02 Dezembro 2024
Enquanto o Papa Francisco anuncia a canonização de Carlo Acutis em abril, o Padre Clément Barré reflete sobre modelos de santidade para os jovens. Ele destaca o risco de que, ao confinar Carlo Acutis a esse papel, a Igreja possa, paradoxalmente, enfraquecer o alcance universal de seu testemunho.
"No fim das contas, Carlo se torna menos o santo padroeiro dos adolescentes e mais o padroeiro do que os adultos desejam que seus adolescentes sejam", escreve Clément Barré, em artigo publicado por La Croix International, 27-11-2024.
Clément Barré é um padre católico da Arquidiocese de Bordeaux, no sudoeste da França, e membro da equipe do Enfance Adolescence, o serviço diocesano para o Ministério da Infância e Juventude que visa promover encontros com Cristo, a Igreja e outros entre crianças e adolescentes.
Certamente, os elementos biográficos que alimentaram o sucesso da mídia do “influenciador de Deus” são convincentes: um adolescente de tênis e jeans, apaixonado por videogames, que criou sites sobre milagres eucarísticos. Mas ao focar muito nesses aspectos anedóticos, não estamos perdendo a profundidade espiritual de seu testemunho?
O cerne da mensagem de Carlo Acutis não é inerentemente juvenil: é seu amor radical pela Eucaristia, que ele chamou de “estrada para o céu”. Sua prática de comparecer à missa diária como um encontro transformador com Cristo, sua capacidade de misturar contemplação com ação, oração com engajamento no mundo digital — tudo isso fala a cada pessoa batizada, independentemente da idade ou era. A característica única de um santo é sua capacidade de falar a todas as pessoas em todos os momentos.
A tendência da igreja de promover “santos de Peter Pan” — figuras jovens idealizadas que morreram antes de enfrentar as complexidades da vida adulta — não é nova. Antes de Carlo Acutis, houve São Domingos Sávio e Santa Maria Goretti. Essas figuras revelam um fascínio eclesial por uma juventude eterna e fantasiada.
Essa promoção da devoção ao Beato Carlo vem mais de adultos (pais, ministros da juventude, padres) do que dos próprios jovens. Embora alegue ressoar com os jovens cristãos de hoje, o que é frequentemente destacado é a fantasia de um jovem perfeito: um adolescente bem-comportado, sem rebelião ou crises. No final das contas, Carlo se torna menos o santo padroeiro dos adolescentes e mais o padroeiro do que os adultos desejam que seus adolescentes sejam.
Beatificação do Beato Carlo Acutis em Assis, Itália, em 10 de outubro de 2020. (Foto: Junno Arocho Esteves).
Essa idealização pode ter um efeito desencorajador em jovens católicos. Como eles podem não se sentir sobrecarregados por esses modelos de perfeição precoce? O “frescor” e a “espontaneidade” da fé adolescente são valiosos, mas não podem ser o único horizonte espiritual oferecido aos jovens. A maturidade cristã também envolve navegar desertos, perseverar ao longo do tempo e aprofundar a fé por meio de provações. Os modelos de santidade para jovens devem permitir que eles visualizem o crescimento espiritual que se estende até a idade adulta, fortalecendo sua determinação de amadurecer e cumprir sua fé. Ao enfatizar a imitação — “alguém como você” — corremos o risco de negligenciar a dimensão verdadeiramente inspiradora da santidade. Os santos devem revelar o que aspiramos ser, não apenas refletir o que já somos.
Além disso, ao confinar Acutis ao papel de “santo para os jovens”, a igreja corre o risco de diminuir o escopo universal de seu testemunho. Sua maneira de viver o mistério eucarístico pode comover um adulto tanto quanto um adolescente, e sua abordagem à evangelização por meio de ferramentas digitais pode inspirar um idoso tanto quanto um jovem. Embora a segmentação baseada na idade atenda a preocupações pastorais compreensíveis, ela acaba empobrecendo a mensagem do Evangelho.
Isso também reflete a hesitação da igreja em permitir uma voz genuinamente jovem que fale a todos. Esse desafio surgiu no recente Sínodo, onde muitos jovens se sentiram ignorados. Sim, um jovem de 16 anos de tênis pode ensinar a toda a igreja sobre o amor pela Eucaristia, o zelo missionário e o serviço aos pobres. Sim, os jovens têm um lugar de direito na estrutura e governança da igreja, servindo a todos.
O Beato Carlo Acutis sem dúvida merece a canonização. Mas precisamos parar de reduzi-lo a um ícone adolescente que obscurece sua mensagem central: seu testemunho eucarístico radical, que transcende categorias de idade. E precisamos ter a coragem pastoral de apresentar aos jovens uma gama mais ampla de modelos de santidade, incluindo figuras que navegaram pelas complexidades da vida adulta, permanecendo fiéis ao ideal do Evangelho.
A verdadeira modernidade de Carlo Acutis não está em seus tênis ou console de jogos, mas em sua capacidade de tornar o coração da fé cristã acessível e desejável. Nisso, ele é um verdadeiro santo: um para o nosso tempo e para todos os tempos.
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Carlo Acutis: o fascínio eclesial por uma juventude fantasiada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU