17 Janeiro 2019
O Opus Dei é conhecido por ser um dos grupos mais tradicionais e dogmáticos da Igreja Católica. Por isso, quando o Washington Post relatou, na semana passada, o pagamento de quase 1 milhão de dólares para resolver uma acusação de abuso sexual contra um dos seus mais proeminentes sacerdotes gerou espanto e levantou novas questões sobre a resposta da Igreja à crise de abuso clerical.
A reportagem é de Christopher White, publicada por Crux, 15-01-2019. A tradução é Luísa Flores Somavilla.
Em seu cargo no influente Centro de Informação Católica (CIC), na rua K, no início dos anos 2000, o padre C.J. McCloskey foi responsável por alguns dos mais proeminentes conservadores do país dentro da Igreja Católica, como Sam Brownback, agora embaixador para a liberdade religiosa internacional; Larry Kudlow, atual diretor do Conselho Econômico dos EUA; Newt Gingrich, ex-porta-voz da Câmara; e Robert Bork, que já foi indicado para ser juiz do Supremo Tribunal.
Fundado por um padre espanhol em 1928 e estabelecido como prelazia pessoal por São João Paulo II em 1982, o Opus Dei cresceu e tornou-se uma organização com quase 100.000 membros, composta principalmente por leigos e leigas. Com ênfase na santidade pessoal, o Opus Dei está entre os grupos mais conhecidos dentro da Igreja e tem gerado várias controvérsias relacionadas a acusações de sigilo, riqueza e controle indevido de membros, bem como seu perfil geralmente conservador.
A forma anteriormente sigilosa como foi resolvida uma acusação de má conduta com uma mulher que McCloskey acompanhava gerou novas interrogações sobre seu passado e o modo do Opus Dei de lidar com o caso, bem como esclareceram pontos sobre os desafios da Igreja dos EUA na resposta aos casos de abuso sexual.
Quando McCloskey entrou em cena como capelão da Universidade de Princeton, em meados dos anos 80, tornou-se imediatamente uma figura polarizadora.
Formado em outra instituição da Ivy League - a Universidade de Columbia - e tendo trabalhado temporariamente em Wall Street antes de entrar para o sacerdócio, McCloskey ficou conhecido pela defesa explícita dos valores e da doutrina católica, característica que inspirou alguns alunos e enfureceu outros.
"Com a confiança que tinha, parecia que era de Nova York”, disse uma fonte próxima a ele ao Crux.
McCloskey, ardente conservador teológico e político, aconselhava os alunos em relação a que disciplinas cursar ou não, enviando uma lista de recomendações com o aviso: "Lembre-se: tudo depende da perspectiva do professor. Uma disciplina pode parecer bastante interessante e estimulante, mas se for dada por uma pessoa anticristã, o impacto é contraproducente."
Como diretor do Aquinas Institute (Instituto São Tomás de Aquino), o ministério católico da universidade, ele apresentou aos alunos clássicos espirituais e encorajou uma espiritualidade ativa, com foco no sacramento da confissão.
De acordo com vários relatórios do jornal Daily Princetonian, para seus aliados seu zelo era parte natural do seu papel de estimular os alunos a buscar a santidade. Detratores questionaram seu aconselhamento a estudantes na seleção das matérias e o modo como falava sobre sexo no confessionário.
Um artigo publicado em fevereiro de 1990 no Daily Princetonian observou que um grupo informal de 15 estudantes católicos se encontrou regularmente por três anos para criar estratégias sobre como fazer com que ele deixasse a universidade.
Um estudante, que falou com o Crux reservando sua identidade, disse que McCloskey demonstrava um anseio para confrontar divergências ideológicas. Além disso, observou que McCloskey era conhecido por fazer perguntas investigativas no confessionário, e que pelo menos uma vez uma aluna saiu de seu gabinete chorando.
Outro professor de Princeton elogiou o intelecto de McCloskey e defendeu a forma como desafiava os alunos, mas observou que McCloskey ser dependente do álcool, o que às vezes o levava a falar devagar em eventos públicos.
Um funcionário do Opus Dei confirmou ao Crux que ele lutava contra o uso do álcool.
Em julho de 1990, depois que o então diretor do instituto, o padre Vincent Keane, recebeu várias reclamações contra McCloskey e um abaixo-assinado de 50 alunos e professores pedindo sua demissão, McCloskey foi removido do cargo.
Em Washington, como líder recém-chegado do CIC - uma livraria e ponto de encontro intelectual e atividade espiritual - McCloskey estabeleceu muitas conexões com os poderosos da cidade.
A missa do meio-dia do CIC ficou conhecida por reunir a nata dos círculos conservadores, e sua lista de leituras católicas obrigatórias (intitulada “Catholic Lifetime Reading Plan”), com obras desde a biografia de João Paulo II escrita por George Weigel até clássicos modernos de G.K. Chesterton e Thomas Merton e obras espirituais, como Confissões, de Santo Agostinho, e História de uma alma, de Santa Teresa de Lisieux, influenciaram tanto o acervo da livraria como a mente dos apoiadores de McCloskey.
Em 2002, uma mulher - hoje de meia-idade -, que disse buscar apoio espiritual para "problemas conjugais e depressão espiritual", alegou que ele fazia perguntas detalhadas sobre sua vida sexual e tocava-a em várias ocasiões, o que causou a depressão e levou à sua decisão de deixar o bom emprego que tinha na época.
Ela disse ao Washington Post que conversou com ele sobre "a culpa mal interpretada dela sobre a interação" em uma confissão - e ele a absolveu.
O Opus Dei, que foi informado depois que ela buscou assistência jurídica, abriu uma investigação interna que durou mais de um ano.
O canonista Nicholas Cafardi, decano emérito da Faculdade de Direito da Universidade de Duquesne e membro original do Conselho de Revisão para a Proteção das Crianças e dos Jovens, da Conferência dos Bispos dos EUA (USCCB), disse ao Crux que se McCloskey absolveu a vítima de um pecado sexual do qual ele próprio participou, isso geraria excomunhão automática.
Brian Finnerty, porta-voz do Opus Dei nos Estados Unidos, disse ao Crux que a ordem não achava que McCloskey tivesse violado o direito canônico.
Após o incidente, McCloskey foi removido do cargo e transferido para Londres, no que ele chamou de ano sabático.
Em uma entrevista ao Crux, Jack Valero, assessor de imprensa do Opus Dei no Reino Unido, disse que a informação recebida foi de que McCloskey seria transferido para a Grã-Bretanha e que precisava descansar após um caso de má conduta com uma mulher quando estava em Washington e pela luta contínua contra o álcool.
Valero disse que todas as comunicações internas entre os centros do Opus Dei ocorrem através de memorandos não assinados. Em Londres, Valero disse que McCloskey recebeu tratamento para o abuso de álcool e participou da programação regular do Opus Dei.
Várias fontes disseram ao Crux que ele participou ativamente dos círculos católicos de Londres - reunindo-se com membros do Parlamento, escrevendo e organizando retiros. Tanto Valero quanto Finnerty disseram que, após a saída do CIC, o ministério formal de McCloskey era limitado aos homens.
Em 2004, quando se decidiu que McCloskey sairia permanentemente do CIC e não teria mais faculdades sacerdotais na Arquidiocese de Washington, o Opus Dei enviou uma carta à diocese de Westminster pedindo permissão para ele exercer o ministério sacerdotal em Londres.
E McCloskey foi considerado apto. Valero comentou que a carta não relatava o tratamento para o abuso de álcool, mas observava que haviam informado o bispo auxiliar de Westminster verbalmente que McCloskey estava em tratamento para questões envolvendo álcool.
Em Londres, a mulher que supostamente foi abusada por McCloskey pediu uma indenização, e, por isso, sua permanência de seis meses foi estendida para um ano. Depois, em 10 de janeiro de 2005, chegou a Chicago.
Em 31 de janeiro de 2005, o padre Peter Armenio, Vigário do Opus Dei para a região centro-oeste dos EUA, enviou uma carta ao arcebispo de Chicago, o cardeal Francis George, pedindo permissão para McCloskey atuar na arquidiocese.
"Pelo que conheço do foro externo, acredito que o padre Charles John McCloskey tem bom caráter e boa reputação", declarava a carta, a que o Crux teve acesso.
"Além disso, não tenho conhecimento de que o padre Charles John McCloskey tenha um problema não tratado de abuso de álcool ou outras substâncias hoje em dia”, acrescentava.
Em uma declaração, no dia 10 de janeiro, o Monsenhor Thomas Bohlin, Vigário do Opus Dei nos Estados Unidos, esclareceu que Armenio tinha informado pessoalmente George sobre as acusações de má conduta de McCloskey e que George também falou com a vítima por telefone.
"Suas atividades foram restringidas em relação a suas atribuições”, diz o comunicado. Acrescenta, ainda, que "durante todo o tempo em que esteve em Chicago, ele teve poucas atribuições pastorais para atividades envolvendo mulheres".
A arquidiocese de Chicago e o Opus Dei afirmaram que não receberam nenhuma reclamação de McCloskey durante seu período em Chicago, de onde ele saiu em 2013 e foi para Menlo Park, na Califórnia.
Mike Brown, diretor de comunicação da arquidiocese de São Francisco, disse ao Crux que representantes do Opus Dei se reuniram com o arcebispo Salvatore Cordileone para informá-lo sobre o histórico de McCloskey.
Finnerty confirmou que houve uma reunião entre Cordileone, o monsenhor Thomas Bohlin, vigário para os Estados Unidos, e o padre Luke Mata, vigário para a Califórnia, no dia 10 de setembro de 2013.
"Eles informaram o arcebispo que o padre McCloskey tinha problemas com uso de álcool e estava recebendo tratamento", disse Finnerty. "Não mencionaram o incidente com a mulher, porque já havia passado mais de dez anos desde que ocorreu, em Washington, e não houve nenhuma outra queixa a respeito desde então (nem antes de ir para Washington)."
Na Califórnia, McCloskey exerceu um ministério relativamente tranquilo, apesar de regularmente contribuir com colunas para o National Catholic Register e o The Catholic Thing e ser comentarista do canal de TV EWTN até o fim de 2016.
Nesse mesmo ano, no entanto, ele retornou para a região de Virgínia, onde atualmente reside, segundo relatos de sua família ao Washington Post. Aos 65 anos, ele tem Alzheimer avançado e recebe cuidados em tempo integral.
No entanto, surgem relatos de sua má conduta em um momento em que a Igreja dos EUA está enfrentando uma grande crise de abuso sexual e acobertamento.
Finnerty disse ao Crux que as revelações de McCloskey balançaram o Opus Dei e geraram uma análise interna de suas próprias políticas.
"Nosso entendimento da situação [de McCloskey] tem evoluído com o tempo", observou.
"Foi muito difícil ouvir o que ouvimos pelo que sabíamos sobre o padre C. J. McCloskey, que era conhecido por ser dedicado e esforçado”, declarou.
Finnerty disse que o incidente de má conduta sexual de 2002 foi o primeiro - e até agora, o único - caso do Opus Dei nos Estados Unidos. Ele admitiu que faltavam protocolos internos adequados para avaliar a situação.
Observou, ainda, que outras duas mulheres denunciaram McCloskey, e que as queixas estão sendo investigadas. Uma das queixas envolveu objeções ao modo como McCloskey a abraçou.
Finnerty disse ao Crux que abraçar as mulheres é contra o protocolo do Opus Dei.
"Fizemos o que podíamos para tentar fazer o padre McCloskey não chamar a atenção”, disse.
Em relação às restrições específicas impostas após a primeira denúncia ao Opus Dei, Finnerty disse que logo após sua saída de Washington, o "ministério pastoral [de McCloskey] ficou limitado a homens".
As atividades espirituais do Opus Dei já são separadas entre homens e mulheres, e as confissões ocorrem atrás da tela do confessionário. Finnerty disse que apesar de algumas críticas públicas dessa prática, "esse caso demonstra que há boas razões para isso". Acrescentou também que McCloskey não seguiu essas políticas, resultando no incidente.
"O fato de que ela era emocionalmente frágil constitui um abuso sexual ainda maior", admitiu. "Independentemente de onde ele colocou a mão, foi abuso sexual. Ponto final."
Para Finnerty, “por enquanto parece que as restrições impostas [a McCloskey] funcionaram". Mas ele “acha” que se acontecesse hoje McCloskey teria de sair do ministério público.
"No ambiente atual, essa acusação teria de se tornar pública. Depois que algo assim acontece, a atuação como sacerdote ficaria arrasada", disse.
Cafardi, que ajudou os bispos dos EUA a passar pela crise de abuso sexual quando ela explodiu, disse que apesar de não ser um caso típico da Carta de Dallas, "é possível fazer algumas comparações lógicas".
"Parece que restringir seu ministério seria uma forma de lidar com a situação”, acrescentou. "No caso, há um elemento muito semelhante ao abuso sexual, que é um sacerdote se aproveitar de seu poder."
Tendo em conta o que agora se sabe, ele acrescentou que "seria melhor tirá-lo do ministério completamente".
Apesar de afirmar que o Opus Dei tem um processo de revisão interna para os casos de abuso contra menores para estar em conformidade com a Carta de Dallas publicada em 2002 pelos bispos dos EUA, Finnerty disse que ainda é preciso estabelecer protocolos para avaliar outros casos envolvendo adultos vulneráveis.
Ele contou ao Crux que, na semana passada, pediram auxílio à arquidiocese de Nova York, para usar seus conhecimentos sobre como lidar com esses casos e abriram uma linha telefônica para possíveis vítimas denunciarem.
Enquanto a prelazia busca processar os eventos da semana passada, Finnerty disse que ele, com muitas outras pessoas do Opus Dei, ainda estão sofrendo e tentando encontrar o equilíbrio delicado entre retomar questões do passado e entrar em litígio, dando uma resposta adequada à vítima, e restabelecer a credibilidade da instituição.
"O que ficou claro é que naquele gabinete não havia apenas uma pessoa emocionalmente frágil, mas duas", refletiu, acrescentando que não queria discutir mais detalhes do caso para que outras vítimas não deixassem de apresentar queixa.
Dada a atual crise na Igreja, em que a conduta da Igreja de casos de abuso a menores e a adultos vulneráveis - bem como o acobertamento de ambos - está sob escrutínio global, essa posição é insustentável, segundo Finnerty.
"Nós, da Igreja Católica, perdemos o poder discricionário para fazer isso", declarou.
Em um momento em que dioceses em todos os Estados Unidos estão acertando as contas com casos do passado e a divulgação de casos de padres acusados aumentaram drasticamente, particularmente pelo relatório da Suprema Corte da Pensilvânia, que relatou sete décadas de abuso em seis dioceses católicas do estado, Cafardi observou que as ordens religiosas e os movimentos como o Opus Dei “têm mais para dizer”.
"Até sabermos a história completa de eventos como o de McCloskey ou do relatório da Suprema Corte da Pensilvânia, a Igreja vai continuar escolhendo sofrer.”.
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