25 Fevereiro 2019
Algumas das vítimas de abusos por parte do clero manifestaram neste domingo sua indignação e decepção com as palavras do Papa Francisco, depois do encontro celebrado no Vaticano, ao considerar que não há medidas concretas, mas somente frases feitas. Assim pensa, por exemplo, o espanhol Miguel Hurtado. Ao contrário, Juan Cuatrecasas (pai da vítima de Gaztelueta) se mostra mais conciliador.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 24-02-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Miguel Hurtado, que denunciou abusos sexuais no passado por parte de um monge da abadia de Montserrat e é um dos porta-vozes da Organização Global de Vítimas (ECA), afirmou que as palavras do Papa Francisco foram como "uma bofetada".
"O Papa Francisco deu uma bofetada em todas as vítimas de pederastia dos cinco continentes que foram até Roma para exigir explicações", disse o psiquiatra e ativista, no final do discurso de Francisco.
Hans Zollner, Papa Francisco e Federico Lombardi. Foto: Religión Digital
Hurtado denunciou que a metade do discurso do pontífice foi dedicada aos "abusos fora da Igreja". "Nós fomos abusados dentro da Igreja, por sacerdotes católicos, por monges e professores católicos. Esperávamos uma resposta que o Papa não nos deu", acrescentou.
A respeito dos oito pontos que o Papa indicou para combater os casos de abusos a menores por parte de membros da Igreja, Hurtado afirmou que "eram muito genéricos" e que falta "concretude" para eles.
Entre esses pontos estava a necessidade de "defender os menores" e para isso apelou "à mudança da mentalidade para combater a atitude defensivo-reacionária de salvaguardar a Igreja".
Assim como a obrigação de uma total "seriedade" da Igreja na hora de abordar os casos, também garantiu que "não se cansará de fazer tudo o que for necessário para levar à justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes".
Francisco igualmente indicou a necessidade de ter mais cuidado na "seleção e na formação dos candidatos ao sacerdócio".
"Não falou de entregar à Justiça os responsáveis, de entregar os documentos à magistratura e não destruí-los, como revelou um dos bispos, não disse que os responsáveis pelos abusos vão perder seu posto de trabalho, nem falou em indenizar economicamente as vítimas... Não ficou nenhuma medida na mesa", lamentou.
Hurtado considerou que se o Papa tivesse recebido os membros das associações de vítimas não teria feito um discurso tão lamentável. Explicou que durante a reunião que realizaram com o comitê organizador havia sido entregue uma "agenda de mudanças" e "um plano de ação", mas, "como sempre, não nos ouviram".
Enquanto isso, o italiano Francesco Zanardi, presidente da Rede de Vítimas do país, também lamentou que o Papa tenha pronunciado somente "frases feitas" e não falou de "procedimentos concretos, de demissões de bispos, de denúncias à magistratura". Qualificou esta reunião de três dias da qual participaram 190 líderes da Igreja católica como uma "grande desilusão", assim como o discurso do Papa.
Afirmou que "a campanha de tolerância zero anunciada pelo Vaticano se converteu em credibilidade zero". "Aos olhos dos meus colegas, o Vaticano já não é acreditável", sentenciou.
Por sua vez, Juan Cuatrecasas se mostra mais conciliador. Garante que sua reação depois do discurso do Papa é "positiva, mas com cautela e ceticismo". Em sua opinião, trata-se de "um início", mas considera inevitável criar "comissões externas independentes e imparciais". E conclui: "As palavras do Papa são positivas, mas só o serão [de verdade] quando o mecanismo proposto comece a se mover e vejamos fatos, não só palavras".
Nossa opinião a respeito da densa argumentação do Papa Francisco durante a Missa de hoje na Sala Régia Vaticana contra a pederastia na Igreja não pode ser mais positiva, mas com o respeito devido também é de cautela e de ceticismo.
Sabemos que tudo o que foi exposto é um início, um programa de vários pontos de necessário, urgente e inevitável cumprimento. Mas é necessário criar uma estrutura externa que monitore e controle o cumprimento estrito de tudo isso.
Também é uma exigência que todos os âmbitos e congregações, evidentemente também as prelazias devam ter a exigência urgente de cumprir com estes pontos, um por um. Maristas, Jesuítas, Salesianos, Sodalício, Opus Dei, seminários maiores e menores, bispados, âmbito cardinalício, clérigos e religiosos, todos devem ser fiéis à palavra do Papa hoje.
A criação de comissões externas com profissionais independentes e imparciais que ajudem e controlem o seguimento e cumprimento das propostas surgidas depois do encontro é necessária e imprescindível. Do contrário, nosso ceticismo não mudará e seguiremos na denúncia do tratamento que a Igreja dá a suas vítimas, vítimas de pederastia.
Nesse sentido, quero fazer um chamado e exigir que a Opus Dei e o restante das congregações e prelazias deem um passo definitivo à frente, reconheçam seus erros e suas vítimas e ponham com sincera humildade à disposição das vítimas os canais adequados para cumprir as propostas surgidas deste encontro. Se o silêncio, o encobrimento, a maquiagem e o verniz continuarem presidindo sua omissão do dever cristão de socorro seremos duros e implacáveis como fomos até agora.
São palavras positivas as do Papa, mas só o serão [realmente] quando o mecanismo proposto começar a se mover e vejamos fatos, não somente palavras.
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Vítimas divididas diante do discurso do Papa no encerramento do encontro antipederastia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU