10 Novembro 2023
A vitória de Milei nas primárias foi um voto de advertência ao governo argentino; sua derrota no primeiro turno foi uma recusa às suas propostas liberais.
A opinião é de Taroa Zúñiga Silva, em artigo produzido por Globetrotter, e enviado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
Taroa Zúñiga Silva é uma escritora associada e coordenadora de mídia em espanhol da Globetrotter. Ela é co-editora, com Giordana García Sojo, do livro Venezuela, Vórtice de la Guerra del Siglo XXI (2020). Ela faz parte do comitê coordenador do Argos: Observatorio Internacional de Migraciones y Derechos Humanos. Ela também faz parte da Mecha Cooperativa, um projeto do Ejército Comunicacional de Liberación.
Poucos dias antes das eleições de 22 de outubro na Argentina, quase 90% das pesquisas indicavam que o vencedor seria Javier Milei, o candidato “insano” da direita – como descreveu Estela de Carlotto, presidente do lendário grupo de direitos humanos Abuelas de Plaza Mayo (Avós da Praça de Maio). No final, Sergio Massa (da coalizão Unión por la Patria - UP) venceu Milei por uma diferença de quase sete por cento. Massa e Milei se enfrentarão no dia 19 de novembro num segundo turno para a presidência do país que é a segunda maior economia da América do Sul.
No dia 13 de agosto, Milei havia vencido todos os outros candidatos nas eleições primárias da Argentina. Nos meses entre essa eleição e a de outubro, Massa – que é o ministro da Economia do atual governo – somou três milhões de votos à sua contagem. Georgina Orellano, secretária-geral nacional da AMMAR (Asociación de Mujeres Meretrices de Argentina) relatou como este fenômeno foi vivido em Constitución, a zona de Buenos Aires onde se situa a sede principal da sua organização. As trabalhadoras do sexo organizaram-se para monitorar ambos os processos eleitorais nas zonas eleitorais em que votariam. “Nas PASO [eleições primárias]”, disse-me, “o resultado preocupante foi que a coalizão da UP ficou em terceiro lugar e o Milei em primeiro”. No entanto, desta vez, “ganhamos em quase todas as escolas do bairro Constitución”. De fato, “em todas as zonas de votação onde as trabalhadoras do sexo supervisionaram as eleições, Massa ganhou”.
A prática e a teoria Elsa Yanaje, diretora de marketing do Instituto Nacional de Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena e membro da Federación Rural para la Producción y el Arraigo (Federação Rural para a Produção e o Plantio), considera que o resultado das PASO (eleições primárias) está ligado a dois fatores: por um lado, o sucesso de comunicação de Milei, por ser o único candidato que refletia a raiva ou o cansaço subjacente à situação econômica do país. “Tratava-se de dizer o que não é dito”, disse Yanaje. Ou seja, “o que um cidadão revoltado com a gestão [do governo central] poderia pensar”.
Yanaje disse que nas PASO foi dado um voto de advertência (mais do que de punição) ao atual governo. Um voto que levantou a questão: “Que tipo de metodologia vocês vão usar para reverter a situação ou garantir de alguma forma alguns serviços básicos?” A Argentina enfrenta atualmente uma forte contração econômica e altas taxas de inflação, que afetaram especialmente “aqueles que já estavam abaixo da linha da pobreza”, diz Yanaje.
Neste contexto, as propostas de Milei “eram de certa forma encantadoras”, mas na prática, acrescenta Yanaje, “sabíamos que [eram] difíceis de manter”. Entre as duas opções, explica a dirigente, “o que se inverteu [com os novos resultados eleitorais foi]... uma decisão entre o prático e o teórico”. O teórico “era o que Milei prometia com a sua proposta de dolarização, privatização, etc.”. Quando essas promessas foram analisadas pelas comunidades, tornou-se evidente que eram impossíveis de se executar. Esse exercício de análise, reflexão e debate foi o que levou as pessoas a votarem na opção prática: o candidato que estava ligado aos setores populares era Massa, com propostas mais igualitárias e que agradavam a mais setores da população.
Por outro lado, Orellano considera que os resultados eleitorais de 22 de outubro também refletem uma rejeição popular às propostas de Milei de “cortar direitos”. “Muitos de nós nascemos com o direito básico à saúde pública, à educação pública e não podemos conceber viver sem eles”, disse Orellano. Durante as últimas semanas de campanha, Milei advogou contra estes direitos fundamentais, incluindo os subsídios estatais aos transportes públicos. “Ficamos sabendo que, se o subsídio for retirado”, disse-me Orellano, “nós, trabalhadores, poderíamos deixar de pagar 70 pesos para pagar mais de 1.000”. Este tipo de dado gerou uma conscientização que se refletiu nos recentes resultados eleitorais.
O segundo turno das eleições na Argentina será realizado em 19 de novembro. Milei, em suas primeiras declarações após as últimas eleições, disse que o seu objetivo é “acabar com o kirchnerismo”. Para Orellano, esta convocação busca reunir os votos do Juntos por el Cambio, a coligação de extrema-direita cuja candidata, Patricia Bullrich, ficou em terceiro lugar nas eleições. A campanha de Milei, explica Orellano, foi construída contra o kirchnerismo e “contra a classe trabalhadora e os sindicalistas”.
Tanto Orellano como Yanaje estão orgulhosas do trabalho político realizado durante estas eleições. No setor da agricultura familiar, camponesa e indígena, do qual Yanaje faz parte, não há campanha política, por respeito à diversidade de pensamento das pessoas que o compõem. No entanto, o debate constante, a análise coletiva e a organização dão frutos. “Houve uma reflexão sobre o que estava para vir”, conta. “Estamos definindo o rumo do país, então tínhamos que nos manter firmes. Houve muita militância”.
Para as mulheres da AMMAR, a campanha foi realizada nos bairros, dialogando com todas as pessoas da vizinhança. “Para o segundo turno, vamos estar ativas em todas as províncias onde estamos organizadas”, diz Orellano. Planejam aumentar o número de observadores eleitorais nas escolas dos municípios onde a AMMAR está presente. As trabalhadoras do sexo estão conscientes do que está em jogo com estas duas propostas antagônicas para o país. “Sabemos o que representa esse discurso negacionista, fascista, violento, xenófobo, racista, contra a diversidade, contra as mulheres, contra o feminismo, contra as conquistas da classe trabalhadora”, diz Orellano. “Por isso, nós, profissionais do sexo, vamos fazer de tudo para que o próximo presidente da Argentina seja Sergio Massa”.
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Eleições na Argentina: a perspectiva da classe trabalhadora. Artigo de Taroa Zúñiga Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU