22 Novembro 2023
"O tempo corre para Milei a partir de agora, depois da propaganda são necessários os fatos, e ter a igreja alinhada contra não é um bom negócio", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 21-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"O papa? Ele é o representante do maligno na terra”, “Francisco tem afinidade com os comunistas assassinos." Essas são algumas das acusações-injúrias lançadas pelo recém-eleito presidente da Argentina, Javier Milei, durante a campanha eleitoral, contra o Papa.
Por fim, um membro importante do seu partido propôs cortar relações diplomáticas com o Vaticano. Depois, in extremis, Milei afirmou que, se fosse eleito presidente, no caso de Bergoglio decidir visitar o seu país de origem, teria sido acolhido como convém a um chefe de Estado que é também o líder mundial da Igreja Católica.
Francisco, aliás, numa longa entrevista à agência de notícias argentina Telam, não se intimidou quando questionado sobre o que ele pensava dos políticos nacionalistas de extrema direita. Gosto da palavra “crise”, respondeu Francisco, porque indica um movimento, “as crises fazem crescer: quando uma pessoa, uma família, um país ou uma civilização está em crise, se for resolvida bem, a crise faz crescer".
“Uma das coisas que temos que ensinar aos jovens”, acrescentou, “é como gerir as crises, porque isso traz maturidade. Todos nós fomos jovens sem experiência e, às vezes, os jovens se apegam aos milagres, aos messias, às coisas que se resolvem de forma messiânica. O Messias foi apenas aquele que salvou a todos nós. Os outros são todos palhaços messiânicos."
Um pouco mais adiante, observava ainda: “Tenho muito medo dos flautistas mágicos porque são fascinantes. Se fossem serpentes eu os deixaria, mas são encantadores... e acabam afogando as pessoas. Pessoas que acreditam em poder sair da crise dançando ao som da flauta, com redentores feitos da noite para o dia. Não. A crise deve ser enfrentada e superada, mas sempre para cima.”
Mesmo não mencionado explicitamente, a referência ao que estava acontecendo na campanha eleitoral argentina com a afirmação do candidato da ultradireita ficou evidente. Agora, está em jogo a possível viagem que Francisco gostaria de fazer ao seu país de origem em 2024; desde que foi eleito bispo de Roma, de fato, Bergoglio nunca mais pisou na Argentina.
E um dos motivos que motivaram tal relutância era justamente o de não querer influir sobre os processos eleitorais do seu país, bem como o receio de que a sua possível visita fosse explorada por alguém. No entanto, a situação tomou um rumo inesperado: na Casa Rosada está sentado um homem que parece ser a própria negação da doutrina social da Igreja e, em muitos casos, dos fundamentos cristãos (basta pensar na proposta de legalização do mercado dos órgãos para os transplantes, uma prática hoje proibida). Ainda na entrevista ao jornal argentino, o Papa disse a esse respeito: “Às vezes, quando ouvem as coisas que escrevi nas encíclicas sociais, dizem que o papa é comunista. Não é assim. O papa pega o Evangelho e diz o que o Evangelho diz. Já no Antigo Testamento a lei judaica previa o cuidado da viúva, do órfão e do estrangeiro."
Nem está claro se Milei vai querer ir ao Vaticano para se encontrar com seu famoso compatriota que continua a desfrutar de grande popularidade mesmo em seu país. Por outro lado, se a vitória do candidato mais incendiário se deve sobretudo à profundidade da crise econômica, com o aumento da pobreza generalizada e a inflação recorde no país sul-americano, o tempo corre para Milei a partir de agora, depois da propaganda são necessários os fatos, e ter a igreja alinhada contra não é um bom negócio.
Os bispos argentinos, por sua vez, convidaram Bergoglio nas últimas semanas para visitar o país. “Assim, unimo-nos ao sentimento do nosso povo que deseja encontrar o seu Pastor”, escreveram numa carta aberta a Francisco.
“Sua proximidade e sua bênção”, acrescentaram, “farão muito bem a todos nós nestes tempos difíceis. Confiando na possibilidade de que tome em consideração essa visita ao país, confiamos-lhe a Nossa Senhora de Luján, padroeira da Argentina." Quem sabe, a essa altura, se o idoso pontífice aceitará mais esse desafio indo pessoalmente à sua Buenos Aires, ou se preferirá continuar acompanhando de longe a situação argentina.
Certamente, a batalha de Milei não é a primeira batalha enfrentada pelo Papa contra líderes que são a expressão de um nacionalismo exasperado que quer questionar os próprios fundamentos do bem comum, o que resta do estado social e da solidariedade como valor chave da vida coletiva, para afirmar – pelo contrário – os princípios de um ultraliberalismo selvagem, construído sobre o medo e o identitarismo nacionalista.
Já aconteceu com o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e com o ex-chefe da Casa Branca, Donald Trump. Ambos atacaram Francisco de frente, mais ou menos como Milei fez e, é preciso dizer, não deu certo para eles. Desta vez, porém, o jogo é particularmente dramático, já que está em jogo a Argentina, a pátria do papa.
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Eleições na Argentina, o desafio entre o papa dos últimos e o turbocapitalista. Artigo de Francesco Peloso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU