24 Setembro 2018
“Não há outros objetivos neste acordo. Os desafios fundamentais são de caráter pastoral; hoje é necessário anunciar o Evangelho e, provavelmente, este acordo também será um sinal, um sinal de esperança, um sinal de paz em um mundo em que continuam a se construir muros, especialmente entre o Ocidente e o Oriente”, disse o padre Antonio Spadaro, SJ, diretor da revista La Civiltà Cattolica, sobre o histórico acordo entre o Vaticano e a China.
A entrevista é publicada por Religión Digital, 23-09-2018. A tradução é de André Langer.
Padre Antonio Spadaro, o que muda para a Igreja chinesa com a assinatura do acordo entre a Santa Sé e o governo de Pequim?
Com este acordo já não existem mais aquelas dificuldades que mantiveram a Igreja dividida em duas comunidades. Neste ponto, não há obstáculos para a comunhão da Igreja em seu conjunto na China e na sua relação com o Santo Padre. Este é o objetivo alcançado com este acordo provisório. Ao mesmo tempo, conclui-se um longo processo, iniciado por João Paulo II, de legalização, ou seja, de readmissão à comunhão com o Papa dos bispos que foram ordenados ilegalmente, ilicitamente, isto é, ordenados pelo governo sem o mandato pontifício. De 2000 até hoje, há cerca de 40 bispos legitimados. Francisco completou esta obra. Sem dúvida, será um passo importante também para a missão do Evangelho. A Igreja, não mais dividida, poderá ser mais livre, vivendo um processo de reconciliação, de anunciar o Evangelho, que é o mais importante.
O que podemos encontrar neste acordo provisório como resultado da carta que Bento XVI escreveu aos católicos chineses em 2007?
Bento XVI tinha uma ideia muito clara: era preciso encontrar uma maneira de estabelecer uma confiança entre o governo chinês, as autoridades chinesas e a Santa Sé. E a confiança abriria espaços para o diálogo e, pouco a pouco, chegaríamos ao ponto em que chegamos hoje. Portanto, eu diria que Francisco tornou realidade os profundos desejos escritos por Bento XVI nesse documento tão importante.
Que consequências pode ter a assinatura deste acordo provisório para as Igrejas asiáticas, onde os católicos são quase sempre minoria?
A Ásia é o continente do futuro. Há muitos católicos na Ásia: às vezes, são pequenas comunidades e em alguns países são extremamente dinâmicas. Comunidades que poderíamos definir como “zero vírgula”: pequenas, mas extremamente fortes; sementes de um futuro. A China tem uma grande necessidade espiritual: ela está manifestando isso. As conversões ao cristianismo atingem porcentagens muito altas. São geralmente conversões ao protestantismo, porque as comunidades protestantes não têm laços particulares, dificuldades com o governo e, portanto, estão mais lançadas para a missão. A Igreja católica hoje é chamada a responder a este grande desejo de Evangelho.
Nós falamos de um longo e doloroso passado; estamos falando de um novo presente, que começa sob os melhores auspícios; procurando imaginar o futuro, o que se pode dizer?
O futuro consiste em pregar o Evangelho. Não há outros objetivos neste acordo. No entanto, há uma dimensão pastoral que, evidentemente, carrega consigo sementes do futuro. Então, também devemos entender o que isso significa para a Igreja universal. Por exemplo, Bento XVI, na sua introdução ao livro Luz do mundo, publicada na edição chinesa, expressava o desejo de um cristianismo chinês, isto é, totalmente cristão e totalmente chinês. O que isso significará em termos de teologia, de reflexão, considerando a grande cultura deste país ao qual o Papa Francisco se dirigiu muitas vezes, definindo-se “admirado” por essa sabedoria? Repito, os desafios fundamentais são os desafios de caráter pastoral; hoje é preciso anunciar o Evangelho e, provavelmente, este acordo também será um sinal, um sinal de esperança, um sinal de paz em um mundo em que continuam a se construir muros, especialmente entre o Ocidente e o Oriente.
A assinatura deste acordo provisório coincidiu com a primeira etapa da viagem do Papa Francisco aos Países Bálticos, a Lituânia. Falando às autoridades e aos jovens, o Papa disse que é importante preservar a alma e redescobrir as raízes de um povo. Pode-se dizer que esta mensagem também é válida para os católicos na China?
A mensagem de Francisco aqui na Lituânia é, certamente, válida para todos os católicos, inclusive os católicos chineses. Quando o Papa aqui em Vilnius falou de raízes, também falou de acolhida e de abertura. Ou seja, fundamentalmente, devemos recuperar as raízes não tanto para nos agarrar a elas, mas sem dar frutos: as raízes são raízes de árvores que dão frutos. E o Papa disse muito claramente, ao aterrissar em Vilnius, que este é um país que, forte em suas raízes, tem sido capaz de acolher pessoas de diferentes nacionalidades, línguas e religiões. Este é o futuro.
A Companhia de Jesus na China tem uma longa história que começou há vários séculos – há 500 anos – com o padre Matteo Ricci. Qual é o significado da assinatura deste acordo também para os jesuítas?
Para nós, jesuítas, este acordo significa muito, porque dizemos que no coração de cada jesuíta está a China. Matteo Ricci era um homem formado na cultura renascentista e, absorvendo a cultura europeia, decidiu ir para a China e isso – precisamente sua formação – permitiu-lhe dialogar com a cultura deste grande país: ele se apaixonou por ela e a absorveu. E os jesuítas depois dele elaboraram, aprenderam essa cultura, incluindo o confucionismo, e a transmitiram à Europa. Ou seja, de alguma forma, realizaram a sinização da Europa.
É impressionante ver como a evangelização, para esses primeiros jesuítas, passa por um profundo amor pela cultura de um povo. Portanto, não há nenhum desejo de evangelização integral ou quase de missão cultural, mas existe o desejo de conhecer um povo e suas ideias. Também fiquei muito impressionado com o fato de que o Global Times, um jornal oficial chinês, no mesmo dia do acordo assinado entre a China e a Santa Sé, tenha definido o Papa Francisco como “o primeiro papa jesuíta” e o ligasse diretamente a Matteo Ricci, dizendo que este homem [o Papa Francisco], assim como seu predecessor, tinha e tem uma relação muito flexível e dinâmica para a evangelização, capaz de amar o seu povo. Isso me impressionou, porque esse é exatamente o significado do acordo: construir confiança, amar um povo.
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“O acordo Roma-Pequim é um sinal de esperança e de paz”. Entrevista com Antonio Spadaro, SJ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU