20 Janeiro 2016
"Francisco fala do encontro com os outros; fala de uma transformação. Ele vem daquele mundo exterior, o qual Trump quer tanto manter distante. Fala do valor e da dignidade inerentes ao outro. Francisco personifica a tolerância e, com paixão, se opõe à guerra; ele vem trabalhando para proteger a Terra, a “casa comum”, e vem buscando uma economia global que seja mais equitativa e menos mortal aos que não têm os instrumentos para, nela, participar", afirma o editorial do National Catholic Reporter, 16-01-2016.
Eis o artigo.
Embora sejam duas personalidades bem diferentes possíveis entre si, podemos, não obstante, dizer que fora elas quem agitou o público americano neste ano de 2015. É seguro afirmar que Francisco foi a única figura que poderia ter suplantado (e de fato suplantou) a presença de Trump como um objeto de fascínio nacional, isso durante os dias em que esteve no país.
Os dois, lado a lado, e as correntes de apoio popular que eles inspiram, constituem uma ilustração tão boa quanto quaisquer das perspectivas em jogo que estão tentando moldar a cultura americana no século XXI.
Trump nem um pouco se preocupa em estar aparecendo ofensivo para com as minorias, grupos religiosos e etnias. Ele pretende fazer um muro ao redor dos EUA, mandar para casa os muçulmanos e “bombardear por completo” os inimigos americanos. A sua ideia de força e poder está intrinsecamente ligada ao uso da força e à manipulação do outro segundo os seus desejos e propósitos.
Ele fala somente em termos transacionais – as relações ou têm valor por causa do valor que elas têm para ele, ou elas não o têm. “As pessoas boas”, em seu universo, são as pessoas úteis para ele próprio. Trump deu o tom para a política deste ano. É ele a sensação contra a qual todos os demais estão atualmente sendo mensurados e avaliados.
Francisco atraiu milhões em sua visita ao país pregando a humildade assim como a misericórdia e o perdão, sem esperar recompensa. A sua ideia de poder origina-se naquilo que Trump e muitos outros perceberiam como uma bobagem completa. Os seus círculos eleitorais são os pobres, os ignorados pela sociedade, os migrantes em busca de segurança, trabalho e uma vida nova.
Francisco fala do encontro com os outros; fala de uma transformação. Ele vem daquele mundo exterior, o qual Trump quer tanto manter distante. Fala do valor e da dignidade inerentes ao outro. Francisco personifica a tolerância e, com paixão, se opõe à guerra; ele vem trabalhando para proteger a Terra, a “casa comum”, e vem buscando uma economia global que seja mais equitativa e menos mortal aos que não têm os instrumentos para, nela, participar.
Pode-se somente esperar que esta sua mensagem e o efeito de sua visita aos EUA tenham uma ressonância mais profunda e mais duradoura na população do que o barulho do candidato Trump.
É um mistério que o mesmo país e algumas das mesmas pessoas possam achar inspiradores Trump e Francisco. No entanto, poder-se-ia argumentar que o apelo deles emana de uma mesma fonte: do engajamento com os medos e frustrações mais profundos enquanto indivíduos e cultura.
Politicamente, estamos num oceano. Conforme um grupo de jornalistas do Washington Post observou em uma análise recente e magistral da política de 2015, o que certa vez funcionou não mais funciona: “A propaganda televisiva conquista poucos votos. O teatro político desenvolve-se diante de ouvidos mudos. Currículos politicos impressionantes mostram-se pouco persuasivos. O que deu certo no lado republicano foi um novo tipo de política, um tipo edificado sobre a emoção e numa ligação visceral”.
Trump está pegando carona numa situação criada por uma raiva e um desgosto geral pela política e pelo “grande governo”. O desprezo pelo “politicamente correto” proporcionou uma cobertura ilimitada para uma linguagem e atitudes que, certa vez, teriam tornado inaceitável um candidato.
Os extremos, no entanto, conseguiram um ponto de apoio firme durante um período no qual a política se encolheu, favorecendo certos grupos a tal ponto de que aqueles que ocupam cargos públicos não precisarem mais se preocupar em debater com os que discordam. Os políticos se elegem. Poucos eles conseguem fazer alguma coisa.
A contribuição da religião vem tendo uma consequência mínima. Ela se apresenta de forma muito restrita para marcar posições sem importância, mesmo quando alguns, dentro das grandes tradições religiosas, trazem um brilho de respeitabilidade.
A tentação, num ano político fervilhado por tipos como o candidato Trump, é ver estas eleições acabarem logo e entrarmos nas possíveis explicações. A pressão que tem elevado a sua candidatura vem sendo construída há algum tempo.
Resta saber como o país como um todo – e nós lembramos muito bem de que, como um todo, este país elegeu por duas vezes um negro com um nome incomum para nos conduzir – vai resolver a raiva que paira neste ciclo eleitoral.
Francisco não estará concorrendo nas eleições, mas a resposta a longo prazo à ansiedade destes tempos reside em sua leitura de como a religião deveria reagir diante da cultura – uma compreensão muito mais radical sobre a relação do que aquela que ouvimos nos ambientes políticos. Em termos práticos, isso significa aplicar uma noção mais generosa do bem comum do que a noção vimos em décadas recentes.
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O abismo entre Francisco e Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU