14 Mai 2020
Os sinais dos tempos são os sinais do nosso tempo. Eles podem nos ensinar algo importante sobre o significado da celebração eucarística e sobre as "coisas" que ela deseja, pretende ou exclui. A Igreja, que é mãe e mestra, sabe que também deve ser discípula, que deve aprender com os sinais que encontra", escreve Andrea Grillo, em artigo publicado por Come se non, 13-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "se, como foi repetido com uma insistência quase obstinada, não podemos viver "sem a Eucaristia", e a reconhecemos "fonte" de fé e serviço, deveríamos pelo menos "expô-la" com um mínimo de correção, pertinência, equilíbrio e plenitude. Se você colocar uma laranja mecânica ritual como sua "fonte", acaba sendo mortificado pela própria fonte que você não soube preservar, pelo menos com as palavras".
"Se a Eucaristia é pensada como um "dispositivo automático", - escreve o teólogo - pode suportar todos os níveis de "proteção sanitária": máscaras, luvas, distâncias, números fechados, higienização,... Mas se você ousar pensar em seu significado corpóreo e simbólico, que correlaciona cabeça e corpo, corpo místico e corpo verdadeiro, sacerdócio de Cristo e sacerdócio dos fiéis, você pode sair da lógica administrativa e fazer a pergunta: é realmente o caso? A priori, a resposta não é sim nem não: mas são as comunidades reais - o rebanho com seus pastores que às vezes caminham na frente, sempre dentro e muitas vezes atrás – que devem decidir, pesando tudo muito bem".
E ele conclui: "Se tivermos pressa de "arquivar o confinamento" e voltar a uma prática pastoral tranquilizadora porque é garantida, perderíamos uma oportunidade histórica para que as palavras se tornem lugares de presença real e para que as coisas se tornem fortes, altas e transparentes".
Em um de seus elegantes vídeos, Giovanni Grandi apresenta uma questão que não é insignificante. Ele mesmo a resume com estas palavras:
“Recomeçar é necessário, principalmente para o trabalho e, em geral, para as relações, sem dúvida. No entanto, nas profissões, na escola, nos próprios contextos do tempo livre (do "consumo"?), estavam nascendo reflexões interessantes sobre o significado das coisas, que talvez corremos o risco de deixar de lado na urgência de retornar às pressas. Vocês concordam? "
Ele propõe abrir um diálogo sobre esse ponto. Parece-me algo sábio. Da minha parte, aceito a bela provocação. Primeiro tento focalizar a pergunta.
A pergunta que Giovanni Grandi se põe e nos propõe é radical: ele se pergunta se a condição de "distanciamento", que nos forçou por dois meses a "inventar uma vida diferente" - também no plano eclesial e litúrgico - seja apenas uma "fase de transição", que deve ser posta de lado imediatamente, para voltar a fazer o que se fazia antes, mesmo que em condições diferentes. Foi uma oportunidade de "repensar o que estávamos fazendo" ou apenas um "acidente de percurso", após o qual nos apressamos em "restaurar tudo como antes", mesmo com condições de persistente "distanciamento social".
Vamos tentar colocar isso do ponto de vista da "liturgia da Igreja": o teste pelo qual tivemos que passar - ausência de celebrações participativas, uso de mídias substitutas (TV, streaming, zoom, vídeo chamadas ...), animação litúrgica das casas, trabalho sobre as linguagens e os gestos - podem ser simplesmente arquivados para retornar às "liturgias de acordo com o protocolo", ou aprendemos eclesialmente algo que não podemos perder e, aliás, devemos conserva e retomar, tendo em vista uma "normalidade eclesial" que não seja uma normalização”?
Podemos dizer que aprendemos muito, até agora, com as coisas que nos aconteceram? Limitar-me-ei a destacar aquelas relevantes no plano litúrgico-pastoral:
a) Todos ficaram desnorteados pela novidade de uma "desertificação" do espaço público, que atingiu todas as comunidades, exceto as "casas". Até a Igreja italiana foi retida em uma alternativa entre público e privado. E jogou em ambos com as cartas que tinha. Publicamente "assumiu a responsabilidade", depois denunciou o descumprimento da Constituição e assinou - por conta própria - o acordo. Algo pouco meditado, que em certos momentos teve tons tipo Cinco Estrelas ou Aldo Maria Valli. No final, o resultado no plano público foi uma "equivalência" da Igreja com academias, tabacarias, livrarias ... mas é evidente que a questão da celebração comunitária vai além do protocolo. Torna possível uma coisa, cuja necessidade deve ser buscada em outras fontes. Contudo, sobre esse "além", poucas palavras de autoridade, fortes e proféticas. Pelo menos por enquanto.
b) No lado privado, pouco ou nada, exceto a memória do "registro devotado", mas não muito convencido. Uma elaboração sábia dos recursos dos "lugares privados de testemunho eclesial" (casas, famílias, comunidades) foi deixada quase inteiramente à livre iniciativa "privada". Quase como se os desenvolvimentos mais recentes e mais notáveis fossem "praeter hierarchiam".
c) Justamente a "zona intermediária", que é a mais delicada, aquela que deveria ser mais cuidada e protegida, parece ter permanecido fora do campo visual oficial. Passa-se com muita facilidade do nível "formal" para a "vida pessoal". E isso corta o galho em que estamos sentados, na grande árvore da tradição.
d) A indicação mais clara foi o "registro verbal" no qual foi comunicado. Formalismos jurídicos, normas disciplinares excepcionais novas ou clássicas (assim foi fácil transformar a missa in cena domini em missa sem povo e a confissão no desejo de confissão). Mas muito pouco foi dito sobre a "res": quase ficou subentendido que o papa devia falar - e não ficou calado - e depois todos podiam se limitar a repeti-lo (mais ou menos fielmente). Mas uma verbalização explícita da crise e das palavras altas com as quais fosse possível enfrenta-la teria sido a coisa mais importante, porque tocaria as cordas das vidas reclusas, feridas, desanimadas e desorientadas.
A pergunta de Giovanni Grandi, portanto, ressoa também para a Igreja: aprendemos algo? Permitimos que nos fosse ensinado algo? Aqui está uma série de "sinais dos tempos" a partir dos quais a Igreja pode aprender algo decisivo sobre si mesma e seu próprio mistério:
a) Se, como foi repetido com uma insistência quase obstinada, não podemos viver "sem a Eucaristia", e a reconhecemos "fonte" de fé e serviço, deveríamos pelo menos "expô-la" com um mínimo de correção, pertinência, equilíbrio e plenitude. Se você colocar uma laranja mecânica ritual como sua "fonte", acaba sendo mortificado pela própria fonte que você não soube preservar, pelo menos com as palavras;
b) A sabedoria eclesial sabe que as provas da existência de Deus aparecem muitas e numerosas, quando tudo está bem. Mas é precisamente na "crise" que elas se tornam importantes, e é exatamente então que ficam escassas. Assim é para a missa: oferecer as razões para ela quando a vida floresce, pode ser feito tranquilamente sentado à escrivaninha e quase fumando um cachimbo. Mas justamente quando se torna difícil ou impossível, a celebração não suporta ser pintada, contada ou ameaçada como um "direito a ser reivindicado" ou como uma "coisa sagrada", mais que como um "dom sem mérito, que envolve desde a raiz cada membro da comunidade".
c) às palavras pouco meditadas corresponde, obviamente, o risco de "coisas improvisadas". Se a Eucaristia é pensada como um "dispositivo automático", pode suportar todos os níveis de "proteção sanitária": máscaras, luvas, distâncias, números fechados, higienização,... Mas se você ousar pensar em seu significado corpóreo e simbólico, que correlaciona cabeça e corpo, corpo místico e corpo verdadeiro, sacerdócio de Cristo e sacerdócio dos fiéis, você pode sair da lógica administrativa e fazer a pergunta: é realmente o caso? A priori, a resposta não é sim nem não: mas são as comunidades reais - o rebanho com seus pastores que às vezes caminham na frente, sempre dentro e muitas vezes atrás – que devem decidir, pesando tudo muito bem.
d) Os sinais dos tempos são os sinais do nosso tempo. Eles podem nos ensinar algo importante sobre o significado da celebração eucarística e sobre as "coisas" que ela deseja, pretende ou exclui. A Igreja, que é mãe e mestra, sabe que também deve ser discípula, que deve aprender com os sinais que encontra. Se os ouvirmos, estaremos dentro do grande discernimento para o qual somos chamados para recomeçar: não a qualquer custo e não sem discrição. Se tivermos pressa de "arquivar o confinamento" e voltar a uma prática pastoral tranquilizadora porque é garantida, perderíamos, como Giovanni Grandi bem ressalta, uma oportunidade histórica para que as palavras se tornem lugares de presença real e para que as coisas se tornem fortes, altas e transparentes.
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Repartir sem aprender (mesmo na igreja)? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU