24 Setembro 2018
A assinatura do acordo entre a Santa Sé e a China agora é definitivo. Mons. Antoine Camilleri, subsecretário do Vaticano para as relações com os Estados, assina nos próximos dias o primeiro texto em comum entre duas "potências" tão assimétricas, a China e a Santa Sé, que nunca tiveram relações oficiais desde 1949, quando Mao Tzé-Tung proclamou a República Popular.
O comentário é de Andrea Riccardi, publicado por Corriere della Sera, 22-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1951, o internúncio do Vaticano em Pequim, Riberi, que não tinha tido nenhuma relação com as novas autoridades comunistas, teve que deixar o país e foi para Hong Kong. Uma longa temporada de distanciamento começou entre Pequim e o Vaticano, considerado pelos chineses, na atmosfera da Guerra Fria, como uma força estrangeira, ocidental e imperialista.
Em decorrência dessa visão, foi criada a Associação Católica Patriótica Chinesa, em 1958, para organizar os católicos no novo quadro político. Assim, há sessenta anos, começaram as ordenações de bispos não nomeados nem reconhecidos pelo Vaticano, geralmente padres que acreditaram que precisavam assumir tal posição para salvar o possível.
Nascia a que foi chamada de "Igreja Patriótica", que conservou prédios e locais de culto abertos aos fiéis. Por outro lado, falava-se de uma "Igreja clandestina", com bispos reconhecidos por Roma, que acreditavam ter que resistir ao controle do governo. Entre os dois mundos, os patrióticos e os clandestinos não existiu uma bifurcação clara, mas houveram contatos e sobreposições: mesmo no quadro de uma Igreja na China, o catolicismo resulta dividido.
O primeiro resultado do acordo entre a China e o Vaticano é unificar o episcopado em união com o Papa: cria-se assim uma orientação unitária para uma igreja, desafiada pela secularização que toca especialmente os católicos mais jovens e pela disseminação de Igrejas neoprotestantes, muito ativas e organizadas, muitas vezes em comunidades locais. É um grande sucesso, porque não existe no mundo uma Igreja tão dividida como a chinesa e uma divisão entre católicos nunca durou tanto tempo. A unificação é a premissa de um novo ímpeto do catolicismo na China.
Outro resultado significativo é que o governo chinês leva a Santa Sé a sério como interlocutora também para resolver uma questão religiosa entre os chineses. Afinal, a China, no auge de sua força política e econômica, absorvida por tantas questões geopolíticas, teria podido considerar a diplomacia do Papa como uma "quantité négligeable". Mas não foi assim, e hoje o representante do Papa entra em Pequim pela porta principal. Não há mais negociações secretas, mas um acordo oficial que reconhece dignidade à Santa Sé e ao catolicismo chinês. É um sucesso do papa Francisco e de seu secretário de Estado, Parolin, há muito empenhado nas questões chinesas.
Não faltaram críticas às negociações e ao acordo. A principal acusação é que está se entregando o catolicismo ao poder político e, com um acordo parcial, vende-se uma Igreja que teve tantos mártires.
É a consciência dos sofrimentos, juntamente com a necessidade de enfrentar novos desafios, que levou o Vaticano para este caminho, ciente da delicadeza da situação e do sacrifício de tantos católicos no passado. Entrar em uma nova temporada talvez não seja fácil para todos os católicos. Mas a Igreja quer encontrar novos espaços, numa sociedade que se tornou muito mais plural e pulsante do que no passado. A política do acordo é aquela dos "pequenos passos". Significativamente, o texto assinado não será tornado público. O acordo identifica um mecanismo, considerado provisório e que necessita ser testado, para a nomeação dos bispos.
É um fato decisivo para a Igreja, sobre o qual se chegou a um compromisso: as comunidades católicas chinesas, o governo e a Santa Sé terão, todos os três, um papel no processo de escolha. O Papa conserva a possibilidade de recusar a indicação. São mecanismos usados no passado. Os governos espanhóis e portugueses, com o “patronato régio”, escolhiam os bispos em seus domínios, que depois o papa instituía. Na China do passado, muitos assuntos religiosos eram gerenciados pela França. Até mesmo a Espanha de Franco e alguns países latino-americanos escolhiam os bispos.
O acordo não conclui um processo, mas abre um caminho, que exigirá uma constante relação de negociação entre o Vaticano e a China. Para esse fim, uma representação estável do Vaticano em Pequim ajudará nos contatos e na identificação de candidatos ao episcopado adequados, pastorais e aceitos pela China e pelos católicos chineses. Resta o fato histórico que o acordo de Pequim, apesar das discussões que irá provocar, derruba um dos últimos muros da Guerra Fria.
Veja o vídeo em inglês, com legenda em português, realização da revista America, sobre a Igreja na China
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O acordo Vaticano-China, um sucesso de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU