15 Mai 2020
A missa não é um “serviço que uma empresa vende aos clientes”, mas é um “evento comunitário, de intimidade, de partilha, de participação”. Acredito que uma maior consideração da verdade do rito eucarístico aconselharia outras escolhas: palavras menos frias, dinâmicas menos artificiais, especialmente comunidades menos afastadas, menos esquecidas, menos irrelevantes, menos negadas.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 14-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nessa quarta-feira, 13, vimos pela primeira vez o vídeo publicitário com o qual a Conferência Episcopal Italiana (CEI) comunica que, a partir do dia 18 de maio, as Igrejas voltarão a celebrar a eucaristia “com o povo”.
?? Da lunedì 18 maggio si può tornare a messa. Ecco le indicazioni da rispettare per garantire la salute di tutti! pic.twitter.com/rdAefS2qRJ
— @CEI (@UCSCEI) May 13, 2020
Quando se escreve um comunicado, o exame é imediato. Quando se produz um vídeo de 55 segundos, a análise não pode se limitar apenas ao registro verbal.
A liturgia do pós-Concílio, com a sua força, nos tornou muito mais atentos a captar todos os “registros não verbais” dos quais toda linguagem é riquíssima, além da linguagem da “comunicação publicitária”, da qual o vídeo que vimos nessa quarta-feira também faz parte.
Antes de examinar as palavras e todas as outras linguagens, no entanto, gostaria de indicar algumas advertências importantes.
A simbólica publicitária, assim como a litúrgica, esconde a coisa mais importante que quer nos dizer. Se não estiver oculto, não é um símbolo. E, na comunicação do cinema, da TV e de todas as “mídias audiovisuais”, o poder comunicativo se joga precisamente no uso “diabólico” (no sentido etimológico de diabolos, “divisor”) de grandes símbolos universais.
Vendem-se biscoitos como famílias felizes, xampus ou carros como sucesso com as mulheres, detergentes ou águas minerais como pureza moral, relógios ou loções pós-barba como vidas intrépidas.
Em cada vídeo publicitário, o espectador é “jogado” em um duplo nível: deve aderir emocionalmente ao valor universal, para permanecer vítima do produto em particular. Nisso reside a “diabolicidade” do vídeo promocional: o símbolo une, enquanto o vídeo promocional divide: divide o sujeito de si mesmo, divide-o em ideal sonhador e concreto consumidor.
Esse mecanismo também está presente no vídeo publicitário que consideramos. E, assim como na publicidade devemos nos perguntar: “O que eles realmente querem nos vender?”, aqui devemos descobrir: “Que modelo de Igreja nos é proposto para a reabertura?”.
Agora, prossigamos com a leitura, primeiro do nível verbal e, depois, do não verbal.
A mensagem começa com: “A partir de segunda-feira, podemos voltar para a missa”, e termina com: “Cidadãos responsáveis para voltar a celebrar a missa com segurança”.
Depois, em todos os demais 40 segundos, elencam-se, em síntese, as normativas sobre as distâncias, sobre os tempos, sobre os dispositivos de proteção e sobre as condições de saúde e de contato.
O registro verbal também tem o seu bom nível “não verbal”: a voz masculina, jovem, que pronuncia as palavras com calma, tem um tom que somente na abertura e no encerramento manifesta uma emoção de moderada satisfação; no restante, é um tom técnico, analítico, quase sem afetos, embora não frio. Mas a ênfase mais emocionada está na última palavra, precedida por uma breve pausa: “Com segurança”.
O dispositivo ecológico e etológico do vídeo é muito interessante.
- Porta fechada que se abre, música de sino e acordes de piano “à la americana”, com tema descendente, com pano de fundo de notas sustentadas, de arcos, e um motivo vazio, ascendente, com timbre eletrônico, que predomina sobre o piano gradualmente. Um clima indefinido, quase uma trilha sonora de ficção científica, nem triste nem alegre, suspensa, que se resolve em um crescendo.
- Veem-se dois “ministrantes” que estão na entrada da igreja, discretamente, um com veste litúrgica, o outro com trajes civis. Entram apenas dois jovens, atléticos, uma vez enquadrados de costas, uma segunda vez de lado, mas sempre os mesmos dois. Dentro da igreja, entrevemos outros, já presentes. Um homem de meia idade sentado e uma senhora ajoelhada.
- A nave, muito ampla, está iluminada por uma luz quente da manhã, mas está praticamente vazia. Enquanto a voz fala de distâncias de pelo menos 1,5 metro, vemos distâncias de 10 metros entre os pouquíssimos presentes. Até mesmo os rostos, embora mascarados, e os corpos são inexpressivos, sem alegria, sem emoção.
- Só se entende que não se trata de uma “visita individual” à igreja, mas sim de uma “celebração” apenas entre os segundos 00:40 e 00:47, em que aquele que preside chega ao altar primeiro a uma distância de 20 metros e, depois, a 40 metros do olho da câmera.
A notícia é clara: a partir de segunda-feira, pode-se voltar a celebrar. Mas o que nos é dito sobre esse celebrar? E sobre a Igreja que experimenta isso? Tentemos descobrir a mensagem oculta:
- Não haverá nenhum perigo. Se formos responsáveis, tudo ficará bem.
- A condição de segurança é que se “assista” à missa individualmente. Nem remotamente, nem nas palavras, nem nas ações, há um rastro de comunidade.
- Os sujeitos excluídos são os sujeitos reais. Na missa de segunda-feira, como é provável, participarão, em grande parte, aqueles que não estão representados: isto é, não jovens atléticos, mas sim idosos não totalmente saudáveis, que mancam e ofegam por terem subido as escadas...
- Não há nenhum sinal de sofrimento, de limitação, de fadiga. Parece que, com as precauções do protocolo, a Igreja se reencontra: sem comunidade, com empregados na missa e com “fiéis” considerados como “fruidores do serviço”. Com alguma atenção, não muda nada.
Justamente nessa quarta-feira, Giovanni Grandi levantava a questão: “Recomeçar sem aprender”? A representação que o vídeo publicitário da CEI nos oferece é, pelo menos, equívoca. Ele realiza, de modo refinado e quase suave, uma obra de grande tranquilização. Que, no entanto, corre o risco de constituir uma certa forçação pelo menos em um duplo sentido:
- As condições mostradas – da desejada segunda-feira, 18 – são “condições feriais” bastante comuns, mas não são “condições festivas”. O que acontece no domingo? O vídeo corre o risco de ser até enganoso. Porque o “produto missa” não é “padrão”. E as condições de uso do espaço, da gestão do tempo e dos sujeitos presentes são muito diferentes.
- Mas a missa, no entanto, não é um “serviço que uma empresa vende aos clientes”, mas é um “evento comunitário, de intimidade, de partilha, de participação”. A simbólica do vídeo publicitário é totalmente “pública” e “privada”: mostra apenas a lei e a devoção. Toda dinâmica ritual é deslocada para um altar muito distante, inacessível, um pouco triste por estar isolado.
A simbólica litúrgica é integralmente absorvida pela simbólica do “espaço público seguro”, no qual os fiéis “rezam devotamente no banco”, e o padre “celebra no altar”. Certamente, o protocolo, que define as normas de fundo, não impõe como fazer os vídeos publicitários. Acredito que uma maior consideração da verdade do rito eucarístico aconselharia outras escolhas: palavras menos frias, dinâmicas menos artificiais, especialmente comunidades menos afastadas, menos esquecidas, menos irrelevantes, menos negadas.
Parece-me que esse “comunicado” deveria reforçar em nós o pedido ao Espírito, em Pentecostes: “Rega o que é árido (...), dobra o que é duro, aquece o que é frio”.
E eu gostaria de acrescentar, em conclusão: até mesmo as mais rígidas disposições necessárias no plano da saúde pública nunca nos forçarão a ser como o vídeo publicitário gostaria de nos sugerir. Devemos resistir às lógicas comunicativas e eficientistas, que, por ocasião da pandemia, se deixam convencer a nos repropor a “sopa requentada” de uma Igreja de clérigos e de empregados, que produzem a liturgia para fiéis-clientes, capazes de manter distâncias de “supersegurança”, alguns a 30, outros a 40, outros ainda a 50 metros do altar e dos outros fiéis.
Do vídeo publicitário, devemos acolher a “mensagem sobre a segurança”, mas, ao mesmo tempo, devemos rejeitar a “mensagem sobre a Igreja”. Uma vez tranquilizados no plano civil, algo sempre bom e justo, a primeira forma para nos tranquilizar no plano eclesial, para voltar à normalidade, para sair do medo, para recomeçar realmente a celebrar deve ser nos dizer, com toda a franqueza: nunca deveremos nos reduzir a isso. A custo algum.
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O vídeo dos bispos sobre a reabertura das igrejas na Itália: um conflito entre símbolos. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU