“Existem forças autodestrutivas em jogo, tanto nos indivíduos quanto nas coletividades, ignaras de serem suicidas”. Entrevista com Edgar Morin

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17 Abril 2020

Atento, sorridente e disponível, Edgar Morin olha direto dentro dos olhos quando ele fala e enquanto te escuta. O sociólogo e filósofo francês, nascido em 1921, atravessou por um século de história e contou sua história em memórias de recente publicação. Em seu gabinete no Instituto Botânico de Montpellier, responde a algumas perguntas em um dia em fevereiro, no início da pandemia de coronavírus. É assim que o pai do "pensamento complexo" lê o presente.

 

A entrevista com Edgar Morin é de Alice Scialoja, publicada por Avvenire, 15-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

 

Eis a entrevista.

 

 

Você acha que o coronavírus poderia marcar para a humanidade uma tomada de consciência da interdependência e da comunidade dos destinos de todos os seres humanos?

 

 

Vivemos uma crise tripla: a crise biológica de uma pandemia que ameaça indiscriminadamente as nossas vidas, aquela econômica nascida das medidas restritivas e a de civilização, com a abrupta transição de uma civilização da mobilidade para a obrigação de imobilidade. Uma crise múltipla que deveria provocar uma crise do pensamento político e do próprio pensamento. Talvez uma crise existencial saudável. Precisamos de um humanismo regenerado, que faz sua busca nas fontes da ética: a solidariedade e responsabilidade, presentes em toda sociedade humana. Essencialmente um humanismo planetário.

 

Você escreveu que a história, especialmente a história humana, é imprevisível e que o futuro da humanidade será igualmente inesperado. Pode-se, no entanto, falar de alguma lição da história?

 

A primeira lição da história é que não aprendemos lições da história, que somos cegos para o que ela nos ensinou. Por exemplo, que ela comporta um certo número de determinismos, como o desenvolvimento das forças produtivas ou os conflitos de classe indicados por Marx, mas também uma dimensão shakespeariana de ruído e fúria. Não ocorreu de repente aos nossos ancestrais caçadores e coletores que eles se tornariam camponeses, assim como os impérios da antiguidade não pensavam de forma alguma que um dia poderiam ruir, nem o Egito, nem os sumérios, nem Roma. Existe uma grande parte do desconhecido e inesperado: essa é na minha opinião, uma das lições.

 

 

O movimento de Hitler na década de 1920 parecia condenado à esterilidade. Mas a conjunção entre a crise do dia 29, uma Alemanha humilhada pelo Tratado de Versalhes, a divisão entre socialistas e comunistas, os poderes financeiros que pensavam em manipular Hitler sem saber que ele os manipularia, fez o impensável acontecer: que o país mais culto da Europa afundasse na barbárie.

 

A história, portanto, ensina-nos a ser vigilantes e a pensar que os períodos que parecem progressistas podem ser seguidos de regressão e barbárie, e que nem mesmo essa é eterna. Antes da guerra, a dominação nazista na Europa parecia geral e o que fez as coisas mudarem? O Duce. Porque ele quis atacar a Grécia, mas foi parado pelo pequeno exército grego, então pediu ajuda a Hitler, que teve que adiar o ataque à URSS por um mês, previsto para maio de 1941, porque teve que combater a Resistência sérvia antes de conseguir plantar a bandeira da suástica na Acrópole. Assim, chegando aos portões de Moscou, o exército alemão ficou congelado por um inverno precoce. Mas se tivesse atacado em maio, teria tomado Moscou e o destino teria mudado.

 

Isso significa que a história é governada pelo acaso?

 

 

O acaso costuma intervir, mas é a complexidade dos fatores que operam na história que mais a modificam, eventos que fermentam e trabalham sobre a realidade. Gorbachev, por exemplo, quem esperava isso? Ou o rei anterior da Espanha, que havia sido nutrido pelo franquismo ... Brotam conversões psicológicas, se assim podemos dizer, espírito subterrâneo que inverte as partes: a história também é isso.

 

Você vê um novo desvio no presente e considera preocupante o recrudescimento dos nacionalismos?

 

Estamos em uma época regressiva. A regressão se manifesta com a crise das democracias que, em muitos lugares, inclusive na Europa, dá lugar a regimes semiditatoriais, na Turquia, Hungria, Rússia, um pouco também na Polônia. Uma tendência quase universal, à qual se soma o domínio de forças econômicas gigantescas, que nas atuais condições do neoliberalismo pesam sobre os povos que tentam se levantar, mas fracassam. Essas revoltas se esvaziam ou são esmagadas porque não há força para guiá-las, uma voz capaz de dar sentido ao futuro. Fatores negativos estão predominando. Ocasionalmente, um fator agradável e inesperado interfere, como a eleição do papa Francisco.

 

Você gosta do Papa Francisco?

 

Sim, claro, embora eu seja um agnóstico.

 

Você argumenta que a incapacidade de gerir a complexidade nos leva à autodestruição. Temos possibilidade de nos salvar?

 

 

Existem forças autodestrutivas em jogo, tanto nos indivíduos quanto nas coletividades, ignaras de serem suicidas. Até que ponto irão esses danos e quando ocorrerá uma reação, não se sabe. Há 50 anos estou entre os que emitem o alerta. Mas os progressos da consciência são lentos. Já é tarde. Eu não sei. Eu acho que pode haver devastação, mas não vejo a destruição da espécie humana. A história também ensina como, em certo ponto, tudo parece entrar em colapso como, por exemplo, a romanidade; depois de um processo multissecular algo novo e revolucionário surge. Estamos em um mundo incerto e podemos imaginar um futuro em que forças catastróficas intervenham, mas a probabilidade nunca é certeza.

 

Em um livro com Mauro Ceruti, escreve que a ideia da União Europeia é filha do improvável porque é imaginada por homens em confinamento durante a guerra. O improvável como motor de otimismo?

 

Eu acredito nisso. Mas não sei qual improvável que possa aparecer hoje. Na história humana, no entanto, os dois inimigos irreconciliáveis, mas inseparáveis, que são Eros e Thanatos continuarão se enfrentando, e Thanatos não será capaz de destruir Eros ou Eros eliminar Thanatos. Cada um por sua vez assumirá o controle. Hoje os mais fortes são Polemos e Thanatos, mas não há eternidade na história.

 

Alexander Langer dizia que a revolução ecológica poderá se afirmar na medida em que for desejável; você concorda?

 

 

Existem os ecologistas, mas a ciência ecológica não é ensinada em lugar algum. É uma ciência multidisciplinar e, como tal, não é aceita em nossas universidades. A segunda lacuna é que, embora se saiba a partir de Darwin que somos o resultado da evolução biológica, toda a nossa cultura continua a separar o orgânico do humano. Criamos uma fratura epistemológica. Catástrofes, como Chernobyl, causam agitação e são esquecidas, assim como os novos furacões. Outras culturas têm um senso de incorporação do humano na natureza muito superior ao nosso. 

 

Greta Thunberg?

 

Despertou algo na juventude de muitos países e isso é realmente positivo.

 

A economia está avançando de modo completamente incontrolável. Como poderia ser orientada e qual controle seria desejável?

 

O único controle desejável seria o exercido pelos órgãos econômicos mundiais, que existem, mas estão a serviço da corrente dominante. Seria necessária uma consciência planetária da comunidade dos destinos humanos. Hoje, pelo contrário, a angústia faz com que nos encerremos sobre a identidade nacional, étnica, sobre o nacionalismo. Em vez de uma abertura da consciência, vital, há um fechamento mortal. Não podemos esconder de nós mesmos essa regressão, melhor vê-la e formar ilhotas de resistência. Criar oásis de pensamento livre, fraternidade, solidariedade, ilhotas de resistência que defendam valores universais e humanistas, e pensar que um dia eles possam se tornar uma vanguarda. Isso já aconteceu muitas vezes na história, acontecerá novamente.

 

Você acredita na ideia de progresso?

 

Não. Existem progressos possíveis, progressos incertos e todo progresso que não se regenerar degenera. Tudo pode regredir.

 

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