01 Abril 2020
Alguns pensam que a crise econômica que a pandemia do coronavírus pode desencadear no mundo, será a pior das últimas décadas, ou seja, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Entre eles, o economista italiano Gustavo Piga, professor de Economia Política da Universidade de Roma Tor Vergata, que em uma entrevista ao jornal Página/12 caracterizou a atual situação como um “momento histórico que nos permite perceber que nem tudo andava bem na gestão do mundo no século XXI”. “Acredito que a crise nos encontrou despreparados. É necessário pensar, com uma visão de longo alcance, sobre as necessidades verdadeiras dos cidadãos que devem combinar a dinamicidade dos mercados com a certeza do apoio aos menos favorecidos”.
A entrevista é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 31-03-2020. A tradução é do Cepat.
Quais são os efeitos da pandemia do coronavírus sobre a economia da Itália, em sua opinião?
Ainda não se sabe onde irá parar este vírus, como se propaga, como pode ser controlado eficazmente, não apenas na Itália, como em todo o mundo. Isto se percebe quando os governos do mundo atualizam repetidamente suas previsões e aumentam o número de restrições administrativas para reduzir a interação social. O que significou uma série de medidas preventivas em nível de saúde pública, mas também sobre a economia para compensar o efeito negativo das medidas de restrição aplicadas. Na Itália, este processo começou com uma manobra econômica para enfrentar os efeitos do coronavírus que inicialmente era de 5 bilhões de euros. Depois, ampliou-se para 25 bilhões de euros e agora se está falando em 50 bilhões.
E a União Europeia (UE), que percepção possui da situação?
A União Europeia falou em um primeiro momento de um plano de 25 bilhões de euros para ajudar a todos os países europeus. Agora, o Banco Central Europeu fala em 750 bilhões. Com isto, quero dizer: ainda não se tem uma ideia clara das dimensões desta crise. Ontem, lia que há duas semanas se falava que a crise poderia levar a um decrescimento do PIB (Produto Interno Bruto) italiano de 2%. Agora, fala-se em uma queda de 10% do PIB. O certo é que estamos falando da mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial, muito pior que a de 2008.
Na sua avaliação, quais medidas deveriam ser tomadas para enfrentar a crise?
Algumas medidas já foram tomadas na Itália e na Europa para enfrentar esta crise, mas é óbvio que se a crise prossegue, deveremos mudar as regras europeias. Até agora aproveitamos ao máximo as leis europeias e nada foi feito que violasse os tratados europeus em nível econômico. Contudo, se as coisas continuarem e os países tiverem a necessidade de um apoio maior, será necessário mudar essas regras. O Banco Central Europeu, por exemplo, poderia se ver na necessidade de emprestar dinheiro aos diferentes governos, sem nenhuma condição, sem lhes pedir que mantenham uma política de austeridade como até agora.
O importante seria, então, mudar certas regras... O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, falando no Vaticano, meses atrás, disse que a economia capitalista deveria mudar suas regras porque as pessoas perderam a confiança nela.
Acredito que a União Europeia deveria responder a si mesma duas perguntas. Primeira: Concordamos em fazer uma suspensão provisória dos tratados ou não? Segunda e a mais importante: Quando o vírus for derrotado, com quais políticas queremos voltar à normalidade? Para dar resposta a essas perguntas o problema central é saber por quanto tempo se prolongará o retorno à normalidade.
E se devo tomar um exemplo da história, cito a crise de 1929, talvez menos grave que a atual, mas cujas consequências duraram muito tempo. E esse é exatamente o panorama que todo o Ocidente tem pela frente: Como se reconstrói? Certo, as regras da economia podem ser mudadas. Mas também é verdade que pode ocorrer uma resistência, uma batalha entre os conservadores e os que querem a mudança. Eu espero que os partidos conservadores tenham a clareza de entender que serão expulsos da história, caso não caminhem ao encontro da dor, do terror, do medo das pessoas.
Se não existe acordo a respeito das regras a ser mudadas entre todos os países membros, a União Europeia poderia correr um sério risco?
Se houver a tentativa de fazer isso com uma política econômica que conquiste a confiança das pessoas, se conseguirá muito. Temos que estar preparados porque o vírus voltará, talvez no próximo inverno. Caso não retorne, melhor, mas temos que estar preparados, temos que construir uma economia que saiba conduzir melhor os meios para enfrentar o vírus, já que o conheceremos melhor. Se isto será feito, muito bem. As coisas melhorarão. Se estas coisas não forem feitas, acredito que será o fim da União Europeia.
Daríamos o governo aos partidos antieuropeus. Porque uma crise como a atual é a situação ideal para que a Europa demonstre sua solidariedade. Caso contrário, muitos poderão pensar: que sentido faz ficar dentro da União Europeia, se ela não soube nos ajudar? Esta crise nos pegou de surpresa. Contudo, não podemos permitir que nos pegue de surpresa outra vez. E nisso, o risco para o sonho europeu é imenso. Esta é provavelmente a última chamada. Se a Europa falhar a esse respeito, prevejo consequências muito graves em nível político.
Se a economia dos Estados Unidos - agora o país com mais contagiados pelo coronavírus - sofre o crash que muitos supõem, o mundo todo pagará o preço?
Esta é uma crise global. Eu estou bastante admirado de como o estado chinês permitiu que surgisse um vírus deste tipo, mas também de como soube controlá-lo tão rápido. Nossas sociedades ocidentais são menos capazes de fazer isso. As medidas do governo chinês foram muito drásticas. Paradoxalmente, talvez esta crise se transformará em uma crise mais ocidental que chinesa. Estamos aprendendo dia a dia. É difícil fazer grandes previsões.
E a economia da América Latina, que preço pagará?
Para a América Latina o golpe importante será em suas exportações. Sobre a demanda interna, o efeito será importante, mas dependerá de como os governos consigam conter tudo. Não é que há uma relação entre a riqueza do país e sua capacidade de contenção. A capacidade dos governos conta neste sentido. Dependerá, então, da bravura dos líderes para prevenir o que possa ocorrer. O vírus é global, mas seus efeitos não serão exatamente iguais para todo o mundo.
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“Estamos falando da mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial”. Entrevista com Gustavo Piga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU