10 Fevereiro 2018
A realidade da Igreja católica na China é mais multiforme e complexa do que certas representações que são feitas a respeito dela. É o que demonstra o caso de Pedro Zhuang Jianjian, o bispo de Shantou. Nas últimas semanas, seu caso foi utilizado pela campanha midiática-clerical construída para frear um possível acordo entre a Santa Sé e as autoridades de Pequim, a respeito das nomeações episcopais na China. Agências envolvidas contra a hipótese de um acordo, apresentaram Zhuang, de 87 anos, como um membro da chamada “Igreja subterrânea”, que se tornou bispo “por ordem do Vaticano em 2006”, e rejeitado pelo mesmo Vaticano para deixar o lugar a um bispo ilegítimo, mas que “agrada” ao governo chinês.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada por Vatican Insider, 08-02-2018. A tradução é do Cepat.
Na trama criada para o deleite dos mais influentes meios de comunicação globais, o caso de Pedro Zhuang se oferecia como a prova definitiva de que o Vaticano estava cedendo aos ditames de Pequim. Descreveram, por exemplo, suas lágrimas “impotentes” e “tristes” quando chegou a solicitação (que lhe foi apresentada em nome do Papa) de se tornar, aos 87 anos, bispo emérito de sua diocese, para dar lugar, como bispo ordinário de Shantou, a José Huang Bingzhang, de 51 anos e que em 2011 foi excomungado por ter recebido a ordenação episcopal sem o aval do Papa (e que será admitido novamente pelo Papa na comunhão com a Igreja). Contudo, para que a história “funcionasse” foram omitidos alguns detalhes que poderiam colocar em risco toda a operação midiática.
Na realidade, diferentes fontes eclesiais chinesas confirmaram ao Vatican Insider que Pedro Zhuang nunca fez parte da área católica “clandestina”. Foi ordenado sacerdote em 1986 por Aloysius Jin Luxian, o jesuíta de Xangai que nessa época era um bispo ilegítimo, ou seja, ordenado sem o mandato apostólico do Papa. O governo não reconheceu Zhuang como bispo de Shantou, mas, apesar disso, como estava registrado como sacerdote, figura entre os membros da cúpula da Associação patriótica no condado de Jiexi, na província de Guangdong. Também foi membro local do Congresso do Povo. Desde os anos 1990, tem colaborado com os escritórios dos organismos “patrióticos” locais.
É importante recordar que em Shantou não havia e nem há uma realidade católica “clandestina”. Todos os sacerdotes estudaram nos seminários financiados e submetidos ao controle do governo. Mas, a comunidade local foi se polarizando de uma forma cada vez mais concentrada ao redor das disputas sobre as nomeações episcopais, e também estas disputas nascem da rivalidade entre dois diferentes grupos étnicos. Hakka e Chaozhou. Zhuang faz parte da etnia Hakka, assim como outros dois bispos da região (José Gan Junqiu, bispo de Guangzhou, e José Liao Hongqing, bispo de Meixian).
As fontes locais com as quais Vatican Insider entrou em contato se referem ao fato de que, nos últimos anos, a questão da fidelidade ao Papa e à Santa Sé se tornou um instrumento para encobrir a verdadeira natureza das disputas intraeclesiais. As mesmas fontes acrescentam que um grupo de jovens sacerdotes, da mesma etnia de Zhuang, agora está ao redor do bispo ancião, influenciam em suas decisões e apostam em que um deles se torne o futuro bispo ordinário de Shantou.
Aqueles que se opõem a um possível acordo entre a Santa Sé e a China Popular criaram uma campanha ao redor do caso do bispo Zhuang, chegando inclusive a ventilar dados sobre questões delicadas e íntimas, como as decisões de consciência às quais são chamados os bispos em seu vínculo de comunhão com o Sucessor de Pedro. Fabricaram a “narração” do bispo ancião e fiel, desprezado por uma Cúria romana que deseja alcançar êxitos diplomáticos, inclusive chegando a “dilapidar” a fidelidade e o sofrimento dos católicos chineses para conseguir seu objetivo. Mas, justamente o caso do bispo Zhuang, pastor que permaneceu fiel à Igreja católica e ao Papa, revela as aporias e a natureza manipuladora de todo este arsenal.
O bispo que teria sido “sacrificado” para que avancem as relações com o governo chinês, na realidade, está em contato permanente com os organismos patrióticos que respondem ao Partido. Esses mesmos organismos que, segundo os inimigos do acordo sino-vaticano, representam o sinal distintivo e o fator genético de uma Igreja chinesa cismática, distanciada da Igreja de Roma.
Na realidade, precisamente a trajetória humana e cristã do bispo Zhuang (não reconhecido como bispo pelo governo, ainda que seja titular de postos nos organismos “patrióticos” filo-governamentais) demonstra que, nos caminhos tortuosos pelos quais a Igreja na China passa, estar obrigatoriamente envolvidos nesses organismos patrióticos não representa uma contradição insuperável em relação ao pertencimento à Igreja católica ou à fidelidade pública ao Papa e ao vínculo de comunhão hierárquica com ele. É o que demonstra, com o seu pesar, os adversários monolíticos do possível acordo entre a Sé Apostólica e o governo chinês. Esses que, nos últimos dias, exaltaram Zhuang como um dos bispos fiéis ao Papa, cuja fidelidade teria sido traída e desprezada justamente pela Santa Sé.
Quem vê a situação com olhos críticos e sem orientações ideológicas, também no caso do bispo de Shantou (não reconhecido como bispo, mas plenamente como parte das estruturas “patrióticas” que controlam a Igreja) pode ver a linha e os nós que converteram em uma condição anômala a vida da comunidade católica chinesa. Incluído o perigo de novos carreirismos clericais, alimentados também pela concentração exclusiva sobre a questão das nomeações episcopais que, nos últimos anos, condicionou duramente as vivências reais da Igreja na China. Uma solução da questão dos mecanismos de seleção do episcopado, acordada entre Pequim e a Sé Apostólica, deveria também servir para favorecer uma redescoberta da natureza própria do ministério episcopal, que ajude a escolher como bispos verdadeiros pastores. Também deveria servir para distanciar das redes episcopais chinesas os caçadores de títulos e posições de poder político-clerical.
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A verdadeira história do bispo Zhuang, fiel ao Papa e “patriótico” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU