18 Outubro 2024
"O Apóstolo é, portanto, um santo que se transforma em hierarca. Nós, no entanto, gostaríamos de buscar a verdadeira provocação do autor das Cartas Luteranas, a de questionar o nosso presente por meio do duplo perfil de Paulo, teólogo e pastor, no qual mente e coração se entrelaçam", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 13-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
São Paulo. Em seu novo livro, que antecipamos, Ravasi interroga o presente por meio do duplo perfil de teólogo e pastor e graças a um vasto mapa documental da vida que começou em Tarso e terminou em Roma: “Esboço de roteiro para um filme sobre São Paulo (sob forma de anotações para um diretor de produção [...] Roma, 22-28 de maio de 1968”. Foi assim que Pier Paolo Pasolini apresentou um projeto que ele retomaria em 1974 e que seria publicado postumamente em 1977, mas nunca realizado.
Gostaríamos de colocá-lo quase como um pano de fundo para o nosso itinerário no mundo pessoal e ideal do homem que foi definido o Apóstolo por excelência, porque é quase um convite para destacar Paulo de um mosaico de abside, das páginas hagiográficas ou de ensaios rigorosamente exegéticos para trazê-lo ao nosso presente secularizado. Portanto, reunimos em uma síntese essencial a substância do “esboço” do cineasta, com base em suas próprias palavras e lembrando que o tema havia sido solicitado por um padre, Emilio Cordero, diretor da San Paolo Film.
Paulo é posto na cena do turbulento 1967-1968, em um horizonte planetário que substituiu Roma como seu centro pelas novas capitais do imperialismo e do colonialismo moderno, Nova York e Washington. O coração religioso e intelectual não é mais Jerusalém, mas Paris. A Atenas de então é substituída pela Roma de hoje, com sua grande tradição histórica.
Por analogia, Antioquia deveria ser Londres, a capital de um império que precedeu a supremacia estadunidense, assim como o império macedônio-alexandrino precedeu o império romano. E a navegação paulina no Mediterrâneo é substituídas pelos voos intercontinentais sobre o Atlântico.
Passamos a voz diretamente para o cineasta que, quatro anos antes, havia levado às telas aquela obra-prima que é O Evangelho segundo Mateus (1964): “Paulo está aqui, hoje, entre nós. Ele demole revolucionariamente, com a simples força de sua mensagem religiosa, um tipo de sociedade fundada na violência de classe, no imperialismo, na escravidão [...]. O filme, no entanto, revelará a contraposição entre 'atualidade' e 'santidade': o mundo da história que tende, em seu excesso de presença e urgência, a escapar para o mistério, para a abstração, para o puro questionamento; e o mundo do divino que, em sua abstração religiosa, ao contrário, desce entre os homens, torna-se concreto e operativo”.
Pasolini, porém, justamente nessa entrada na concretude histórica da mensagem e da obra paulinas, paradoxalmente verá não a encarnação do divino, mas quase do satânico, porque por esse caminho será gerada a estrutura de poder da Igreja, que ofusca e comprime o vento do espírito evangélico. O Apóstolo é, portanto, um santo que se transforma em hierarca. Nós, no entanto, gostaríamos de buscar a verdadeira provocação do autor das Cartas Luteranas, a de questionar o nosso presente por meio do duplo perfil de Paulo, teólogo e pastor, no qual mente e coração se entrelaçam.
Um exegeta suíço, Daniel Marguerat, em 2023, após anos de pesquisa dedicada ao Apóstolo, publicou em Paris um retrato sugestivo intitulado Paul de Tarse. L'enfant terrible du christianisme (Paulo de Tarso, o enfant terrible do cristianismo), que também foi imediatamente traduzido para o italiano. O apóstolo efetivamente abalou o cristianismo nascente com a poderosa criatividade de seu pensamento e a passionalidade de sua ação.
Após a fácil (pelo menos aparentemente) composição da Biografia di Gesù. Secondo i Vangeli que propusemos em 2021, agora o percurso que estamos prestes a percorrer para oferecer aos leitores é árduo. Os próprios cristãos primitivos estavam cientes disso, como observava o autor da Segunda Carta de Pedro: “Nosso amado irmão Paulo escreveu a vocês, de acordo com a sabedoria que lhe foi dada, em todas as suas cartas [...]. Nelas há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (3,15-16).
Seu legado é confiado a um epistolário de treze cartas que, como veremos, em alguns casos podem ter brotado indiretamente de um eco de sua voz. O corpus é, no entanto, impressionante e as estatísticas atestam isso: ele, de fato, totaliza 32.303 palavras gregas (exceto algumas variantes) das 138.020 de todo o Novo Testamento e em relação às 64.327 dos Evangelhos. Varia das 7.094 palavras da Carta aos Romanos (para comparação, considere-se que o Evangelho de Marcos tem 11.229) até as 328 do “bilhete” endereçado ao amigo Filemon. O que é ainda mais impressionante é a infinita bibliografia que acompanhou essas palavras ao longo dos séculos, levando em conta também o fato de que Paulo é o protagonista da história da segunda parte dos Atos dos Apóstolos (cc. 16-28), a outra obra do evangelista Lucas.
São testemunhas disso as listas bibliográficas que anexaremos em nível geral e às várias Epístolas: são apenas as publicações em língua italiana recentes que lemos ou consultamos ao longo de vários anos. Elas podem gerar uma sensação de estranhamento, quase como se estivéssemos diante de um delta com mil ramificações de um único rio. Basta apenas um exemplo dessa experiência de leitura.
Um importante neotestamentarista dominicano dublinense, que viveu em Jerusalém, Jerome Murphy-O'Connor (1935-2013), publicou com a Oxford University Press, em 1996, a biografia Paul. A Critical Life: a versão italiana da Paideia em 2003, Vita di Paolo, tinha 472 páginas, das quais mais de trinta são de bibliografia. Assim, estamos diante de um grandioso mapa documental das etapas de uma vida que começou em Tarso e terminou em Roma, uma impressionante escavação histórico-crítica que parece desencorajar qualquer um que queira empreender uma nova pesquisa.
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O Apóstolo dos Gentios caminha ao nosso encontro. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU