22 Mai 2020
"Essa é precisamente a razão pela qual a reabertura de igrejas ao culto de maneira alguma - mesmo que isso corresponda ao desejo de alguns – poderá sinalizar o simples retorno às "práticas de antes", à sagrada Tradição! O choque foi forte demais. As experiências vividas muito carregadas de questionamentos".
A análise é do jornalista francês René Poujol, jornalista francês, ex-chefe de redação da revista Pèlerin e de várias outras publicações do grupo editorial Bayard, em artigo publicado por seu blog, 02-05-2020. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.
Reabrir o mais rápido possível as igrejas para o culto é também esconjurar uma possível nova hemorragia dos fiéis.
Em 26 de abril, em seu perfil no Facebook, o filósofo Denis Moreau, cujo livro "Comment peut-on être catholique?" [1] publicado em 2018, eu tinha avaliado favoravelmente, publicou uma estranha confissão[2]. Cito: “Desde o início do confinamento, como um simples fiel como sou, não posso mais assistir à missa dominical, como qualquer outra pessoa. Nunca perdi uma missa dominical por mais de 30 anos. Mas, honestamente, tenho que admitir que não sinto tanta falta assim de não poder assistir à missa presencialmente e fazer a comunhão". Sejamos honestos: ele continua dizendo que, para o futuro, precisa aprender "a desejar e amar um pouco mais a missa dominical". Mas ele fala isso para melhor ressaltar o quanto essencial lhe parece que a Igreja saiba tirar todas as consequências daquilo que muitos católicos estão vivendo durante essas semanas de confinamento. Pessoalmente, acho que nessa admissão exista uma das razões para o desconforto de muitos padres e bispos e uma das explicações de sua pressa em querer voltar rapidamente ao culto público. Antes que muitos fiéis se deixem conquistar pela ideia de possíveis alternativas espirituais ... Evitemos imediatamente qualquer mal-entendido. Reconheço plenamente que um jejum eucarístico prolongado de quase três meses tenha representado um sofrimento profundo e sincero para muitos católicos, assim como para seus padres, alguns dos quais se expressaram coletivamente para uma rápida retomada dos cultos. Não contesto nem relativizo o lugar central da Eucaristia como "fonte e cume" da vida cristã. Também observo que, na longa história da Igreja, sua "prática" teve frequências extremamente diferentes e nunca constituiu o todo da vida espiritual dos batizados. A obrigação da missa dominical é um mandamento da Igreja, não um mandamento divino! E como não ouvir aqui o alarme do grande teólogo Bernard Sesboué? "Não há nada mais triste do que constatar que uma norma eclesial foi julgada caduca por um grande número de fiéis que, embora afirmando serem católicos praticantes, retomaram sua liberdade sobre ela"[3].
A missa dominical é para muitos a experiência do tédio. A diminuição - para não dizer a queda - da prática em relação à missa dominical em nosso país, não precisa mais ser demonstrada. Fico impressionado com o número de jovens católicos, que embora tenham fé, reconhecem, em particular, que se sentem entediados na missa e às vezes a frequentam apenas por obrigação. Por quanto tempo ainda farão isso? Eles validam, nesse ponto, a análise desenvolvida sobre o tema por Jean-Louis Schlegel na revista Etudes de outubro de 2019. O que, além disso, confere uma importância singular a essa reflexão de Eugène Drewermann (de 1992): “Todo culto que ele precisa de explicações porque não é espontaneamente entendido, é afetado por envelhecimento e está destinado a morrer”[4]. Difícil! No entanto, quantos padres e responsáveis diocesanos se deparam hoje com a banal realidade do fato de que muitos fiéis não entendem o que constitui a liturgia eucarística. "Por que, então, continuamos a falar como se fôssemos entendidos e ouvidos?", perguntava o jesuíta Luc Pareydt com uma afirmação que também poderia ser válida para o culto[5]. Ao fazer uma comparação, muitos hoje se perguntam se essa não seria uma das chaves para entender o sucesso das assembleias de outras comunidades cristãs.
As semanas de confinamento que vivemos foram marcadas, para muitos católicos, por um florescimento de práticas espirituais, algumas vezes novas em suas vidas: oração pessoal, redescoberta das Escrituras, em particular do Evangelho, liturgias familiares, participação em redes "spi" [software in the public interest] via Internet, criação de comunidades "virtuais", talvez efêmeras, o acompanhamento de missas na televisão, na Internet ou nas redes sociais, relações múltiplas não exclusivamente do tipo litúrgico mantidos com padres ou diáconos da paróquia, compartilhamento de reflexões sobre o "depois" ... Algo com que alimentar, para alguns, o desejo de prolongar ou aprofundar, no futuro, as experiências que provaram ser ricas em significado. A ponto de negligenciar no amanhã as missas dominicais? Não necessariamente, mas talvez para entender, sentir no mais profundo de si mesmos, que a "falta" experimentada era primariamente de natureza comunitária, mais que sacramental, no sentido clássico do termo. Algo com que alimentar muitas - temíveis - perguntas nas dioceses em que a drástica diminuição do clero é agora evidente. Mas por que não delinear também pistas de recuperação?
A mobilização de bispos para a reabertura de igrejas para culto antes de 2 de junho tem como primeira razão a expectativa dos fiéis e dos padres. E o desejo legítimo, depois do “vazio” pascoal, de poder celebrar o Pentecostes, apenas quarenta e oito horas antes da data "limite" estabelecida pelo governo. Mas ouso formular a hipótese que tenha tido algum peso também o temor - consciente ou não - de ver um certo número de fiéis não retomar espontaneamente a prática das missas dominicais depois de doze semanas de confinamento e de experiências espirituais eventualmente ricas, abertas a outros horizontes. Imaginar juntos o que será a Igreja do depois. Essa é precisamente a razão pela qual a reabertura de igrejas ao culto de maneira alguma - mesmo que isso corresponda ao desejo de alguns – poderá sinalizar o simples retorno às "práticas de antes", à sagrada Tradição! O choque foi forte demais. As experiências vividas muito carregadas de questionamentos. Vamos ouvir novamente Denis Moreau: “Gostaria de saber se, para a Igreja Católica da França, esse confinamento não seja uma boa oportunidade para realizar aquela mudança que seria necessária, diante da qual há muito tempo se recua negando-se a enfrentar o obstáculo. Esse confinamento nos obriga de alguma maneira a imaginar como será a Igreja do depois, aquela que terá que aprender a conviver com poucos padres, menos eucaristias, sacramentos menos acessíveis e mais raramente dispensados. E para minha surpresa, eu, que sou um tanto pessimista por natureza, acho que o que está acontecendo na Igreja da França dá razões para a esperança".
É nesse sentido que devemos entender o título de um meu post anterior: Déconfiner les églises ou déconfiner l’Eglise? (Pôr um fim ao fechamento das igrejas ou ao fechamento da Igreja?). Talvez nossos bispos e padres pudessem, a partir de 2 de junho, um dia após o Pentecostes, nos convidar a discutir o assunto!
[1] Denis Moreau, Comment peut-on être catholique? Ed. du Seuil 2018, p. 370.
[2] Quem não tiver acesso ao Facebook, poderá encontrar o testemunho de Denis Moreau no comentários ao texto Déconfiner les églises ou déconfiner l’Eglise ? publicado com seu consentimento.
[3] Bernard Sesboué, Le magistère à l’épreuve, Ed. DDB, 2001.
[4] Eugen Drewermann, De la naissance des dieux à la naissance du Christ.
[5] Luc Pareydt, La peur de la séduction, Cahiers pour croire.
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E se alguns preferissem “algo diferente” da missa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU