25 Fevereiro 2019
O Papa Francisco encerrou sua cúpula com 190 bispos católicos sobre os abusos sexuais do clero, no dia 24 de fevereiro, com uma promessa de que a Igreja irá “enfrentar com decisão” o abuso de menores, mas também alertou que a instituição global deve evitar “as polêmicas ideológicas e as políticas jornalísticas” que, segundo ele, exploram os escândalos.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 24-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em um longo discurso de encerramento do primeiro encontro desse tipo, com os chefes das Conferências Episcopais do mundo inteiro, o pontífice condenou os abusos na Igreja e fez referências à sua prevalência em outras áreas da sociedade, advertindo contra o fato de a comunidade de fé ser muito radical em sua resposta.
Em um ponto no discurso de meia hora, o papa chamou os clérigos que abusam de crianças de “instrumentos de Satanás” e declarou abertamente que tal comportamento criminoso “contrasta com a sua [da Igreja] autoridade moral e a sua credibilidade ética”.
Em outro ponto, Francisco disse que, ao responder aos abusos, a Igreja deve evitar o que ele chamou de “extremo” do “justicialismo, provocado pela sensação de culpa pelos erros passados e pela pressão do mundo midiático”.
“O objetivo da Igreja será o de escutar, tutelar, proteger e cuidar dos menores abusados, explorados e esquecidos, onde quer que estejam”, prometeu o papa.
Francisco, então, continuou: “A Igreja, para alcançar tal objetivo, deve se colocar acima de todas as polêmicas ideológicas e as políticas jornalísticas que muitas vezes instrumentalizam, por vários interesses, os próprios dramas vividos pelos pequenos”.
Durante a cúpula de quatro dias, o papa e os prelados concentraram suas discussões sobre três temas principais: a responsabilidade, a prestação de contas e a transparência. Eles também ouviram testemunhos de sobreviventes de abuso e também escutaram um dos sobreviventes tocar violino para eles em uma noite de liturgia penitencial no dia 23 de fevereiro.
Sobreviventes de abusos e seus defensores rapidamente criticaram o discurso de encerramento de Francisco por ter sido curto em detalhes específicos sobre como a Igreja irá combater o abuso sexual.
Anne Barrett Doyle, codiretora do site de rastreamento de abusos BishopAccountability.org, chamou o discurso de “uma impressionante decepção”. Ela acrescentou: “Nós precisávamos que ele oferecesse um plano ousado e decisivo. Ao contrário, ele nos deu uma retórica defensiva e reciclada”.
Em um briefing no fim do dia 24 de fevereiro, o padre jesuíta Federico Lombardi anunciou quatro medidas que serão postas em prática após a conclusão da cúpula.
Lombardi, que moderou a cúpula, disse que uma dessas medidas seria a combinação de um novo motu proprio e de uma nova lei para “fortalecer a prevenção e a luta contra os abusos” dentro da cidade-estado do Vaticano.
O jesuíta disse que a Congregação para a Doutrina da Fé também publicará um novo Vademecum, ou manual, para “ajudar os bispos de todo o mundo a entender claramente os seus deveres e tarefas” em relação ao combate aos abusos.
Francisco falou no dia 24 de fevereiro após a missa de encerramento da cúpula no Palácio Apostólico. A homilia da missa foi proferida pelo arcebispo australiano Mark Coleridge, que refletiu sobre como os prelados católicos usaram mal o poder que lhes foi confiado.
“Mostramos muito pouca misericórdia e, portanto, receberemos o mesmo, porque a medida que damos será a medida que receberemos em troca”, disse Coleridge, presidente da Conferência dos Bispos da Austrália. “Nós não ficaremos impunes.”
Antes de abordar diretamente o abuso de crianças por membros da Igreja em seu discurso posterior, Francisco passou os primeiros minutos de seu discurso discutindo o impacto sociológico mais amplo do abuso. Citando um estudo da Unicef de 2017 sobre os abusos em 28 países, ele observou que 9 em cada 10 meninas vitimizadas foram abusadas por “uma pessoa conhecida ou próxima da família”.
O papa, então, falou de casos de abuso cibernético e daquilo que ele chamou de “chaga da pornografia”, que ele disse ser “um fenômeno em constante crescimento”, e do turismo sexual, citando estatísticas da Organização Mundial do Turismo de 2017, segundo a qual três milhões de pessoas viajam a cada ano em busca de relações sexuais com um menor.
“Estamos, portanto, diante de um problema universal e transversal, que infelizmente se encontra em quase toda a parte”, disse Francisco. “Devemos ser claros: a universalidade de tal chaga, embora confirme a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja.”
Chegando ao abuso na Igreja, o pontífice disse que “não há explicações suficientes” para os padres que agrediram crianças.
“Devemos reconhecer com humildade e coragem que estamos diante do mistério do mal, que se enfurece contra os mais vulneráveis”, disse o papa.
“É por isso que, na Igreja, atualmente, aumentou a consciência de ter que não só tentar conter os abusos gravíssimos com medidas disciplinares e processos civis e canônicos, mas também enfrentar com decisão o fenômeno, tanto dentro quanto fora da Igreja”, continuou.
O papa disse que, na raiva das pessoas pelo abuso, “a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado por esses desonestos consagrados”.
Francisco encerrou seu discurso com uma referência à iniciativa INSPIRE, da Organização Mundial da Saúde, que propõe sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças e, em seguida, apresentou oito pontos que ele afirma que a Igreja se concentrará a partir de agora para desenvolver o seu “itinerário legislativo” sobre os abusos.
O primeiro desses pontos foi uma promessa de que as crianças serão protegidas e de que ocorrerá uma mudança de mentalidade “para combater a atitude defensivo-reativa em salvaguarda da instituição, em benefício de uma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abuso em todos os sentidos”.
O segundo e terceiro pontos foram um compromisso com a “seriedade impecável” em casos de abuso e com uma “verdadeira purificação” na Igreja.
O quarto e quinto pontos consideraram a formação dos padres e o “reforço e verificação” das várias diretrizes de salvaguarda das Conferências Episcopais.
“Nenhum abuso jamais deve ser encoberto, como era habitual no passado, ou subestimado, pois o encobrimento dos abusos favorece a disseminação do mal e acrescenta mais um nível de escândalo", disse Francisco.
O sexto ponto referiu-se ao acompanhamento daqueles que sofreram abusos. O sétimo, ao abuso no mundo digital, e o oitavo, ao turismo sexual.
No sétimo ponto, Francisco propôs que as normas da Igreja sobre pornografia infantil devem ser alteradas para elevar o limiar de idade dos menores que aparecem em imagens pornográficas para acima dos 14 anos atuais.
No briefing posterior, no dia 24 de fevereiro, dois dos organizadores da cúpula sugeriram uma nova mudança que Francisco pode estar levando em consideração: livrar-se do uso do sigilo pontifício, ou confidencialidade, em casos de abuso.
O cardeal indiano Oswald Gracias disse que essa é uma reforma para a qual a Igreja “certamente deve olhar”. O arcebispo maltês Charles Scicluna disse: “Não há nenhuma necessidade dessa lei desproporcional, especialmente em relação a casos de abuso sexual”.
Scicluna, que também é secretário-adjunto da Congregação doutrinal, disse que, com a cúpula, a Igreja foi clara para os bispos sobre como ela espera que eles lidem com casos de abuso.
“Agora é um ponto muito claro na política da Igreja que o abuso de menores é um crime hediondo, mas o acobertamento também é”, disse o arcebispo. “Não há como voltar atrás. Durante décadas, estávamos nos concentrando no crime. Mas também percebemos que encobrir é igualmente hediondo.”
A sessão final da cúpula sobre os abusos, no dia 23 de fevereiro, foi marcada por discursos francos e diretos aos prelados reunidos. As oradoras foram a Ir. Veronica Openibo, religiosa nigeriana das Irmãs do Santo Menino Jesus, e da jornalista mexicana Valentina Alazraki, que cobriu o Vaticano por cerca de 40 anos.
Openibo, superiora da sua ordem e membro do conselho executivo da União Internacional das Superioras Gerais, com sede em Roma, criticou os padres que apoiavam seus coirmãos acusados em vez das vítimas e expressou sérias preocupações sobre as atuais práticas de formação.
A irmã criticou eloquentemente o que chamou de uma cultura da “mediocridade, hipocrisia e complacência”, que, segundo ela, levou a Igreja a “um lugar vergonhoso e escandaloso” (assista abaixo).
Alazraki, que fez 150 viagens ao exterior com os papas desde João Paulo II, disse que os profissionais da sua área podem ajudar os bispos a erradicar as “maçãs podres e a vencer a resistência para separá-las das saudáveis”.
Ela também fez uma promessa.
“Se vocês não se decidirem de maneira radical a estar do lado das crianças, das mães, das famílias, da sociedade civil, vocês têm razão em ter medo de nós, porque nós, jornalistas, que queremos o bem comum, seremos os seus piores inimigos”, disse ela aos prelados (assista abaixo).
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Francisco encerra encontro no Vaticano com promessa de que a Igreja irá ''enfrentar com decisão'' os abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU