06 Novembro 2017
“Uma característica clara da geopolítica bergogliana consiste em não dar apoios teológicos ao poder para que possa se impor ou para encontrar um inimigo que deve ser combatido. A espiritualidade não pode ser ligada a governos ou pactos militares: ela está a serviço de todos os homens. As religiões não podem ver alguns como inimigos jurados e a outros como amigos eternos”, escreve Antonio Spadaro SJ, em artigo publicado por La Civiltà Cattolica, 04-11-2017. A tradução é de André Langer.
E adverte: “A tentação de projetar a divindade sobre o poder político, que se reveste dela para seus próprios propósitos, é transversal. Também nos pactos do mundo católico retorna, às vezes, semelhante tentação. Mas a fé não tem necessidade de um apoio no poder. Caso se seguisse esse caminho, no final, a religião se tornaria a garantia dos grupos dominantes. É exatamente o que Francisco teme e não quer”.
Na quarta-feira, 24 de maio de 2017, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump [1], fez uma visita ao Papa Francisco no Vaticano. O encontro durou cerca de trinta minutos e aconteceu às 8h30 da manhã para permitir que o pontífice pudesse se deslocar até a Praça São Pedro para a Audiência Geral.
Por essa razão, o presidente acessou o Vaticano pela porta do Perugino, uma entrada secundária situada junto ao prédio da Casa Santa Marta.
Tratava-se de um encontro organizado no contexto de uma viagem que levou Donald Trump primeiro para a Arábia Saudita, onde se encontrou com os líderes do mundo islâmico sunita e onde vendeu 110 bilhões de dólares em armas. Depois, sua viagem continuou por Israel e a Palestina. Ele se encontrou com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente palestino, Mahmud Abbas.
Trump é o primeiro presidente dos Estados Unidos em exercício a visitar o Muro das Lamentações: seus predecessores haviam evitado até agora essa etapa por causa do seu significado político. Com efeito, o muro está localizado na parte oriental de Jerusalém, ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias em 1967 [2] e reivindicada pelos palestinos como a capital do seu Estado. Em seguida, o presidente visitou o Museu Yad Vashem.
Portanto, Roma foi a quarta etapa do seu itinerário, depois de Riad, Jerusalém e Belém. A viagem continuou por Bruxelas e, finalmente, por Taormina, para participar da reunião do G7, o fórum político dos sete governos mais poderosos da Terra do ponto de vista econômico: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá (a Rússia está atualmente suspensa).
O encontro entre o papa e o presidente foi um acontecimento importante e, de alguma maneira, necessário. A visita de Trump durante a sua viagem ao G7 implicava também, quase que naturalmente, o encontro com Francisco. No obstante, era um encontro bastante imprevisível em comparação com os precedentes imediatos na viagem do presidente: não envolvia interesses específicos ou trocas comerciais de qualquer tipo que implicassem eventos formais acordados. E isso o tornou, de fato, um momento muito franco.
A visita foi significativa para o papel que os Estados Unidos exibem no tabuleiro de xadrez internacional. Tinha sido assim com a visita de Barack Obama, e foi assim com a de Donald Trump.
Diante desse encontro, o sentimento predominante em alguns ambientes da mídia foi de interesse, unido a uma certa curiosidade por causa da "oposição" entre o papa e o presidente, muitas vezes dada como óbvia. Mas o pontífice não é um ideólogo nem pensa preto no branco. Ao responder a uma pergunta feita na entrevista coletiva durante a viagem de volta de Fátima em 13 de maio, Francisco fez referência ao encontro com o presidente e disse: "Eu nunca julgo uma pessoa sem tê-la ouvido. Penso que não devo fazê-lo. Quando falamos, as coisas saem: eu digo o que penso, a outra pessoa diz o que ela pensa. Mas nunca, nunca quis julgar sem ouvir a pessoa".
Francisco também é muito realista: ele sabe que a situação mundial neste momento passa por uma séria crise. E aqueles que estão em perigo são os mais fracos. Estão crescendo os nacionalismos, os populismos, a pobreza, os "muros". Portanto, Francisco, o Papa das pontes, quer conversar com qualquer chefe de Estado que o pedir, porque sabe que nas crises não há "bons" e "maus" absolutos. Para ele, a história do mundo não é um filme de Hollywood: os "nossos" não vêm para nos salvar "deles". Ele sabe que sempre e de todas as maneiras há na dança jogos de interesse. É por isso que não entra em redes de alianças já constituídas e mantém as devidas relações entre a dimensão política e os valores espirituais.
O Papa nunca se alia a mecanismos interpretativos rígidos para enfrentar as situações e as crises internacionais. Portanto, nos anos do pontificado de Francisco, a ação da Santa Sé no mundo traz a marca de um diálogo de 360 graus com os protagonistas da cena internacional: de Donald Trump a Vladimir Putin, de Nicolás Maduro a Hassan Rouhani, de Raúl Castro aos líderes colombianos, etc. Para Francisco, a misericórdia delineia-se a nível político em uma fluida liberdade de movimento. Tudo isso desencadeia lógicas imprevisíveis, típicas de uma visão poliédrica, ou seja, uma visão que considera as coisas em sua complexidade. Seja como for, encontra parceiros justo naqueles que representam uma descontinuidade em relação ao pensamento único e naqueles que estão dispostos a "jogar" o jogo político fora do campo e das convenções, como outsiders, encontrando soluções para o bem comum.
Essencialmente, a atitude do Papa consiste em não assumir posições a priori, mas em encontrar-se com os jogadores mais importantes no próprio campo para pensar juntos, assim como para propor a todos um bem maior e exercitar soft power, que é a característica específica da sua política internacional. E foi o que aconteceu no encontro com o presidente estadunidense.
As portas abertas sempre podem ser encontradas, e no diálogo Francisco tende a partir do que se compartilha com o interlocutor. Trata-se de uma atitude que também faz parte da tradição dos jesuítas: é o princípio do chamado praesupponendum (Exercícios Espirituais, n. 22), chave do pensamento e da atitude de Bergoglio desde sempre. Este princípio afirma de forma substancial que é preciso estar mais disposto a salvar uma afirmação do interlocutor do que em condená-la. Se não puder salvá-la, deve procurar saber em que sentido o outro a entende, permanecendo em posição de corrigi-la com delicadeza. Se isso não for suficiente, deve-se tentar todas as maneiras possíveis: diálogo a todo custo.
O Papa confirmou isso em suas declarações durante o voo de volta de Fátima: "Sempre há portas que não estão fechadas. É preciso procurar as portas que pelo menos estão semi-abertas, para entrar e falar sobre ideias comuns e seguir em frente. Passo a passo". Mesmo assim, o encontro nunca responde a uma estratégia ou a uma tática simplesmente. Ao jornalista que lhe perguntou se esperava que Trump fosse atenuar suas decisões, Francisco respondeu: "Este é um cálculo político que não me permito fazer".
Durante a tradicional troca de presentes, o Papa presenteou o presidente com um baixo relevo em bronze que representa uma oliveira que com seus galhos mantém unidas duas faixas separadas de terra. "Há uma fratura", disse ele, "que significa a divisão da guerra. Essa imagem representa o meu desejo de paz. Eu a estou dando para você para que seja um instrumento de paz". O presidente Trump, por sua vez, deu ao Papa uma coleção dos escritos de Martin Luther King. Por que essas escolhas?
Sem dúvida, os Estados Unidos são um país portador de grandes valores, como a liberdade, a identidade e a igualdade, vividos ao longo do tempo de uma maneira muito tensa, talvez também contraditória. O Papa está consciente dos valores espirituais e éticos que moldaram a história do povo americano, encarnados por pessoas como o famoso pastor de Atlanta, ativista dos direitos humanos. O mesmo foi muito bem inferido durante a sua viagem aos Estados Unidos quando, dirigindo-se ao Congresso, falou dos "valores fundadores que viverão para sempre no espírito do povo estadunidense". Esses valores permitiram "construir um futuro de liberdade" que "exige amor pelo bem comum e colaboração com um espírito de subsidiariedade e solidariedade".
Sem dúvida, a questão que mais interessa a Francisco é a das graves crises humanitárias, que exigem respostas políticas com amplitude de visão. Nesta visita, o pontífice expressou uma vez mais e com franqueza a importância de preservar esses grandes valores do povo estadunidense e, de maneira particular, a preocupação com a justiça, a atenção específica aos pobres, excluídos e necessitados. Lembremo-nos de que ele já havia feito isso no telegrama de congratulações pela posse de Trump como 45º presidente da nação. [3] Mas, nesta ocasião, o encontro frente a frente teve um valor diferente, mais profundo e também mais franco.
O presidente Trump certificou com seu próprio presente esse acento. E o Papa trocou com ele uma edição especial de suas exortações apostólicas Evangelii Gaudium e Amoris Laetitia, de sua encíclica Laudato Si’ e da Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017. Independentemente de como se queira entender o presente desses textos oficiais, eles contêm mensagens muito fortes, coincidindo com o significado profundo deste pontificado; dois em particular: a paz, assim como Francisco a entende, fundada na justiça social, e a proteção da criação, o que implica uma série de compromissos que hoje correm o risco de serem postos em discussão, também pelo governo estadunidense.
A mensagem do Papa Francisco sobre a paz também é uma mensagem política. "Paz" significa agir nos quadrantes mais delicados da política internacional em nome dos "descartados" e dos mais fracos. Muitos conflitos armados têm suas raízes em questões sociais. Para Francisco, exortar à paz significa continuar no caminho delineado por João XXIII na mensagem de rádio de 25 de outubro de 1962: "Promover, favorecer e aceitar os diálogos em todos os níveis e a qualquer momento é uma regra de sabedoria e de prudência que atrai a bênção do céu e da terra".
Portanto, neste caso, é um convite dirigido ao presidente Trump para prestar muita atenção ao modo como ele se move no tabuleiro de xadrez internacional. Por exemplo, uma grande venda de armas pode ser exibida como uma medida para contribuir para a paz, mas é evidente que estamos longe da intenção do Papa. Não é possível promover a paz declinando-a apenas com a "segurança". Com efeito, essa seria apenas uma ação dissuasiva incapaz de resolver as fontes dos conflitos. Pelo contrário, sempre se deve identificar a raiz da injustiça social que está na sua origem. "O desenvolvimento é o novo nome da paz", disse Paulo VI [4], uma frase que foi retomada com frequência por Francisco.
O comunicado final da Sala de Imprensa, que resume o significado do encontro entre o papa e o presidente, fala de promoção da paz no mundo e cita também as principais formas de alcançá-la, que são "a negociação política e o diálogo inter-religioso".
No entanto, concretamente é muito difícil dialogar e negociar no Oriente Médio excluindo por completo ou demonizando um ou mais atores do conflito. Segue sendo, portanto, uma verdadeira interrogação entender a atitude dos Estados Unidos de Trump em relação ao Irã do presidente Hassan Rouhani, como ficou claro nas etapas anteriores do presidente dos Estados Unidos. Além disso, segue sendo inquietante a ideia da exasperação de uma luta interna no Islã entre sunitas e xiitas. Devemos recordar, entre outras coisas, que, como aconteceu com Trump, também o presidente iraniano foi recebido pelo Papa, em 26 de janeiro de 2016. A Sala de Imprensa do Vaticano informou que, nessa circunstância, “destacou-se o importante papel que o Irã é chamado a exercer junto aos demais países da região para promover soluções políticas adequadas aos problemas que afligem o Oriente Médio, opondo-se à propagação do terrorismo e do tráfico de armas”.
No citado encontro com Rouhani foi recordada "a importância do diálogo inter-religioso e a responsabilidade das comunidades religiosas na promoção da reconciliação, da tolerância e da paz". O elemento religioso nunca deve ser confundido com o político. Há aqueles que acreditam que o presidente Trump, ao visitar os líderes políticos da Arábia Saudita, Israel e Palestina, também falou com os chefes das outras duas grandes religiões monoteístas, o islamismo e o judaísmo. Na realidade, este é o resultado de uma simplificação que nivela o religioso com o político. Mas não: Trump encontrou-se com líderes políticos de vários Estados. Confundir o poder espiritual e o poder temporal significa colocar o primeiro a serviço do segundo.
Este é o pano de fundo imediato da visita do presidente estadunidense ao Papa, que escapa a qualquer lógica que possamos chamar de "constantiniana". Com Francisco, conclui-se o processo iniciado precisamente no tempo do Imperador Constantino, em que se estabelece uma ligação orgânica entre cultura, política, instituições e Igreja. [5] Uma característica clara da geopolítica bergogliana consiste em não dar apoios teológicos ao poder para que possa se impor ou para encontrar um inimigo que deve ser combatido. A espiritualidade não pode ser ligada a governos ou pactos militares: ela está a serviço de todos os homens. As religiões não podem ver alguns como inimigos jurados e a outros como amigos eternos.
A tentação de projetar a divindade sobre o poder político, que se reveste dela para seus próprios propósitos, é transversal. Também nos pactos do mundo católico retorna, às vezes, semelhante tentação. Mas a fé não tem necessidade de um apoio no poder. Caso se seguisse esse caminho, no final, a religião se tornaria a garantia dos grupos dominantes. É exatamente o que Francisco teme e não quer. É difícil que as alianças políticas que pedem legitimação às religiões saibam respeitá-las como pulmões espirituais da humanidade. Portanto, esse tem sido outro tema implícito no encontro que aconteceu no dia 24 de maio.
Francisco lidou com duas presidências dos Estados Unidos: primeiro, a de Obama e hoje a de Trump. O Papa não escolhe entre governos eleitos de forma legítima, nem interpõe muros: ele o disse várias vezes. Pelo contrário, confronta as escolhas feitas, sobre as quais nunca faltou seu juízo. Mas o encontro foi o primeiro e indispensável passo para um diálogo aberto, sem portas fechadas.
E o diálogo começa com os temas comuns, com os passos em que se reconhece um possível caminho já iniciado em comum. Este é o significado do comunicado de imprensa no final da visita do presidente Trump, que destacou "o compromisso comum a favor da vida e da liberdade religiosa e de consciência". Ao mesmo tempo, identificou-se o vasto campo em que, pelo contrário, se deseja "uma serena colaboração entre o Estado e a Igreja católica nos Estados Unidos", isto é, "o serviço às populações nos campos da saúde, da educação e da assistência aos imigrantes". O espaço para um caminho positivo está aberto à boa vontade.
Notas:
[1] A propósito do presidente Trump, ver também T.J. Reese, "L'elezione di Donald Trump", La Civiltà Cattolica I (2017), pp. 54-66, G. Sale, "El ‘Muslim Ban’. Donald Trump y la Magistratura estadounidense", La Civiltà Cattolica Iberoamericana 3, abril de 2017, pp. 21-35; íd., "La politica estera di Donald Trump", La Civiltà Cattolica II (2017), pp. 158-171.
[2] Ver também G. Sale, "A cincuenta años de la Guerra de los Seis Días", La Civiltà Cattolica 6, julho de 2017, pp. 49-61.
[3] Francisco escreveu para essa ocasião: "Envio-lhe meus cordiais augurios assegurando-lhe que rezarei ao Deus Altíssimo para que lhe dê sabedoria e força no exercício de sua elevada função". E prosseguiu: "Em um tempo em que nossa família humana está atormentada por graves crises humanitárias que exigem respostas políticas unidas e com amplitude de visão, rezo para que suas decisões sejam guiadas pelos ricos valores espirituais e éticos que moldaram a história do povo estadunidense e o compromisso da nação com o avanço da dignidade humana e da liberdade em todo o mundo. [...] Que, sob sua liderança – continuou o Papa –, a estatura dos Estados Unidos possa continuar a ser medida, acima de tudo, por sua preocupação com os pobres, os excluídos e os necessitados, que, como Lázaro, esperam diante da nossa porta". A mensagem do Papa para Donald Trump terminava com a invocação a Deus para que "dê a sua benção de paz, concórdia e prosperidade material e espiritual" ao novo presidente, à sua família e a todo o povo estadunidense.
[4] Paulo VI, Carta Encíclica Populorum Progressio, de 26 de março de 1967, n. 87.
[5] Em 590, sob o pontificado de Gregório Magno (cerca de 540-604), a Igreja começou a assumir o papel de guardiã do Império Romano do Ocidente, com o qual ela buscava para si um novo objetivo. Leão III (750-816) coroou Carlos Magno imperador.
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Spadaro: "A geopolítica bergogliana consiste em não dar apoios teológicos ao poder para que possa se impor" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU