09 Mai 2016
A partir da Amoris laetitia, o pedido feito hoje aos católicos é de confiança em relação a um papa decidido a empenhar lealmente a Igreja em novos caminhos de evangelização.
A análise é do jornalista francês René Poujol, ex-chefe de redação da revista Pèlerin, em artigo publicado no seu sítio pessoal, 28-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O texto do Papa Francisco sobre a família parece reunir um amplo consenso, salvo em poucos bastiões irredutíveis. A exortação apostólica Amoris laetitia (1) foi publicada em Roma no dia 8 de abril. Na era da internet, milhões de fiéis tiveram a possibilidade de descobrir o seu teor ainda antes que o texto estivesse disponível nas livrarias. Reações e comentários, então, foram imediatos nas redes sociais e se estenderam nos dias seguintes, às vezes com deslocamentos, por parte dos mesmos autores, da hostilidade à simples suspeita. Vale a pena assinalá-los.
Perfeito domínio da comunicação
É cedo demais para analisar em profundidade a recepção desse texto por parte dos fiéis católicos. E é um bom sinal. Evitando introduzir – vamos voltar sobre isso – nesse extenso documento a "frasezinha", tão esperada por alguns e temida por outros, sobre o acesso aos sacramentos por parte dos divorciados recasados, o Papa Francisco, habilmente, puxou o tapete debaixo dos pés de muitos comentaristas e obrigou cada um a ir mais fundo!
O próprio comprimento do texto, ligado ao desenvolvimento sobre o amor no casal, sobre a sua fecundidade e sobre a educação dos filhos, prova, paradoxalmente, que o Papa Francisco compreendeu bem o que estava em jogo na comunicação moderna. Meio século atrás, esse texto, enviado confidencialmente aos bispos, teria sido posto em relação por cada um deles com a realidade específica do próprio "povo". Na era digital, essas mediações não existem mais. Nem o poder associado a elas. Isso significa que, pela sua própria opulência e pelo seu tom direto, esse texto não é mais propriedade daqueles que tinham o hábito de ser os seus comentaristas autorizados, dirigindo-se diretamente aos pastores e aos fiéis.
Sobre os divorciados recasados: ruptura ou continuidade?
Era de se esperar: é a questão dos divorciados recasados que geralmente alimenta a polêmica nos comentários nas redes sociais. Com o "marronnier" (2) de criticar os jornalistas que, sobrevalorizando esse tema, teriam, mais uma vez, oposto um "Sínodo da mídia" ao Sínodo real! Bela hipocrisia! A questão dos divorciados recasados está presente obsessivamente em todos os sínodos diocesanos franceses há décadas (3) e é, de acordo com alguns sociólogos, uma "zona de fratura importante para o catolicismo na França" (4). E é justamente o medo de ver posta novamente em discussão a disciplina sacramental em matéria que alimentou, há dois anos, muitos alertas e mobilizou a opinião pública contra os supostos riscos de ruptura contidos nos projetos reformadores do Papa Francisco (5).
De fato, aquela que pode ser chamada de não recepção, por parte de alguns, da Amoris laetitia diz respeito a esse aspecto do documento. Com uma bela oposição na argumentação. Para alguns, esse texto, "bem pior do que o relatório do cardeal Kasper" que tinha servido de espantalho, "abre uma brecha na doutrina moral anterior". Em suma, ele concretiza a ruptura tão temida e deve ser rejeitado.
Para outros, ao contrário, não contendo nenhuma fórmula explícita sobre o acesso aos sacramentos por parte dos divorciados recasados, o texto do Papa Francisco se situa na continuidade da disciplina sacramental em vigor na Igreja. Há, nisso, uma forma mais sutil de não recepção, desenvolvida, particularmente, pelo padre José Granados, vice-presidente do Instituto João Paulo II, e, na França, pelo tremendo bispo de Bayonne, Dom Marc Aillet.
Sobre a hermenêutica da continuidade no pensamento do Papa Francisco
Análise fortemente arriscada! Os aficcionados da hermenêutica da continuidade fariam bem em examinar essa mesma hermenêutica no pensamento do Papa Francisco. Breve lembrete cronológico: no avião que, três meses depois da sua eleição, o levou de volta da Jornada Mundial da Juventude no Rio, ao responder à pergunta de um jornalista sobre a situação dolorosa dos divorciados recasados, ele expressou a sua convicção de que "a Igreja deve cuidar das pessoas com a sua misericórdia".
No dia 5 de novembro, no documento preparatório para o Sínodo sobre a família anunciado para 2014 e 2015, ele se preocupou com o fato de que "no contexto atual muitas crianças e jovens, nascidos de matrimônios irregulares, nunca poderão ver os seus pais receberem os sacramentos...".
Algumas semanas depois, pôde-se ler na Evangelii gaudium, que ele apresentou como o programa do seu pontificado: "As portas dos sacramentos não deveriam se fechar por qualquer razão" (6).
Seria a sua batalha permanente – e o motivo permanente da oposição de alguns – durante toda a duração do Sínodo, até a adoção do relatório final que, sem realmente tomar posição, deixou-lhe livre sobre esse tema (7).
Sabemos que o Papa Francisco é um homem determinado. Como imaginar que, no momento de redigir a sua exortação apostólica, ele pôde optar por um status quo combatido até aquele momento? Impensável! A correta exegese do texto, portanto, parece ser justamente a nota 351, que abre a possibilidade não opcional aos bispos e aos padres de acolher os divorciados recasados aos sacramentos, sob certas condições de discernimento pastoral, cujas modalidades de implementação cabem a eles (8).
Em todo o caso, é a leitura que prevalece amplamente entre os bispos e que, para muitos, parece chegar a legitimar a posteriori a pastoral "de fato", que eles já implementavam há muito tempo nas suas dioceses.
A expressão "bom senso da fé"
Cada documento desse tipo requer um certo tempo de leitura, de compreensão, de aprofundamento e de adesão, ainda mais quando chega ao ponto de mudar as perspectivas, como diz o bispo de Oran, Jean-Paul Vesco, ardente defensor da "abertura" pontifícia (9).
É muito provável que esse texto vai ser "recebido" sem grande dificuldade pela maioria do povo fiel e dos seus pastores. Pela boa razão de que ele está fundamentado, de direito, em uma deliberação sinodal válida e expressa o sensus fidei fidelium, aquele "bom senso da fé" comum aos batizados (papa, bispos, padres, leigos...) pelo próprio fato da sua pertença a Cristo, como foi expressado com constância, há muito tempo, nos sínodos diocesanos.
E sabendo que, além disso, na hora do ecumenismo, a questão dos divorciados recasados nem sequer é levantada pelos nossos irmãos protestantes, para os quais o matrimônio não é sacramental, e que os ortodoxos implementam há muito tempo uma prática pastoral de acolhida aos sacramentos sem ter a impressão de trair o ensinamento de Cristo.
Em 2001, o teólogo Bernard Sesboüé escrevia: "O problema que se levanta hoje à Igreja Católica é de fazer com que passe pelas suas instituições o espírito que presidiu a redação dos documentos do Concílio Vaticano II, para dar, através delas, o sinal concreto de um melhor equilíbrio entre princípio de presidência, princípio de colegialidade e princípio de comunidade" (10). Esse desejo de um retorno a um magistério fundado no papa, nos bispos e nos fiéis foi realizado pelo Papa Francisco nesse Sínodo.
E, por isso mesmo, ele fez cair sobre muitos uma certa prevenção ao princípio de autoridade em vigor que, em vez de argumentar sobre o ensinamento da Igreja, preferia afirmar a sua eterna verdade. Pensemos novamente, a esse propósito, na confidência do Papa Francisco aos bispos brasileiros, em julho de 2013: "Talvez a Igreja tinha respostas para a infância do ser humano, mas não para a sua vida adulta" (11).
Uma questão de confiança
Os inimigos jurados da exortação apostólica pensam ter encontrado o modo de se opor a ela discutindo minuciosamente o seu grau de "infalibilidade", ou até mesmo contestando pura e simplesmente o seu caráter magisterial. Esse texto, analisa o cardeal Burke, por exemplo, seria uma simples opinião expressada pelo Papa Francisco, que não envolveria a Igreja. Sem comentários! Deixemos de brincadeira: esse texto pertence, evidentemente, ao magistério ordinário-e-universal.
Citemos ainda Bernard Sesboüé: "A adesão que é requerida em relação às intervenções pessoais do papa é 'a submissão religiosa da vontade e da inteligência', mas não o ato formal de fé. Isso pressupõe que o magistério autêntico do papa – e também dos bispos – pode legitimamente ensinar aspectos que não dizem respeito formalmente à fé e, portanto, não são, de fato, irreformáveis" (12).
Tudo parece dito. Que esse texto possa levantar, aqui e ali, questões de natureza filosófica, teológica ou simplesmente pastoral que merecem ser levadas em consideração – como, por exemplo, diz o filósofo Thibaud Collin – é uma prova que não dispensa do dever de obediência, sabendo que, em última análise, cada um é remetido à sua própria consciência livre (13).
Mas é ao apóstolo Pedro e aos seus sucessores que Cristo prometeu: "O que desligares na terra será desligado também no Céu", e não aos doutores da lei, nem aos professores de filosofia. O pedido feito hoje aos católicos, portanto, é simplesmente um pedido de confiança em relação a um papa decidido a empenhar lealmente a Igreja em novos caminhos de evangelização.
P.S. – A preparação deste meu discurso me levou a reler o livro Le Magistère à l'épreuve, citado em nota. Nesta ocasião, gostaria de expressar o meu imenso reconhecimento, como leigo autodidata que sou, ao teólogo e pedagogo da fé que é Bernard Sesboüé.
Notas:
(1) Papa Francisco, A alegria do amor.
(2) Na imprensa francesa, um "marronnier" é um assunto pouco original que volta à tona regularmente.
(3) Uma Instrução sobre os sínodos diocesanos de 9 de julho de 1997 obriga os bispos "a excluir da discussão sinodal as teses ou posições (...) que não concordem com a doutrina..." e, portanto, consequentemente, lhes proíbe de transmitir a Roma qualquer desejo a esse respeito. Desse ponto de vista, a "consulta" implementada pelo Papa Francisco junto aos fiéis, na perspectiva do Sínodo sobre a família, rompe com essa linha rígida.
(4) Nicolas de Brémont d’Ars. Catholicisme, zones de fracture. Bayard 2010, p.105.
(5) Lembramos a obra coletiva Demeurer dans la vérité du Christ, Ed. Artège, 2014, p. 312.
(6) Papa Francisco, A alegria do Evangelho, n. 47.
(7) Os parágrafos 84 a 86 descrevem a necessária integração dos divorciados recasados na vida da Igreja.
(8) O fato de que a nota se refira às situações irregulares em geral não permite concluir que os divorciados recasados estão excluídos dela.
(9) Jean-Paul Vesco. Tout amour véritable est indissoluble. Ed. du Cerf, 2015.
(10) Bernard Sesboüé. Le magistère à l’épreuve. DDB, 2001, p. 262.
(11) Papa Francisco. L’Eglise que j’espère. Flammarion-Etudes, 2013, p. 97-98.
(12) Bernard Sesboüé, op. cit., p. 220
(13) Na sua tribuna livre, o abade Claude Berthe expressa a hipótese de uma "objeção de consciência" por parte de alguns padres. Ela não pode ser descartada. Eu não sou competente na matéria, mas imagino que um bispo possa dispensar um padre de ouvir em confissão um divorciado recasado, se isso for contrário à sua consciência. Eu não acredito, em vez disso, que o mesmo bispo possa se valer da mesma objeção para proibir aos seus padres aquilo que a exortação já parece tornar possível.
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Amoris laetitia e o convencimento dos defensores da "objeção de confiança". Artigo de René Poujol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU