26 Fevereiro 2022
Os ataques da Rússia à Ucrânia abrem vários cenários e nenhum positivo: “temos uma guerra em solo europeu”.
A reportagem é de Marina Velasco, publicada por HuffPost, 25-02-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Na última madrugada, o presidente russo Vladimir Putin apertou o botão da guerra na Ucrânia. Os rumores soavam há semanas, com claras advertências dos Estados Unidos e Reino Unido, entre outros, porém nesta quinta-feira as explosões pegaram uma população desarmada, retórica e literalmente. A Ucrânia foi atacada em diferentes pontos do seu território, muito além das províncias orientais controladas por rebeldes pró-Rússia onde se temia o pior.
Duzentos mil soldados russos estão já em território ucraniano e, apesar de algumas informações ainda confusas, Kiev já informou de pelo menos 137 mortos e dezenas de feridos durante a primeira jornada de intervenção militar russa ao país. Os ucranianos trataram de fugir desesperados, com razão, a zonas mais seguras, porém o país está colapsado, com rodovias lotadas de carros e o espaço aéreo fechado.
Declarações de líderes ocidentais se sucederam na quinta-feira para condenar os ataques de Putin. O futuro desta crise não está escrito, mas os especialistas adiantam que as consequências serão “muito graves”, primeiro para a Ucrânia, depois para o resto do mundo.
“A situação é super, super, super alarmante para o mundo”, diz Ana Sofía Cardenal, professora de Ciência Política da Universidade Aberta da Catalunha – UOC. “O que está acontecendo é realmente muito, muito sério, vai causar uma reconfiguração muito importante da segurança na Europa”, diz ela. Dentro das fronteiras ucranianas, as consequências serão devastadoras, mas fora delas também serão sentidas: “Isso terá um impacto nas economias, a inflação aumentará, os preços do petróleo dispararão, o turismo será afetado... Nos enfraquece em um momento em que já estamos fracos”, alerta Cardenal.
A especialista explica que, até esta noite, dois cenários possíveis foram tratados pela Rússia: que o ataque seja “muito limitado” e deixe a porta aberta para os canais diplomáticos ou que as forças de Putin “lançam um ataque maciço, em todo o governante”. Neste ponto parece claro que, finalmente, o segundo cenário foi cumprido. E o resultado é que “temos uma guerra em solo europeu, é uma coisa muito séria que nos faz recuar cem anos atrás”, adverte Cardenal.
Frederic Mertens, professor de Relações Internacionais da Universidade Europeia, reconhece que esse tipo de ataque o pegou, de alguma forma, “de surpresa”. “Até hoje eu pensava que a intervenção seria no Donbass, as pessoas não imaginavam que haveria ataques em cidades localizadas na zona oeste”, explica. “Com essa escalada, a questão é o que Putin pretende fazer: uma invasão total do país; alguns ataques para reafirmar sua força e mostrar ao Ocidente do que é capaz; ou enviar uma mensagem nuclear muito, muito, muito perigosa”, ele lista. Mertens pensa, por exemplo, na “ideia de que possam instalar mísseis nucleares na Bielorrússia”, com os quais Putin não estaria enviando “uma mensagem à Ucrânia, mas claramente a todo o Ocidente”, diz.
Miquel Pellicer, jornalista e diretor de Comunicação Digital da UOC, também explica a origem do conflito devido ao desejo imperialista e geopolítico da Rússia. “Parecia que ultimamente só se falava nos Estados Unidos e na China, e a Rússia também quer ter seu papel no mundo”, diz. O desafio seria, assim, pela “hegemonia mundial”, numa clara rivalidade Rússia-Estados Unidos.
A questão é que a Rússia já puxou o gatilho. E agora o quê? O Ocidente está anunciando sanções econômicas contra a direita e a esquerda da Rússia, os Estados Unidos não descartam reagir com ataques cibernéticos de acordo com alguns meios de comunicação, e o Reino Unido propõe uma resposta “eventualmente militar”.
No entanto, diz Ana Sofía Cardenal, “competimos em condições desiguais”. “As democracias não fazem guerras, porque têm opiniões públicas que não querem guerras, e seus líderes são constrangidos por isso”, diz ela. O problema de usar o “soft power” é “enfrentar um oponente que joga de acordo com outras regras”, complementa. “É difícil saber responder”, reconhece a professora.
“A Ucrânia hoje não é um país da OTAN e, portanto, não haverá intervenção militar. Os dirigentes da Europa e dos Estados Unidos já o disseram: não vão mexer um dedo na questão militar”, sublinha Cardenal. Assim, a “gama de opções” com que esses países lidam é reduzida a pouco mais que sanções econômicas, “de menos a mais forte”.
Cardenal explica que os poderes estão considerando bloquear os códigos SWIFT dos bancos e bloquear o sistema financeiro russo, bem como a possibilidade de sancionar pessoalmente Vladimir Putin. No entanto, alerta a especialista, “se Putin se envolveu em uma operação dessa magnitude, ele terá feito seus cálculos para poder sustentar e financiar essa intervenção”.
Os ataques russos desta manhã não foram de forma alguma improvisados. “Putin calculou as consequências, ele não é tolo e se preparou para essa intervenção. Sabemos que tem reservas de ouro, eles sabem que podem atingir seus objetivos, se não totalmente, pelo menos parcialmente”, indica Cardenal.
Muito a seu pesar, a especialista política sustenta que neste momento “temos que ser pessimistas” a curto e médio prazo. “Putin já colocou toda a carne na brasa. Se fosse para obter concessões do Ocidente, eu teria feito diferente”, diz Cardenal. “Dada a escala do ataque, hoje a via diplomática é muito difícil, é difícil que isso seja reversível agora”, diz ela.
Para Frederic Mertens, a principal incógnita agora é a China e a extensão de seu apoio às forças de Putin. “Digamos que seja 80% com a Rússia”, estima. Mas se a China decidir aderir 100% ao propósito russo, “devemos temê-los”, alerta o especialista em Relações Internacionais. “Estamos em uma situação mais complexa do que na época da Guerra Fria, quando tínhamos os Estados Unidos de um lado e a União Soviética do outro. À época, a China era uma potência média; hoje é a segunda ou terceira potência do mundo”, aponta.
À questão de saber se e como este conflito pode agora ser interrompido, Mertens responde claramente – e com pouca esperança: “Quem tem as cartas na mão é Putin”.
Miquel Pellicer, por sua vez, prefere não fechar ainda a porta à diplomacia: “Vale a pena considerar até onde vai a aposta, mas o último recurso ainda é a diplomacia”, diz. Além dos ataques militares, o jornalista está preocupado com o quão bem Putin sabe se movimentar nos campos da “desinformação, propaganda política e segurança cibernética”, e qual o papel que isso pode ter na chamada guerra híbrida. Também alude a algo que ficou claro esta noite: a fuga em massa de ucranianos que tentam buscar refúgio fora de suas fronteiras, e que as estimativas da ONU podem chegar a cinco milhões de pessoas deslocadas se o conflito se intensificar. “Haverá uma clara crise migratória”, alerta Pellicer.
Assim, “os países bálticos estão tremendo”, diz Frederic Mertens, “por causa da pressão sobre suas fronteiras pelas forças armadas russas e por causa da futura onda de refugiados”, ele abunda.
O especialista não se atreve a dizer quanto tempo os próprios ataques russos podem durar. “O problema está, sobretudo, nas áreas já ocupadas pelas tropas – no norte da Ucrânia, no sul (Crimeia) e no leste (com os separatistas) – onde podem ocorrer massacres e acertos de contas mais facilmente”, alerta.
Ana Sofía Cardenal também não saberia limitar o conflito com datas, mas responde com um eloquente “uf…!” à pergunta. “Já há 200 mil homens lá dentro, então não é uma questão de um ou dois dias, ou buscar uma resposta diplomática”, assegura. Para a especialista, o objetivo russo não é outro senão “desestabilizar a Ucrânia e devolvê-la à órbita da influência russa”.
Com esse cenário, Cardenal prevê que o conflito “vai se arrastar”. “Vendo o alcance com que a intervenção começou, acho que o canal diplomático está fechado por Putin”, diz ela. E o que espera a Ucrânia? Levando em conta que o poder militar do país não pode ser comparado ao dos russos, seu futuro parece sombrio. “Isso pode acabar com a Ucrânia”, adverte Cardenal. “Acabará como o rosário da aurora”.
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“É preciso ser pessimista”. A invasão russa gera um panorama “gravíssimo” para o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU