultura. Putin participou na imponente Catedral de Cristo Salvador em Moscou, da liturgia pascoal celebrada pelo Patriarca Kyrill. A liturgia no Santo Sepulcro de Jerusalém é especial: da edícula do túmulo, o patriarca oferece aos fiéis a chama pascal, que é comunicada aos presentes, iluminando a igreja escura.
Para a Páscoa, o Oriente segue o calendário juliano, e não o gregoriano, introduzido no Ocidente em 1582. Várias vezes no século XX foi posto o problema ecumênico de uma data comum, mas surgiram grandes obstáculos. Tais questões envolvem a sensibilidade dos povos e se corre o risco não só de fortes discussões, mas de cismas. Não muito tempo atrás, o patriarca copta, o egípcio Tawadros, expressou-se a favor de uma data comum fixa, não móvel de acordo com o calendário. O Papa Francisco parece favorável a mudar a celebração católica para a data ortodoxa.
Contudo, não estamos em tempos ecumênicos. Em todo lugar esfriou o entusiasmo pela unidade cristã, forte na segunda metade do século XX e depois do Vaticano II. O diálogo teológico fez sérios progressos, mas ainda é parcial. Existem problemas teológicos, mas sobretudo de história e de mentalidade. O patriarca ortodoxo de Constantinopla, Atenágoras, falecido em 1972, que tanto trabalhou para o ecumenismo, compreendeu o incipiente processo de unificação do mundo: convidou os líderes cristãos a não chegarem divididos àquele encontro. Em vez disso, as Igrejas chegaram divididas à globalização, embora em melhores condições do que no passado.
O mundo global traz à tona muitas identidades nacionais, étnicas e religiosas. Basta pensar na Ucrânia.
Constantinopla reconheceu a autocefalia da ortodoxia ucraniana em 2019, despertando a ira de Moscou. A invasão russa da Ucrânia viu o apoio da Igreja russa a Putin no quadro tradicional da Santa Rússia. A Igreja Ucraniana defendeu a resistência, embora o governo de Kiev não parece muito interessado nas religiões. Além disso, existe na Ucrânia uma grande Igreja ortodoxa autônoma, mas ligada a Moscou, em sérias dificuldades com o governo de Kiev. O mundo ortodoxo se fragmentou sobre a questão ucraniana. A divisão era evidente desde 2016, quando a Igreja russa e outras três recusaram-se a participar do Concílio pan-ortodoxo de Creta.
As instituições internacionais, a começar pela ONU, estão em dificuldades. Esse clima tem repercussões nas Igrejas, que muitas vezes não reagem ou as copiam. As fortes Igrejas anglicanas da Nigéria e Uganda romperam com os outros anglicanos favoráveis ao sacerdócio de mulheres e homossexuais declarados. A Igreja etíope, bastião da unidade do país, está dividida por várias crises: os ortodoxos do Tigré se separaram do patriarcado após a guerra com Adis Abeba. Por fim, a Igreja católica também teve uma crise devido à reação negativa das Igrejas africanas a um recente documento do Vaticano que previa também a bênção de casais do mesmo sexo. A crise retornou com uma mediação entre Roma e o Cardeal Ambongo de Kinshasa, que criticou duramente a escolha romana por conteúdo e método.
Nacionalismos, etnicismos, culturas diferentes pesam sobre as Igrejas. As opiniões públicas cristãs, ontem sensíveis ao ecumenismo, agora o são menos. Diante do risco de conflito e de fragmentações, a coincidência – graças ao calendário – da data da Páscoa de 2025 entre Oriente e Ocidente parece ser uma oportunidade a não ser desperdiçada. Estamos certamente longe daquele 1978, em que o metropolita russo Nikodim, grande tecelão de relações com os papas, dizia ao jovem Kirill diante da Basílica de São Pedro: “No ano 2000 estaremos unidos com eles!”. Diante das guerras abertas e do risco de guerras mais amplas, não deveriam as Igrejas, como missão, pedir a unidade? O Vaticano II havia explicado a sua missão, retomando a antiga visão da Igreja, “sacramento de unidade do gênero humano”. Mas as prioridades de várias Igrejas hoje são outras.
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As igrejas e a difícil unidade. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU