11 Novembro 2023
"Após o pacto entre Mauricio Macri e Javier Milei, a rebeldia da direita, expressa na rejeição deste último à 'casta' política e em seu apelo para 'que todos saiam', transformou-se em uma espécie de macrismo 2.0 refletido no slogan 'Kirchnerismo ou liberdade'", escreve Pablo Stefanoni, jornalista e historiador, em artigo publicado por Nueva Sociedad, novembro de 2023.
A ultrapassagem de Javier Milei sobre a aliança de centro-direita Juntos por el Cambio (JxC) moveu as placas tectônicas do bloco não (ou anti) peronista da política argentina. Poucas horas depois de Milei avançar para o segundo turno, tanto a candidata da JxC, Patricia Bullrich, quanto o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) saíram em apoio ao libertário, buscando canalizar os votos de Bullrich no primeiro turno (quase 24%) para a cédula de La Libertad Avanza (LLA) e derrotar o peronista Sergio Massa em 19 de novembro. O apoio não consultado de Macri a Milei, alinhado com a extrema direita internacional (Vox, Jair Bolsonaro, Donald Trump), deixou a JxC diante de uma ruptura de fato. Grande parte do principal parceiro do macrismo, a centenária União Cívica Radical (UCR), se recusa a dar esse apoio, assim como o setor liderado pelo prefeito cessante da cidade de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Vários de seus líderes optaram pelo voto em branco e outros diretamente por votar em Massa.
O novo patrocínio de Macri a Milei, um candidato completamente carente de estruturas e equipes, busca assumir o governo e, assim, ganhar politicamente o que seu espaço não conquistou nas urnas. Ao mesmo tempo, com essa jogada, Macri arrisca seu próprio capital político em uma aventura incerta: um governo de Milei, se este chegar à Presidência, seria uma espécie de salto no desconhecido.
A própria imagem usada por Macri para apoiá-lo não foi exatamente tranquilizadora: "Você está indo a 100 km/h, vai bater contra um muro e sabe que vai morrer. Então, você pula do carro, vai sobreviver? Eu não sei, mas pelo menos tem uma chance". O muro, para Macri, é Massa; pular do carro é Milei. E à luz das pesquisas, que preveem um resultado muito parelho com uma leve vantagem para Milei, a maioria dos eleitores que votaram em Bullrich em 22 de outubro decidiu adotar a analogia e pular do carro. O "pacto de Acassuso", selado na casa de Macri, que jogou em casa, parece estar funcionando. Em todo caso, ninguém ficou surpreso: após sua saída do governo, Macri se autocriticou por ter sido muito "gradualista" (moderado) e deu uma guinada decidida para a direita. Como em outras regiões, podemos ver convergências entre extrema-direita – com dificuldades para obter vitórias eleitorais amplas – e setores das direitas convencionais.
Mas esse acordo transformou o próprio projeto de Milei. A "rebeldia de direita" – expressa em sua rejeição à "casta" política e seu apelo para "que todos saiam" – mudou para uma espécie de macrismo 2.0 expresso no slogan "Kirchnerismo ou liberdade". Do discurso anticasta, passou-se assim ao discurso utilizado na campanha de Bullrich, que pediu o fim "para sempre" do kirchnerismo. Ao mesmo tempo, Milei busca se afastar de suas posições mais radicais – mercado de órgãos, armas livres e outras veleidades anarcocapitalistas –, embora insista em que fechará o Banco Central, o qual propôs várias vezes dinamitar.
Milei importou para a Argentina o paleolibertarismo estadunidense de Murray Rothbard, mas a adaptação ao ecossistema local não tem sido fácil. Rothbard propôs, no final de sua vida, uma aliança dos libertários com a "velha direita" estadunidense, incluindo grupos supremacistas brancos em oposição ao poder federal. A esse casamento ele denominou paleolibertarismo. O libertário nova-iorquino considerava que o Partido Libertário, que ele mesmo ajudou a fundar, havia se tornado um berçário de hippies antiautoridade. Rothbard não se opunha à autoridade em si, mas à autoridade do Estado. Em sua fase paleo, chegou a promover alianças com a direita religiosa, com base na autonomia de cada Estado ou comunidade – embora ele fosse a favor do direito ao aborto, afirmava que cada governo local tinha o direito de autorizá-lo ou proibi-lo e que, com base nessa "autonomia" em relação a qualquer aspecto da vida social, os libertários poderiam ampliar suas alianças (se uma comunidade não quisesse negros, por exemplo, também tinha o direito de segregá-los).
Seu artigo "Populismo de direita: uma estratégia para o movimento paleo", de 1992, foi bastante profético. Rothbard percebeu precocemente a rebelião das bases do Partido Republicano, que resultaria primeiro no Tea Party e depois no trumpismo.
Em um país sem as tradições de "autonomia de direita" existentes nos Estados Unidos – onde diversos grupos anti-Washington, muitas vezes armados, proliferam – Milei combinou a Escola Austríaca em sua versão mais radical (a anarcocapitalista) com elementos das direitas alternativas globais, geralmente de forma pouco digerida.
O economista então formou uma aliança entre o libertarianismo de direita e o nacionalismo reacionário, personificado em Victoria Villarruel. A candidata a vice-presidente mantém vínculos com ex-militares próximos à ditadura e com grupos católicos de ultradireita. Ao mesmo tempo, ela se apresenta como uma "garota conservadora" admiradora da italiana Giorgia Meloni, com um discurso bem articulado e um desempenho muito bom como polemista. Ativista da "memória completa" sobre os anos 70, ela repete o discurso, já ensaiado pelos repressores, de que houve excessos e não um plano sistemático de terrorismo de Estado, como já decidiu a justiça argentina. Enquanto Milei, como rothbardiano, deveria estar contra, ela propõe o retorno do serviço militar obrigatório e o aumento do orçamento militar. Trata-se de uma aliança ideologicamente instável, mas coerente com as atuais hibridações na extrema direita. Um dos enviados do partido ultraespanhol Vox, de matriz nacional católica e pós-franquista, Hermann Tertsch, esclareceu em Buenos Aires, para onde viajou para apoiar Milei, que, embora Vox não seja libertário, tem suficientes coincidências com o argentino para torná-lo parte de seu frente internacional antiprogressista.
Milei tem uma visão sobre a democracia que retoma conceitos dos libertários decepcionados do Vale do Silício. Por exemplo, os chamados neorreacionários promovem diretamente a separação da liberdade da democracia. Não é por acaso que Milei fala o tempo todo sobre liberdade, mas nunca sobre democracia. Também não considera que o Estado democrático seja um "pedófilo em um jardim de infância", enquanto o Estado ditatorial dos anos 70, que literalmente matou e violou, teria cometido apenas excessos. Como lembrou recentemente Enzo Traverso em relação a outra questão, a democracia não é apenas um sistema de disposições institucionais, mas também uma cultura, uma memória e um conjunto de experiências. Milei – e mais ainda Villarruel – são alheios à cultura, à memória e ao conjunto de experiências que – não sem problemas – foram marcando a transição democrática argentina, justo quando se comemora o 40º aniversário.
O problema de Milei é que seu anarcocapitalismo paleo, embora conecte com algumas sensibilidades do presente, como visto em sua base de jovens, mesmo de setores populares, ainda é em grande parte uma "ideia fora de lugar", mesmo em seu próprio partido. A sociedade argentina, apesar de seu momento inconformista, combina o voto pelo libertário com a vigência de uma forte legitimidade de reformas mais ou menos recentes, como o casamento igualitário ou a legalização do aborto. Também há um consenso em relação à saúde e à educação públicas, apesar de seu forte deterioro. O movimento de mulheres é hoje muito dinâmico e já sabemos que em vários países esse foi um dos principais diques de contenção contra as direitas reacionárias e suas "guerras culturais" (Brasil, Polônia).
A própria construção política de Milei é bastante caótica – cheia de microempreendimentos políticos locais, oportunistas e libertários de última hora –, com vários parlamentares eleitos ameaçando abandonar o espaço, o que poderia antecipar uma debandada se Milei perder o segundo turno. E um cenário inédito de incerteza se ele vencer.
A vantagem de Milei, rumo a 19 de novembro, é que ele já amortizou a divulgação de vídeos – geralmente anteriores à sua candidatura – com posições extravagantes para um candidato presidencial, como quando dizia que entre o Estado e a máfia preferia a máfia, insultava o papa Francisco por ser a favor da justiça social ou manifestava que seu herói era Al Capone. Hoje, sua estratégia, até onde pode alcançar, é se mostrar tranquilo e colocar a "violência" do lado do kirchnerismo e de Massa, um candidato centrista e pragmático que carrega o peso de ser ministro da Economia de um país com 140% de inflação anual, e também com o de sua aliança com Cristina Fernández de Kirchner, que, apesar de manter uma popularidade considerável, gera rejeições tão apaixonadas quanto seus apoios.
Milei pode ser um candidato, e eventualmente, um presidente "normal"? O estado psíquico do candidato e a excentricidade de suas próprias ideias acendem alarmes, mas alimentam, ao mesmo tempo, certo morbo social de que no final tudo exploda de alguma forma, como uma compensação, se não material, pelo menos psicológica, diante do estado de crise crônica em que o país se encontra. Uma espécie de bungee jumping político.
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As mutações da direita argentina. Artigo de Pablo Stefanoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU